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Fora da Band, Marcelo Tas vai criar acervo de Ernesto Varela

Patrícia Kogut

Marcelo Tas (Foto: Michel Filho)Marcelo Tas (Foto: Michel Filho)

Depois de sete anos na bancada do “CQC”, Marcelo Tas achou que estava esbarrando “nos limites da rigidez do formato argentino” e que era hora de passar o bastão. Mas basta olhar sua trajetória para constatar que esse engenheiro formado e jornalista e educador militante não é de esquentar cadeira em bancada. E, com a internet — mídia em que foi um dos pioneiros no Brasil —, essa inquietude se potencializou. Nesta entrevista concedida em etapas, por e-mail e pelo telefone, Tas, logo de cara, rejeita a pergunta: “Para onde você vai agora?”. “Já fui”, explica. Foi mesmo. Seu contrato com a Band chegará ao fim no próximo dia 31. A direção da emissora acenou com uma série de História do Brasil e uma atuação no jornalismo. Ele ficou balançado. Diz que “num momento em que muitos vão do jornalismo ao entretenimento, fico tentado, porque é a contramão. Sempre gostei disso”. Mas não foi o suficiente, e uma conversa final, anteontem, encerrou as negociações. Tas conta que vem sendo procurado por algumas das principais emissoras abertas. Paralelamente, está envolvido em projetos para o público infantil, uma especialidade desde o Professor Tibúrcio, seu personagem em “Castelo Rá-Tim-Bum”, programa da TV Cultura exibido entre 1994 e 1997.

Tantos planos à frente incluem também olhar para o passado e resgatar seu clássico Ernesto Varela — o “repórter de mentira que entrevista personalidades de verdade”— em site e DVD. O personagem que nasceu na época da ditadura, ele garante, tem perguntas na ponta da língua para os políticos de hoje. E tudo isso virá junto a uma grande exposição e debates no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo. Tas acha ainda que a TV tem que correr para abraçar o mundo digital, já que estar fora dele é “estar fora do jogo”.

Como você vê a experiência do “CQC” na sua trajetória?

Tas: O saldo é muito positivo. Curiosamente, o “CQC” me possibilitou reinventar minha trajetória com uma mistura de jornalismo e humor que foi a mesma usada por mim e pelo (diretor) Fernando Meirelles na criação do repórter Ernesto Varela, meu primeiro trabalho na TV, nos anos 1980 (ele e Meirelles faziam parte da produtora Olhar Eletrônico). O encontro com a Band e os argentinos (criadores do programa “CQC”) nos anos 2000 ampliou a plataforma para a criatividade e o sucesso comercial, sou grato a ambos por isso. Pode-se e deve-se criticar o programa, mas é inegável sua influência no humor, no telejornalismo e até na publicidade no Brasil. Sem contar a nova safra de talentos inegáveis revelados pelo “CQC”. E um episódio me comoveu especialmente. Quando eu contei ao Diego Guebel (diretor artístico da Band) que estava querendo sair do “CQC”, tivemos uma reunião em que ele foi muito carinhoso. E me disse abertamente que ele e seu grupo de criação do “Caiga quien caiga” assistiu ao Ernesto Varela, isso na Argentina, em 1995, quando não havia internet como hoje. Ou seja, se inspiraram no meu trabalho lá atrás. Fiquei contente.

Por que você saiu?

Tas: Cheguei ao “CQC” em dezembro de 2007. Participei da implantação no Brasil, inclusive na criação do nome do programa em português: “Custe o Que Custar”. Aprendi muito com o profissionalismo e o talento dos argentinos em gerenciar crises e manter a criatividade em alta. O “CQC Brasil” teve um crescimento explosivo, serviu de referência e ganhou relevância entre outras versões espalhadas pelo mundo. No último ano, a necessária renovação permanente encontrou os limites da rigidez do formato argentino. Senti que era a hora de passar o bastão por não ter como colaborar de forma relevante para a evolução do projeto dentro desse cenário.

Houve alguma briga séria com os demais integrantes?

Tas: O que aconteceu foi o que se passa com os casamentos longos. Houve, em sete anos, crises e discussões. Estou aqui falando de Rafinha (Bastos), Monica (Iozzi), Danilo (Gentili) e dos outros que ficaram mais tempo no programa comigo. Mas todas elas foram resolvidas na hora, com boas conversas. Não há mágoas.

Marcelo Tas (Foto: Michel Filho)Marcelo Tas (Foto: Michel Filho)

Quais as conexões entre o tipo de reportagem praticada no “CQC” e Ernesto Varela (já que a analogia foi feita tantas vezes)?

Tas: Nos dois casos, a matéria-prima é a mesma: cutucar a realidade usando o nonsense e o humor. O Brasil, infelizmente ou felizmente, é um prato cheio para jornalistas e comediantes. No Varela, enfrentamos o ambiente truculento e incerto do final de ditadura. No “CQC”, tivemos que aprender a driblar assessores, seguranças e outros truques dos políticos para evitar os microfones nos tempos em que a democracia plena convive com o império do marketing e o nefasto politicamente correto. Se o Brasil mudou muito, o que é inegável, também é fato que há quem atue para que o país não avance ou até ande para trás.

