15/07/2011 07h00 - Atualizado em 30/01/2012 00h41

Pacificadas, Tabajaras e Cabritos se 'especializam' em lavar roupa suja

Depois da pacificação, 3 lavanderias foram inauguradas nas comunidades.
Vindo de renomados restaurantes, cearense cozinha risoto de baião de dois.

Bernardo TabakDo G1 RJ

Lavar roupa suja se tornou uma "especialidade" nas comunidades da Ladeira dos Tabajaras e do Morro dos Cabritos, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Desde que as duas favelas foram ocupadas e receberam uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em janeiro de 2010, foram abertas três lavanderias. “Hoje, temos duas na ladeira e uma na Rua Euclides da Rocha”, aponta Cláudio Dias Carvalho, presidente da Associação de Moradores, que engloba Tabajaras e Cabritos. “Dos comércios daqui, esse foi o que mais cresceu”, constata.

Na série sobre formalização nas favelas, o G1 vai contar as histórias de empreendedores nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro.

E tudo começou no improviso, com moradores que começaram a lavar roupa dentro de casa. “Eu e minha esposa trabalhávamos em um hotel, em Copacabana: eu na portaria e ela no coffee shop. Como não havia lavanderia, a gente fazia amizade com os hóspedes e oferecia para lavar as roupas, em nossa casa mesmo”, recorda Arimar Antonio Linhares. “Nesse hotel, se hospedam muitos funcionários da Petrobras e da Vale do Rio Doce, que precisam do serviço”, conta Linhares.

Josenaide e Arimar descobriram o negócio de lavanderia trabalhando em um hotel  (Foto: Bernardo Tabak/G1)Josenaide e Arimar descobriram o negócio de
lavanderia trabalhando em um hotel
(Foto: Bernardo Tabak/G1)

Área de serviço vira lavanderia
Em meados de 2007, ele e a mulher, Joseneide Alves Teixeira, foram demitidos. “A gente via as pessoas passando com sacolas de roupas pela portaria. Pensamos: ‘A gente está dando mole. Vamos investir um pouco nessa área que vai dar certo’”, lembra. Com o dinheiro da rescisão, decidiram empreender e compraram uma máquina de lavar e uma de secar. “A gente usava a área de serviço do nosso apartamento para trabalhar”, conta.

No começo, o casal não tinha como legalizar o negócio, já que trabalhavam informalmente em um prédio residencial. “Não dava pra tirar um alvará”, reconhece Linhares. Mas, quando perceberam que o espaço não comportava mais a demanda, partiram para montar uma loja. “A gente estava sufocando. Então, alugamos um espaço na rua onde morávamos. Antes de botar em funcionamento, já resolvemos buscar os documentos”, conta ele. “Não queria correr o risco de montar um negócio e estar ilegal”, acrescenta ele, que tem o alvará inscrito no programa Simples.

Antes da UPP, medo de o tráfico fechar o comércio
A pacificação das favelas foi fundamental na decisão do casal, que tinha receio da guerra do tráfico. “A gente via, em outras comunidades, que o comércio às vezes fechava. A pacificação veio para somar, para incentivar a gente a abrir nossa loja”, frisa Linhares. A Lavanderia Jose&Mar foi inaugurada em março de 2010. “Hoje a gente pode trabalhar com segurança. Muitas vezes, ficamos até tarde, tipo umas 22h”, complementa.

A lavanderia cobra por quilo de roupa: R$ 7 para lavar e secar e R$ 12 para entregar a roupa também passada. Também faz lavagem a seco, coleta e entrega roupa na casa dos clientes. “Cerca de 70% são de fora da comunidade, de bairros como Leblon, Ipanema, Flamengo, Botafogo”, ressalta Linhares. Ele explica que os fregueses de outros bairros são herança do tempo em que lavava roupa em casa. “Mas, hoje, com a loja na rua, estamos mais expostos à comunidade, e acredito que o número de clientes daqui vai aumentar”, comenta.

Após três semanas em sua nova lavanderia, Ana Lúcia já planeja comprar mais máquinas (Foto: Bernardo Tabak/G1)Após três semanas em sua nova lavanderia, Ana
Lúcia já planeja comprar mais máquinas
(Foto: Bernardo Tabak/G1)

Satisfeito, Linhares e a esposa querem, em breve, contratar uma passadeira. Mais adiante, pretendem abrir mais duas lojas: “Em Jacarepaguá, onde tenho parentes, e em Niterói. Nos dois lugares acredito que há carência de lavanderias.” “Sem dúvida é melhor ser o próprio patrão. É uma responsabilidade muito maior do que ser funcionário, que cumpre horário e vai embora. No seu próprio negócio, tem que criar vínculo com os clientes”, conclui.

Experiência em lavanderia abriu caminho para empreender
Caminho parecido foi o tomado por Ana Lúcia Ribeiro Reis, quando, em abril de 2009, pediu demissão da lavanderia na qual era uma espécie de “faz-tudo”, na Rua Santa Clara, uma das mais comerciais de Copacabana. “Não dava conta de trabalhar e cuidar de quatro filhos”, conta ela. “Eu colei uns cartazes na comunidade, escritos: ‘Lavanderia Ana Lava Tudo – lava e passa’, com o meu telefone. Trabalhava em casa mesmo. No primeiro dia, atendi dez clientes”, recorda.

“No mesmo dia em que tive a ideia, pedi ao meu esposo para comprar uma secadora de dez quilos. Pagamos em dez parcelas, sem juros. Para lavar, usava a nossa máquina mesmo, de oito quilos”, recorda Ana Lúcia. Três meses depois, comprou mais uma lavadora, de dez quilos, e outra máquina de secar, de 15 quilos. Em abril de 2010, comprou mais uma secadora, também de 15 quilos. “Esta última, estou acabando de pagar”, conta. Há seis meses, investiu em um ferro profissional de passar roupa.

