Rio

UPPs atravessam momento decisivo, segundo especialistas

Projeto de pacificação do estado, que reduziu homicídios, deve priorizar combate a desvios policiais
Cacos de vidro no chão, em frente à sede da UPP do Pavão-Pavãozinho: unidade foi atacada durante protesto na favela Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Cacos de vidro no chão, em frente à sede da UPP do Pavão-Pavãozinho: unidade foi atacada durante protesto na favela Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — Mortes, ataques violentos, tiroteios e protestos de moradores. Para especialistas em segurança, o histórico recente de comunidades do Rio deixa claro que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que já beneficiam 1,5 milhão de pessoas, vivem um momento decisivo. É hora, de acordo com eles, de ajustes no projeto que teve o mérito de provocar uma queda drástica dos homicídios. No ano de 2012, o Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgou que as primeiras 18 UPPs do Rio, em 29 favelas, tinham registrado média de 8,7 homicídios por 100 mil habitantes, menos da metade da taxa média do país, de 24,3, abaixo da taxa na cidade (18) e no estado do Rio (25).

O estado como um todo, nos últimos anos, teve uma expressiva redução do crime. Se, em 2006, o total de homicídios no Rio foi 6.323, no ano passado já era 4.761, uma queda de 24,7%.

Os estudiosos apontam como prioridade a reforma da polícia, a punição de agentes que cometem desvios e o combate à corrupção. O sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, é enfático: o momento é de crise. Para ele, a morte de Amarildo de Souza, em julho de 2013, na Rocinha, já havia causado grande desgaste.

— Não se conseguiu que a população visse as UPPs como sua, que as unidades estão lá para protegê-la, em vez de atuar como uma força externa de invasão. A sensação é que, há muito tempo, o projeto está no piloto automático. A fase da avaliação das UPPs, prevista quando elas foram criadas, nunca aconteceu — diz Cano, ressaltando que, diante do quadro, começam a surgir resistências ao programa e protestos de moradores de favelas.

O sociólogo chega a classificar as UPPs (atualmente são 37 instaladas) em três grupos. No primeiro, com situação mais crítica, nunca se alcançou o controle: Complexo do Alemão e grande parte da Rocinha. Em outro, há crises constantes, como Manguinhos, São Carlos e, agora, Pavão-Pavãozinho. E, num terceiro, como Dona Marta, Batam e Chapéu Mangueira, a pacificação foi tranquila.

Michel Misse, do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, destaca o impacto das UPPs sobre os homicídios, mas diz que mortes como a de Douglas Silva, no Pavãozinho, são um problema mais complexo, ao evidenciarem velhas práticas policiais:

— A UPP só dará certo se mudarmos a polícia, que muitas vezes persegue as pessoas erradas e trabalha com uma suspeição genérica de que todo morador é potencialmente um traficante.

Ex-presidente do ISP, Ana Paula Miranda diz que as UPPs têm méritos e limitações.

— O projeto precisa estar integrado a estratégias como a reestruturação da polícia, o tratamento da corrupção e da violência policial e a valorização dos agentes. Sem isso, a UPP vira uma grande grife — diz.