Brasil Conte algo que não sei

Ajahn Mudito, monge budista: 'O budismo é verificável, racional e faz sentido'

Primeiro monge brasileiro da escola Theravada (tradicional), paulista foi ordenado há doze anos. Ele esteve no Rio para encontros na Sociedade Budista do Brasil
Para monge brasileiro, as pessoas têm prazer em sentir raiva. Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Para monge brasileiro, as pessoas têm prazer em sentir raiva. Foto: Leo Martins / Agência O Globo

"Tenho 38 anos. Nasci na periferia de São Paulo, perto de Interlagos, e hoje vivo em um mosteiro na Tailândia. Na adolescência, era crítico à religião. Só depois de alguns anos como monge, quando fui preencher um formulário de visto, dei-me conta da minha ocupação: religioso. Não virei monge com essa ideia."

Conte algo que não sei.

O budismo não tem uma entidade central, tal como o Vaticano. É dinâmico. Ele chega ao Ocidente com várias vertentes. Isso provoca muita confusão. Mas acho que Buda fez isso de propósito. Ele proibiu que alguém tivesse a autoridade para decidir o que é o budismo. Ele é flexível. É para ser assim.

O que não pode ser flexível no budismo?

O ensinamento de Buda é para transcender ao estado mundano de existência. Às vezes, o budismo é apenas um instrumento de autoajuda para ser mais feliz na vida presente. Mas, no budismo, você aprende a ser feliz pobre ou rico. Saudável ou doente. Ele ensina esta tecnologia espiritual. Isso é pré-requisito para alcançar estados mais profundos de meditação e quebrar o ciclo de nascimento e morte. Portanto, a sabedoria de ser feliz se perde um pouco com o budismo pop.

O que torna o budismo pop?

O budismo é verificável, racional e faz sentido. Então, o budismo oferece algo único para o ocidente. No mundo do consumo, a felicidade que nos oferecem é externa. Mas existe felicidade interior, que você não precisa comprar. E muita gente ganha dinheiro com a nossa fraqueza espiritual. Mesmo o budismo pop é bom. É importante que este conhecimento não desapareça.

Há um pouco de psicologia na meditação, não é?

A premissa do budismo é que o ponto central de sofrimento e felicidade está aqui (aponta para a própria cabeça). Não fora. Antes de querer entender o mundo, é preciso tentar entender a mente. Então, o budismo vai nesta linha. Nós somos muito infantis emocionalmente. As pessoas têm crenças sobre elas mesmas sem embasamento nenhum. Você precisa se aguentar. Se você não se aguenta sozinho, quem é que vai te aguentar?

Sentir culpa prejudica a meditação?

Sim. É possível ser uma boa pessoa sem o recurso da culpa. As pessoas têm culpa porque têm medo de si mesmas. É um mecanismo de controle. Eu digo: trabalhe firmemente pela sua bondade para não precisar sentir culpa. A culpa gera muita tensão, desperdiça energia e limita muito sua vida.

Em um vídeo na internet, você falou que as pessoas “lançam suas fezes" nas redes sociais e, quem lê, consome.

As pessoas têm deleite por emoções, gostam de emoções fortes. E usam a rede social como um ralo de emoções porque estão protegidas dentro de casa. Na cara a cara, eu duvido que as pessoas tenham coragem de falar do jeito que falam ali. E as pessoas leem isso porque têm prazer em sentir raiva, em sentir ódio. Mas a paz mental é mais prazerosa.

Como é este prazer?

O nível de concentração elevada, de meditação, é um dos prazeres que nenhuma droga consegue reproduzir. Duvido que consiga reproduzir.

Você não sente falta das emoções exteriores?

No começo, é difícil. A gente mora numa cabana sem eletricidade, dorme no chão, não tem chuveiro quente. Mas isso foi feito por design. A ideia é: você não consegue viver sem prazer. Então, Buda disse: “eu autorizo a vocês o prazer da meditação profunda". É uma forma de cutucar o monge em direção ao progresso espiritual. Senão, você sente prazer com sensações e perde o ímpeto de buscar a pureza espiritual.