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27/10/2006 - 18h29m

CONSTRUTOR DA RÉPLICA DO 14BIS NÃO ESTARÁ EM EVENTO NA FRANÇA

Brigas entre a Força Aérea Brasileira e a família que construiu a cópia do 14bis ameaçam o vôo programado para ocorrer em Paris


Marília Juste, do G1, em São Paulo
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Foto: Editoria de Arte
Vôo do 14bis original ocorreu em 12 de novembro de 1906

Desentendimentos entre a família que construiu a réplica do primeiro avião de Alberto Santos-Dumont e os organizadores das comemorações do Centenário da Aviação estão ameaçando o sucesso de uma exibição em homenagem ao brasileiro, planejada para 5 de novembro, em Paris. A confusão pode fazer com que a reconstituição do primeiro vôo homologado da história da aviação, realizado em novembro de 1906, acabe em fracasso, como o que ocorreu com réplica do Flyer dos irmãos Wright três anos atrás e com a nau capitânia que seria o centro das comemorações dos 500 anos do Descobrimento, em 2000.

No centro da discussão estão a Força Aérea Brasileira e a família Calassa, que viajou por todo o país nos últimos meses, com sua réplica do 14bis. O próximo evento do Centenário da Aviação seria a apresentação no campo de Bagatelle, em Paris, onde cem anos atrás, Santos-Dumont mostrou ao mundo sua máquina de voar.

Enquanto o brigadeiro Nelson Taveira afirma que o problema é uma simples questão comercial, os Calassa dizem que foram boicotados, porque a FAB gostaria que um militar, e não um civil como eles, se apresentasse na França.

Segundo Aline Calassa, filha do construtor da réplica, Alan Calassa, o problema começou já na assinatura do memorando de entendimento que possibilitaria a viagem à Paris. “A Força Aérea exigiu que um piloto deles, militar, fosse treinado por nós para voar na França. Eu entraria apenas como segundo piloto, na prática, não faria nada ali. Nós não gostamos, mas concordamos, porque queríamos participar”, diz ela.

O brigadeiro Taveira, presidente da comissão que planejou o centenário do vôo do 14bis, rebate a crítica e afirma que só pediu o treinamento de um piloto da FAB, porque nem Alan nem Aline teriam condições de voar na França. “O Alan é o único até agora que conseguiu pilotar a réplica, mas ele não tem habilitação para vôo e a legislação francesa exige isso. A Aline tem o brevê, mas até agora, embora afirme o contrário, não conseguiu mostrar que consegue pilotar o avião”, afirma.

De qualquer maneira, o treinamento do piloto da FAB acabou não sendo completado. Na primeira tentativa de vôo solo, ele não conseguiu se manter no ar e caiu, destruindo boa parte da réplica, que precisou ser consertada.

Segundo o piloto e o brigadeiro, ele não teria conseguido aprender a pilotar o 14bis por falta de condições climáticas, na maior parte do tempo, e porque Aline Calassa teria pedido que o avião fosse segurado antes de permitir o treinamento, o que consumiu tempo. Segundo Aline, o piloto simplesmente não tinha condições de voar. “Pilotar o 14bis não é simples. Ele é diferente de qualquer aeronave, você pilota em pé, controla as asas com os ombros, é difícil. Por isso, ele caiu e quase destruiu todo o avião”, afirma.

Paralelamente aos problemas com o piloto, um novo desentendimento entre os organizadores e os Calassa se desenrolava. Patrocinada pela Embraer, a família havia pedido uma verba de 180 mil euros para a viagem e o evento. A empresa ofereceu 60 mil euros. “A princípio, negamos, porque não teríamos condições de fazer o vôo assim. Mas decidimos procurar a ajuda de outros patrocinadores para completar o dinheiro, e resolvemos aceitar. Mas quando aceitamos, o brigadeiro Taveira disse que era tarde demais, cancelou o treinamento do piloto e disse que não iríamos”, conta Aline Calassa.

