Coluna
David Brooks

Nenhuma guerra é uma ilha

O conflito entre Israel e os palestinos se tornou apenas um palco no qual se expressam os choques regionais no mundo árabe

É surpreendente o quanto a discussão sobre a guerra de Gaza se baseia na suposição de que ainda estamos em 1979, na percepção de que a disputa israelense-palestina é contida em si mesma, protagonizada pelas duas partes mais diretamente envolvidas. Ainda se acredita que o horror pode ser contido se hábeis negociadores romperem o impasse na direção de um acordo “dois povos, dois estados”. Mas não é mais 1979. A violência entre Israel e o Hamas, que controla Gaza, pode parecer a mesma, mas o contexto em torno mudou.

O que ocorreu é que o Oriente Médio iniciou o que Richard Haass, do Council on Foreign Relations, chama de sua Guerra dos 30 Anos — série de conflitos e guerras por procuração que se entrelaçam, podem durar décadas e transformar identidades, mapas e contornos políticos da região.

A rivalidade sunita-xiita está em plena ebulição. Despedaçado pela violência sectária, o Iraque não mais existe em sua antiga forma.

A rivalidade entre o autoritarismo árabe e o islamismo está em plena ebulição. Mais de 170 mil sírios morreram numa terrível guerra civil, incluindo 700 em apenas dois dias, há duas semanas, enquanto o mundo prestava atenção em Gaza.

A rivalidade sunita contra sunita está em ebulição também. Arábia Saudita, Qatar, Turquia e outras nações estão em meio a uma guerra fria intrassunita, enviando mensageiros de aluguel que distorcem qualquer outra tensão na região.

A rivalidade saudita-iraniana está forte também — os dois países manobram pela hegemonia regional e contemplam uma corrida nuclear.

Em 1979, a situação israelense-palestina era fluida, mas o mundo árabe em torno estava relativamente estagnado. Agora, a região é um caldeirão de mudanças convulsivas, enquanto o conflito entre Israel e palestinos se tornou repetitivo.

Aqui está o resultado: as grandes convulsões regionais estão conduzindo os eventos, incluindo a guerra em Gaza. O conflito palestino-israelense se tornou apenas um palco no qual se expressam os choques regionais no mundo árabe. Quando se chocam, dão tiros em Israel para ganhar vantagem uns sobre os outros.

Veja como os combates em Gaza foram atiçados. Defensores do autoritarismo e islamitas estão em luta pelo controle do Egito. Depois da Primavera Árabe, os islamitas assumiram o controle. Mas, quando o governo da Irmandade Muçulmana foi derrubado pelos militares, estes iniciaram a repressão. Sentenciaram à morte centenas de líderes da Irmandade. Fecharam 95% dos túneis que conectavam Egito a Gaza, onde a cria da Irmandade, o Hamas, está no poder.

Como pretendido, a iniciativa egípcia foi economicamente devastadora para o Hamas. Este tirava 40% de sua receita das tarifas sobre mercadorias que passavam por esses túneis. Um economista estimou o prejuízo em US$ 460 milhões por ano, quase um quinto do PIB de Gaza.

O Hamas precisava acabar com o bloqueio, mas, sem poder atacar o Egito, atacou Israel. Se o Hamas pudesse emergir como o lutador heroico numa guerra contra o Estado judeu, se as telas das TVs árabes se enchessem de civis palestinos mortos, a revolta da opinião pública forçaria o Egito a levantar o bloqueio. Vítimas civis eram parte do plano. O alvo era o Cairo.

Todo o conflito passa a sensação de uma guerra por procuração. Turquia e Qatar apoiam o Hamas na esperança de ficar por cima em sua rivalidade regional com Egito e Arábia Saudita. Egípcios e até sauditas estão discretamente torcendo para Israel, para que sua máquina de guerra enfraqueça o Hamas. Em 1979, a disputa árabe-israelense parecia um choque de civilizações, entre a democracia ocidental e a autocracia árabe. Hoje, parece um pedaço de um choque dentro da civilização árabe, sobre seu futuro.

David Brooks é colunista do “New York Times”

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