Política Eleições 2014

Guerra no horário eleitoral foge de temas centrais da vida do eleitor, dizem analistas

Exploração do pré-sal e crise na Petrobras ganharam destaque maior no embate entre candidatos pela indefinição da corrida sucessória

“Pessimildo”, fantoche usado na campanha do PT, ironiza os críticos do governo
Foto: Capturado do Youtube
“Pessimildo”, fantoche usado na campanha do PT, ironiza os críticos do governo Foto: Capturado do Youtube

RIO — O tom belicoso dos programas do horário eleitoral gratuito, provocado pela indefinição na corrida sucessória, surpreendeu os analistas de campanhas eletrônicas. Para eles, a propaganda negativa foi antecipada porque, ao contrário das eleições presidenciais anteriores, desta vez não se sabe quem chegará em primeiro lugar no dia 5 de outubro. A guerra eletrônica, na visão de alguns estudiosos do tema, está criando uma espécie de realidade paralela, onde problemas como o modelo de exploração do pré-sal e a crise na Petrobras ganharam uma dimensão maior do que questões mais centrais na vida do brasileiro, como transportes públicos, saúde e segurança.

A temperatura do horário eleitoral, iniciado em 19 de agosto, está subindo à medida que a eleição se aproxima. A campanha de Dilma Rousseff (PT), por exemplo, lançou no ar “Pessimildo”, fantoche de cenho franzido e olhos vermelhos, que é ranzinza e ironiza os críticos do governo. Porém, a agressividade encobre o debate sobre o projeto de cada candidato, que vem perdendo a força, e o eleitor não parece empolgado com o que assiste no vídeo.

PROGRAMAS SEM FORÇA

Pesquisa recente do Datafolha revelou que o horário eleitoral, foco dos maiores gastos de campanha, já não tem a mesma força do passado. De acordo com o instituto, 46% do eleitorado respondeu não ter “nenhum interesse” pelos programas. Outros 33% disseram que têm “pouco interesse”. Muito interessados foram somente 20%. A taxa de falta de interesse demonstrada pela pesquisa só não foi maior do que na campanha de 1998.

O publicitário Fabro Steibel, professor da ESPM-Rio especializado em propaganda política, está surpreso com a antecipação da campanha negativa, ainda mais partindo da candidata governista. Ele disse que, embora a estratégia possa apresentar resultados a curto prazo, pode ter como efeito colateral o aumento da rejeição a quem ataca:

— Em 2002, a estratégia de Lula, o Lulinha Paz e Amor, de não bater no Serra praticamente paralisou o adversário. Agora, a estratégia é completamente diferente. A campanha negativa é antecipada. Ela serve basicamente para o candidato convencer o eleitor a não votar no adversário. Nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, isso funciona. No Brasil, com o voto obrigatório, o resultado é outro. O programa de TV é feito para os indecisos.

Outro efeito colateral é o empobrecimento do debate em torno das propostas dos candidatos. Quando focam no adversário, preocupados com o seu crescimento, deixam de falar de si. O publicitário Arthur Mulhenberg, que trabalha com marketing político desde 1990, vê pouca relação entre o quadro real e o que está sendo discutido:

— Casamento gay, jatinho, Petrobras são um universo paralelo. Alguém que vai buscar o horário eleitoral para se informar, não consegue. Deixa a desejar porque não aborda os problemas sérios. É desconectado da realidade. O formato também limita. Os programas, por serem leves, não aprofundam o debate.

Os candidatos podem argumentar que há muito a ser abordado, muitas proposições caras a muitos setores e grupos de interesse que formam a grande massa eleitoral, e o tempo de TV e rádio são muito curtos para aprofundar a discussão de projetos. Porém, o professor Camilo Aggio, doutor em Comunicação Política pela UFBA, lembrou que, na comunicação digital, há todo tempo e espaço do mundo para que partidos e candidatos tratem, com profundidade seus projetos, planos e propostas:

— Eles o fazem? Pouco. Todos os principais candidatos a presidente lançaram planos de governo e os disponibilizaram em seus sites. Divulgaram em suas redes. Me aponte, com exceção do recuo de Marina, alguma discussão pregnante nos sites de redes sociais, sobre pontos desses projetos. Eu desconheço.

TEMPO DESIGUAL

Para Vera Chaia, da PUC-SP, a situação é agravada pela distribuição de tempo entre os candidatos presidenciais, que considera desigual:

— Só a Dilma tem capacidade de mostrar as suas realizações e prometer que fará mais. O modelo deveria ser aprimorado, com relação ao tempo do candidato, mas isso será possível apenas com a reforma política.

Alessandra Aldé, professora adjunta do Programa de Pós- graduação em Comunicação da Uerj e especializada em marketing político, disse que a campanha negativa é uma forma de se afirmar, até por denúncias:

— O nível de ataque de Dilma me surpreende. Esta posição é mais confortável. O tom mais agressivo não é comum. As pessoas não gostam de quem ataca. O horário eleitoral facilita quem não tem espaço na mídia tradicional para prestar contas. É maquiada, mas o eleitor sabe discernir. Eleitor não é idiota.

Felipe Borba, professor do Doxa (Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública) do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, especialista em comportamento político e comunicação política, disse que a antecipação da propaganda negativa, normalmente, é uma estratégia de quem está perdendo, mas Dilma tomou a iniciativa.

— Não é estratégia governista. É a primeira eleição em que a disputa pelo primeiro lugar no primeiro turno está indefinido.

Camilo Aggio alerta, contudo, que a guinada belicosa no horário eleitoral não deve ser atribuída apenas aos marqueteiros dos candidatos. Para ele, há uma concentração de atenção pública em determinados temas da agenda pública, principalmente aqueles que geram controvérsias, sejam eles de ordem moral, ou de ordem ideológica.

Outra preocupação dos analistas, com quase um mês de horário eleitoral, é a qualidade dos programas dos candidatos ao Legislativo. Alessandra Aldé disse que a campanha no rádio e na TV é pouco importante, porque o eleitor escolhe por outras vias.