Edição do dia 04/11/2014

04/11/2014 09h49 - Atualizado em 04/11/2014 09h54

Bom Dia Brasil percorre Rio São Francisco e mostra escassez de água

Equipes foram da nascente até a foz e encontraram cenário assustador.
Famílias ribeirinhas tiveram que se mudar por causa do nível baixo.

O Bom Dia Brasil fala da agonia do São Francisco. As equipes percorreram o rio da nascente, na Serra da Canastra, até a foz, entre Alagoas e Sergipe, e encontraram um cenário assustador: a fartura de água virou escassez, famílias ribeirinhas tiveram de se mudar e onde passavam barcos agora passam carros.

São os efeitos da pior seca dos últimos 100 anos, agravada pela ação do homem. Veja na reportagem de Gabriel Senna e José Raimundo.

No meio da segunda maior barragem do estado, as cenas, impensáveis até bem pouco tempo, hoje chocam. “O rio está morrendo, o rio está desidratado, o rio está maltratado”, diz um homem.

“Nós não vamos conseguir captar água para levar para a casa das pessoas. Nós não estamos conseguindo captar água para irrigar as nossas plantações”, afirma a representante do Comitê da Bacia de Três Marias Sílvia Freedman Durães.

A Barragem de Três Marias foi construída para armazenar 19,5 bilhões de metros cúbicos de água. Mas, agora, o volume útil chegou a menos de 3% da capacidade. Ela pode parar de gerar energia elétrica a qualquer momento e cortar o fluxo d’água rio abaixo, colocando 122 municípios em risco de desabastecimento. Um trecho de 40 km do São Francisco pode secar.

“Nós temos cidades de 80, cem anos na região do Alto São Francisco que nunca tiveram o curso de água cortado. Nós nunca tivemos desabastecimento de água nos municípios”, afirma o representante do Comitê dos afluentes do São Francisco Lessandro Gabriel da Costa.

Segundo a Copasa - a Companhia de Abastecimento de Minas Gerais - esta é a pior seca do Rio São Francisco dos últimos 100 anos.

O Velho Chico nasce na Serra da Canastra, centro-oeste de Minas. São mais de 2,8 mil km que cortam cinco estados, até desaparecer nas águas do Atlântico, na divisa de Sergipe e Alagoas.

Onde sempre houve fartura, agora há escassez: 85 cidades da Bacia do São Francisco já decretaram situação de emergência por causa da seca em Minas.

Em Morada Nova de Minas, as raízes das palmeiras buritis já estão expostas faz tempo. Em Pedras de Maria da Cruz, pela primeira vez, expectadores chegaram à exibição do projeto ‘Cinema no Rio’ de ônibus, já que a barca não pode mais navegar.

“Quando o barco chega, a sensação é de a cidade toda vem. Então dá uma alegria. Agora, chega de ônibus dá uma tristeza”, lamenta uma moradora.

Em Pirapora, passear no lendário barco à vapor Benjamim Guimarães, só na memória. As viagens hoje, estão canceladas.

A situação é tão séria, que até a principal nascente do São Francisco, na Serra da Canastra, secou este ano. Foi a primeira vez na história que isso aconteceu.

“Muito triste a gente saber que nós estamos do lado do Rio São Francisco, no berço do Rio São Francisco, na nascente do Rio São Francisco e já está passando por uma situação que cidades e cidades estão passando por escassez de água”, lamenta Lessandro Gabriel da Costa.

A estiagem tem afetado também a economia local. Com o nível da água baixo, os peixes vao embora, e os turistas também. Em alguns pontos do rio, por causa das pedras, o motor do barco não pode mais ser ligado. É possível descer e caminhar, uma cena antes impensável.

“Tem 50 anos que eu pesco aqui no Rio São Francisco é a primeira vez que eu vejo ele na situação ruim que está agora”, afirma o pescador José Geraldo de Souza.

A poluição e o assoreamento contribuem para tornar o São Francisco cada vez mais raso. E 77% das águas que saem do leito vão para a agricultura e pecuária. Os ambientalistas não têm dúvidas: estão exigindo demais do Velho Chico.

Com a estiagem, o rio vai perdendo força e vida. Mesmo assim ele continua seguindo o caminho, rompe as barreiras do estado e chega na Bahia.

Quando está cheio o Lago de Sobradinho, o maior do São Francisco, é do tamanho da Baía de Guanabara. Hoje, está irreconhecível: já encolheu 80%. Árvores da caatinga submersa reapareceram e comunidades que ficavam na beira da represa agora dependem do caminhão-pipa. E tem gente se aproveitando da situação para explorar os moradores.

“Mil litros é R$ 15”, diz o motorista Gilvan Ribeiro.

Quem vende chega a faturar R$ 1 mil por dia com a água que sai de graça do lago. “Se não pagar não bebe”, afirma o motorista.

“Um baldinho desse dá para seis tomar banho. As crianças vão para a escola só faz lavar os pés e escovar os dentes, não toma banho”, conta a dona de casa Roberta Ferreira.

A agua que não chega a Sobradinho também falta em grande parte do leito do São Francisco. Nos trechos onde balsas fazem a travessia de carros está muito difícil navegar.

“A profundidade desse canal é um metro e pouco”, afirma o motorista da balsa.

E em águas tão rasas até as balsas menores estão encalhando. “Tem uns 15 dias assim, encalhando”, diz um homem.

O porto da única hidrovia que transportava grãos, entre Ibotirama e Juazeiro, há três meses parou de operar. Da divisa da Bahia com Minas até o município de Xique-Xique, em vários pontos o assoreamento impede o rio de correr. Onde passavam barcos, agora passam carros, carroças. Dá até para apostar corrida de cavalos no leito do São Francisco.

Um dos motivos deste cenário assustador é a destruição das matas ciliares. Elas foram derrubadas em mais de 80% de toda a extensão do rio.

Pelas leis ambientais, margens de rios como o São Francisco, devem ter a proteção de pelo menos cem metros de mata em cada lado. Mas os pastos avançam até a calha e o desbarrancamento tem avançado tanto que comunidades que ficavam a um quilômetro da água agora estão a no máximo 30 metros. Famílias ribeirinhas já foram obrigadas a se mudar.

Os projetos de revitalização, que preveem o replantio das matas ciliares, até agora não plantaram uma árvore, segundo o presidente do Comitê da Bacia do São Francisco. “É preciso agora, finalmente, prestar atenção na realidade de que o São Francisco precisa efetivamente de ações de recuperação ambiental”, afirma Arivaldo Miranda.

Mesmo com pouca água, a barragem de Sobradinho, até agora, está conseguindo liberar a vasão mínima para garantir a geração de energia rio abaixo. O Velho Chico chega ao fim de sua longa viagem sem nenhuma força. Na foz, ele, que empurrava o mar, hoje, se deixa invadir pela água salgada.

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