Você fala em “império do marketing”. De que forma esse mundo tão aparelhado com assessorias, media training e falas oficiais atrapalha atrações como o “CQC”?

Tas: Por causa disso mesmo é que esse programa ganha em importância. Todo mundo só quer aparecer bonito e falando a coisa certa. O “CQC” tem a tarefa de desmontar essa realidade photoshopada e blindada. Como fazê-lo é que são elas, e a arte está nisso. É necessário e saudável que se fure esse bloqueio.

Voltando a Varela, ele era um personagem com o espírito do seu tempo, mas muito lembrado e com um pé nos dias de hoje. Qual é a dose de atualidade dele, seu valor político e sua presença ontem e hoje na TV?

Tas: Varela acredita que o ponto mais importante na vida do ser humano é o ponto de interrogação. É um cara obcecado por perguntas. Se você reparar bem, algumas perguntas dele não só continuam atuais como ainda nem foram respondidas. Por exemplo: é verdade que Paulo Maluf é mesmo um ladrão? (Varela fez sua mais famosa pergunta ao então deputado federal em 1984.) Essa dúvida cruel ainda é uma pedra no sapato dele, dos políticos e de toda a nação. Acredito que os vídeos do Varela podem ajudar os jovens a olhar para os fatos recentes do Brasil com alguma perspectiva histórica.

Se revivesse hoje, que perguntas ele faria e a que políticos?

Tas: Uma pergunta para o Lula: o senhor ainda acredita no PAC? Em vez de acelerar o crescimento parece que ele acabou é acelerando a corrupção nas empreiteiras como nunca antes na história deste país...

Como está o projeto do site?

Tas: O nome do projeto é Varela Upload porque descobri que upload, que significa publicar informação na era da internet, é uma palavra surgida no mesmo ano do Varela: 1983! Mais de 30 anos depois, o acervo será recuperado e publicado graças a essa tecnologia. O principal parceiro é o Instituto Itaú Cultural, onde acontecerão exposição, mostra e debates, no segundo semestre do ano que vem. Também será editado um DVD pelo Instituto Moreira Salles. Estou feliz em ter encontrado parceiros para oferecer o acervo para uso e consulta do público. Ainda está nos nossos planos uma série de cinco episódios para a TV contextualizando as reportagens do Varela para a geração atual. Trata-se de uma espécie de reality show, comigo na ilha de edição revendo as entrevistas do Varela e comentando aos olhos de hoje. É uma nova perspectiva. Esse processo se inicia em 2015 e só termina em 2016.

Você tem profunda ligação com a internet, é muito atuante nela. Quem não está nela está fora de que jogo?

Tas: Depois que minha mãe entrou no Facebook, não tenho mais dúvida: quem não está na internet está fora do jogo. É preciso entender algo crucial. A parte mais importante da mudança que vivemos não está na tecnologia, mas dentro da gente. Mudamos a maneira como acessamos, consumimos e compartilhamos a informação. Não tem volta. A mudança afeta todo mundo: consumidores, telespectadores, pais, namorados, professores, empresários e até a natureza ao nosso redor, agora totalmente mapeada e georreferenciada. Para navegar nos novos tempos há que se aprender algo difícil: ouvir o cara do outro lado da tela. Antes de comunicador, sou engenheiro formado na Escola Politécnica da USP. Desde o início acompanho a revolução digital tanto na parte tecnológica quanto na prática diária com minha rede, hoje com 10 milhões de seguidores. Minha vida profissional tem se deslocado para entender esse fenômeno e mais recentemente para a produção de ferramentas e conteúdo através da Donaranha, empresa da qual sou sócio com o designer Ricardo Gimenes. Creio que é urgente para a indústria da TV entender e aproveitar as oportunidades da revolução digital.

E o trabalho com crianças e em educação, tem projetos nessa área?

Tas: Preparo um canal para a internet, que sai também no ano que vem. Entre os programas, muitos têm conteúdo pedagógico, uma área em que sempre atuei. Começo 2015 com a criação de um game chamado “Humano”, para o futuro Museu do Amanhã, no Rio; e o lançamento do Tasômetro, plataforma de conteúdo em que vou interagir com estudantes para tentar entender temas complexos da realidade numa linguagem mais simples. Todos os dias vou subir algo em que tentarei traduzir o mundo na minha linguagem para os leitores. Também estou preparando um aplicativo para pais e filhos, junto à revista “Crescer”, de que sou colunista. E vou lançar no Cartoon Network a segunda temporada do “Papo animado com Marcelo Tas”. Estou animado como uma criança que acabou de ganhar um PS4 de Natal.

Tudo isso é exclusivamente para crianças?

Tas: É para as crianças e também para os que têm o pensamento jovem.

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