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Quadrinhos contam a história de personagens cantados por Adoniran Barbosa

‘Quaisqualigundum’, de Roger Cruz e Davi Calil, é ambientado no universo das canções do compositor paulista

Página do quadrinho ‘Quaisqualigundum’
Foto: Reprodução
Página do quadrinho ‘Quaisqualigundum’ Foto: Reprodução

RIO - O título da história em quadrinhos “Quaisqualigundum” é a referência mais explícita da obra à sua fonte de inspiração. Roteirizada por Roger Cruz e com arte de Davi Calil, o gibi é todo ambientado no universo das canções do compositor e cantor paulista Adoniran Barbosa. Além do nome, alusão ao refrão de “Trem das onze”, a obra é protagonizada por personagens de quatro músicas do sambista paulista morto em 1982, aos 72 anos. Os bairros da Mooca, do Brás e do Bixiga servem de pano de fundo ao enredo. Com suas 75 páginas pintadas com tinta guache e aquarela, a HQ estará à venda na internet a partir de 15 de julho, na loja virtual Ugra Press , e chega às livrarias no dia 20, por R$ 45.

— Conheço as músicas do Adoniran desde criança. Elas faziam parte da programação de emissoras de rádio que minha mãe ouvia — lembra Cruz. — Por volta de 2009, ouvindo algumas músicas do Adoniran, comecei a pensar sobre os personagens citados, suas histórias e os locais onde viviam. As ideias começaram a surgir e escrevi a primeira história, baseada na música “Saudosa maloca”. Nela, imaginei quem teriam sido Eu, Mato Grosso e Joca, como se conheceram, como foram parar naquela maloca e o que aconteceu depois. Essa primeira história puxou as outras, e o projeto foi ganhando forma.


Capa do quadrinho Quaisqualigundum, sobre Adoniran Barbosa
Foto: divulgação
Capa do quadrinho Quaisqualigundum, sobre Adoniran Barbosa Foto: divulgação

Conhecido pelos fãs de quadrinhos por seus desenhos para a editora Marvel Comics, em revistas de super-heróis como X-Men, Wolverine e Homem-Aranha, Cruz convidou Calil para fazer as ilustrações do projeto. No fim de 2012, “Quaisqualigundum” foi um dos cinco trabalhos beneficiados pelo Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC). Em contrapartida à verba de R$ 40 mil para a produção da obra, a dupla vai doar 200 exemplares para bibliotecas públicas de São Paulo e comandar uma oficina gratuita de quadrinhos.

Além de “Saudosa maloca”, as outras músicas que inspiraram o álbum são “Apaga o fogo mané”, “Samba no Bixiga” e “Samba do Arnesto”. O enredo mistura tramas narradas nas canções, como a busca de Mané por sua mulher, Inez; uma briga generalizada no Bixiga; o saudosismo de quatro amigos por uma maloca; e o sumiço de Arnesto, anfitrião de um samba no Brás.

— O clima geral das histórias passa um tom dos anos 1970 e 80, mas a ideia é que sejam atemporais — diz Calil. — Pesquisamos muito na São Paulo de hoje os resquícios da cidade da época do Adoniran. Há uma frase em que ele diz mais ou menos assim: “Esses dias eu fui procurar São Paulo e não achei. Cadê o Bixiga, o Brás, a Mooca? Andei, andei e não vi São Paulo, só vi concreto, asfalto e carros”. Parece que ele já tinha sentido os efeitos do “pogréssio” desenfreado e desorganizado da capital.

Professor de pintura na Quanta Academia, em São Paulo, e um dos autores envolvidos na segunda leva de graphic novels da Mauricio de Sousa Produções, ele explica que optou por colorir a obra à mão em detrimento da tendência da colorização digital:

— Seria mais simples e bem mais barato se o trabalho fosse feito digitalmente, mas queria passar pelo desafio de produzir um álbum inteiro com tinta. As nuances de cor, texturas do papel, marcas de pinceladas, manchas e os acidentes que ocorrem no meio do percurso fazem o esforço valer a pena.

Lançado com o selo do coletivo de quadrinistas paulistas Dead Hamster, o gibi tem texto introdutório do músico Emicida, fã de quadrinhos e do repertório de Adoniran. O pano de fundo suburbano das histórias lembra os contos ilustrados pelo americano Will Eisner em suas graphic novels ambientadas em Nova York.

— Para mim, São Paulo é, principalmente, esse monte de gente vinda de todos os cantos do país. Gente vivendo pequenos ou grandes dramas cotidianos como os que o Adoniran retratava nas músicas — analisa Cruz.