Segundo o brigadeiro Taveira, os Calassa demoraram muito para tomar uma decisão. “O dia 10 de outubro era a minha data limite para organizar essa viagem. Ou cancelávamos tudo, ou procurávamos outra alternativa”, afirma. “No dia 10, os Calassa não responderam. Dei mais 24 horas e liguei para eles durante todo o dia 11. No dia 11, à noite, enviei um e-mail pessoal para a Aline, apelando para que ela reconsiderasse. No dia seguinte, ela respondeu dizendo que só iria com a verba de 180 mil euros. Quase uma semana depois, no dia 17, ela me envia um e-mail mudando de idéia, mas aí já não havia mais tempo. Eu já tinha negociado uma alternativa”, diz ele.

Aline Calassa diz que só respondeu no dia 17, porque tinha até o dia 18 para treinar o piloto e que, por isso, tinha até essa data para definir a viagem. “Se dia 11 era o limite, porque o brigadeiro manteve seu piloto treinando conosco? Porque ele entrou em contato com a seguradora, para que os danos que a queda do 14bis nos fossem ressarcidos?”, questiona. Segundo o militar, isso aconteceu não com a apresentação em Paris em mente, mas com a que ocorreu em Brasília, logo depois, em 22 de outubro. “A viagem de Paris foi resolvida no dia 12, quando Aline negou meu apelo. Depois, continuamos conversando, por causa da apresentação em Brasília. Mas como o piloto não conseguiu ser treinado, o próprio Alan pilotou a réplica em Brasília -- porque a lei brasileira entendeu que o 14bis não era uma aeronave comum e não exigiu o brevê”.

Com a ida dos Calassa cancelada, a alternativa encontrada pela Força Aérea foi substitui-los pelo coronel da reserva Danilo Fuchs, piloto da companhia aérea TAM, que também construiu uma réplica do 14bis. Com a relação entre eles finalizada, agora sobram acusações entre os dois lados.

Aline Calassa afirma que o avião de Fuchs não é uma réplica perfeita como a de seu pai e diz que o militar até agora não conseguiu mostrar que consegue pilotá-la. “O avião dele é um ultraleve normal, que só parece com o 14bis. O nosso é uma réplica idêntica, pilotada como o 14bis original. Tivemos esse cuidado especialmente por causa da apresentação na França, queríamos passar pelo crivo dos historiadores”, diz ela. “E até agora ele não conseguiu voar”, acusa.

Em defesa de Fuchs, o brigadeiro Taveira afirma que a réplica do coronel é uma cópia fiel do 14bis original, e que quaisquer pequenas diferenças são normais e não serão perceptíveis para o público. “Nenhuma réplica vai ser perfeita e duas réplicas não serão idênticas entre si. Não é porque você consegue pilotar uma, que conseguirá pilotar a outra”, diz ele.

O militar também afirma que Fuchs é perfeitamente capaz de voar com seu avião e que até já voou em Bagatelle, com uma cópia feita em 1982. Quem não conseguiria voar, segundo ele, é Aline. “Ela até afirma o contrário, mas até agora não conseguiu mostrar para ninguém. Pode ter sido azar, ela não teve oportunidade. Mas é difícil, ela é mulher, é mais fraca, e o 14bis é um avião que exige muita força”, afirma.

Acusações à parte, o fato é que o coronel Fuchs se encaminha para a França na próxima semana, enquanto os Calassa, que participaram de todos os eventos até agora, ficam em casa. “É uma tristeza muito grande. Meu pai está muito chateado. Passamos quatro anos nesse projeto. Nosso objetivo era mostrar ao mundo a genialidade de nosso herói. Foram muitos anos de luta e agora acontece uma coisa dessa”, diz Aline.

De seu lado, o brigadeiro Taveira também se diz triste. “Lamentei muito, porque eles estiveram conosco o tempo todo. Sempre incentivamos o trabalho deles, sempre quisemos ter eles conosco, porque o trabalho do Alan é reconhecido, com toda a justiça. Fizemos de tudo para levar a réplica Calassa para a França, mas não houve acordo”, diz ele. “No fim, nossa missão é comemorar o feito de um grande brasileiro. Não importa quem estará lá voando. Queríamos que fossem eles, mas os desentendimentos foram grandes e eu não quero que ocorra um novo fracasso como o da nau capitânia, na França”, diz Taveira.


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