A experiência, Ana Lúcia adquiriu nos 15 anos trabalhando em lavanderia. “Eu via como atender o cliente, como lavar roupa. Aprendi a passar. Como era comum faltar funcionários, muitas vezes eu cheguei a administrar a loja”, explica ela. “Percebi que era uma coisa que dava certo”, acrescenta.

A Lavanderia Tabajaras foi a primeira a ser inaugurada no alto da comunidade (Foto: Bernardo Tabak/G1)A Lavanderia Tabajaras foi a primeira a ser inaugurada no alto da comunidade (Foto: Bernardo Tabak/G1)

Apesar da confiança, Ana Lúcia demorou um ano para se legalizar. “Eu queria ver se o negócio ia realmente andar”, explica. Ela se inscreveu no Simples ainda dentro de casa. “Eu tinha que ter nota fiscal para atender a hotéis e restaurantes. E os outros clientes sentiam mais segurança com a nota”, ressalta ela.

Pacificação ajuda a expandir negócio
Ana Lúcia conta que, em 16 de janeiro de 2010, dois dias depois da ocupação das comunidades por policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), ela passou a trabalhar em um trailer emprestado pela associação de moradores. Em junho do mesmo ano, abriu a Lavanderia Tabajaras, em parceria com a amiga Mônica de Jesus Silva, que também trabalhou em uma rede de lavanderias, por 12 anos. “Com a pacificação, todos passaram a ficar mais à vontade na comunidade. Hoje, meus clientes podem vir até mim. Antes, não vinham por medo”, recorda Ana Lúcia.

A parceria deu certo. “A loja deu muito mais movimento do que na minha casa”, recorda Ana Lúcia. “No primeiro mês, achei que não ia dar nem R$ 500 de lucro. Mas conseguimos ganhar mais de R$ 2 mil”, acrescenta Mônica.

A clientela da Tabajaras é formada basicamente por moradores da comunidade, até mesmo pela localização da lavanderia, que fica na subida para o morro. “O pessoal do asfalto não vem muito, e representa menos de 10% dos nossos clientes”, explica Mônica.

Romero prepara o baião de dois e o contrafilé: "Adoro cozinhar!" (Foto: Bernardo Tabak/G1)Romero prepara o baião de dois e o contrafilé:
"Adoro cozinhar!" (Foto: Bernardo Tabak/G1)

Acordo para multiplicar clientes
Desde a inauguração da Lavanderia Tabajaras, as duas amigas, que se conhecem há cerca de 20 anos, selaram um acordo para, ao final de um ano, cada uma ter a própria loja. “Dessa forma, cada uma cresceria por si só”, explica Mônica. Ana Lúcia utilizou o antigo nome e abriu, no final de maio deste ano, a Lavanderia Ana Lava Tudo na Rua Euclides da Rocha, na parte alta da comunidade.

“A Ana ficou em um lugar estratégico. Então, ela ficou com os clientes lá de cima, e eu com os que moram na parte baixa”, ressalta Mônica. Os preços pelo quilo de roupa lavada se equivalem: R$ 6 (lavar e secar) e R$ 10 (lavar, secar e passar). As lavanderias ainda oferecem lavagem a seco, tingimento, e lavagens de edredom, tênis e tapetes.

“Agora, quero abrir outra lavanderia, mas no asfalto, em Copacabana”, sonha Mônica. “E quero abrir em até quatro meses!”, emenda. Ana Lúcia é mais comedida e quer consolidar a loja recém-inaugurada. “Já estou me preparando para comprar, em julho, mais uma secadora, desta vez de 17 quilos, e outra lavadora, de 15 quilos”, conta os planos. “A amizade continua muito forte. Somos amigas de uma vida inteira. Não adianta ter dinheiro e não ter amigos”, conclui Mônica.

Risoto de baião de dois
A pedida para esperar a roupa lavar é almoçar no Restaurante 48. O cliente pode ser atendido pelo cozinheiro do lugar, e um dos proprietários: Romero Alves Moreira. Depois de dez anos nas cozinhas de dois prestigiados restaurantes do Rio de Janeiro - o francês Olivier Cozan, de 1999 a 2004 (fechou em 2008) e o italiano Alessandro & Frederico, de 2004 a 2009 -, o cearense, de 33 anos, abriu uma padaria e pizzaria. Um ano e meio depois, montou o Restaurante 48.

O Baião de Dois é servido como um risoto (Foto: Bernardo Tabak/G1)O Baião de Dois é servido como um risoto,
acompanhado de contrafilé e salada
(Foto: Bernardo Tabak/G1)

Um dos pratos mais pedidos é o baião de dois, que recebeu uma certa influência da culinária italiana. “O baião de dois é, basicamente, um risoto à base de feijão fradinho”, explica ele. “Gosto de cozinhar, principalmente pratos nordestinos, como dobradinha, galinha ao molho pardo, vaca atolada e caldo de mocotó. É muito bom”, acrescenta.

Apesar dos três anos como empreendedor, apenas há sete meses Romero e os sócios formalizaram os comércios. Romero alega que não via necessidade, já que não havia muita fiscalização na favela. “Mas, agora, ficou mais fácil conseguir um bom preço com os fornecedores”, destaca ele, satisfeito com a legalização. “Eu costumo dizer: qual o negócio que dá dinheiro? Aquele que você sabe fazer. Se você monta um negócio com o qual você saiba trabalhar, não tem como dar errado”, finaliza.

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