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Diretores estrangeiros contam onde buscaram inspiração para seus curtas em ‘Rio, eu te amo’

Filme entra em cartaz no Brasil após polêmica com veto a segmento de José Padilha

História de amor. Marcelo Serrado e Ryan Kwanten fizeram a trilha do Pão de Açúcar para o curta ‘Acho que estou apaixonado’, de Stephan Elliott (centro)
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Divulgação
História de amor. Marcelo Serrado e Ryan Kwanten fizeram a trilha do Pão de Açúcar para o curta ‘Acho que estou apaixonado’, de Stephan Elliott (centro) Foto: Divulgação

RIO — Quando os produtores de “Rio, eu te amo” perguntaram ao cineasta Stephan Elliott se ele tinha uma história de amor brasileira, ele se sentiu encurralado.

— Eu poderia ter escrito uma história de ficção, ambientada num restaurante e ter facilitado a vida de todo mundo. Mas qual seria a graça? — diz.

Para o australiano, a única opção foi reproduzir, no filme, aquela tarde de 1994, quando escalava a trilha do Pão de Açúcar, e, quase no topo, percebeu que estava apaixonado pelo homem com quem é atualmente casado.

— O complicado processo de filmagem valeu a pena. Meu companheiro estava comigo, atrás das câmeras, e foi como me apaixonar novamente — completa o diretor de “Priscilla, a rainha do deserto”.

Seu segmento, “Acho que estou apaixonado”, é um dos dez que compõem “Rio, eu te amo”, em cartaz no Brasil a partir desta quinta-feira, após meses de uma intensa estratégia de divulgação e de uma polêmica: em julho, a Arquidiocese do Rio proibiu a veiculação do curta de José Padilha, por considerar ofensivo o uso da imagem do Cristo Redentor na sequência. No mesmo mês, o veto foi revogado, e a cena, segundo o produtor Pedro Buarque de Hollanda, foi reinserida às pressas.

Se o filme de Elliott é inspirado em acontecimentos reais, na outra ponta está o curta do sul-coreano Sang-soo Im, “Vidigal”, o mais fantasioso de todos. Nele, Sang-soo Im leva à favela do título um romance vampiresco entre os personagens de Tonico Pereira e Roberta Rodrigues.

Há quatro anos, Im teve um pensamento que serviu de base para a criação de “Vidigal”. Estava jantando em um restaurante no Centro com cineastas que tinham vindo ao Festival do Rio. Notou a presença de um garçom idoso, que os olhava fixamente. Pensou: “Que tipo de vida ele tem? Vai ver ele mora no Vidigal, e talvez tenha um relacionamento com uma jovem prostituta. Ou ele pode ser um serial killer.”

Criado em uma comunidade sul-coreana semelhante à do Vidigal (“Com exceção dos problemas com drogas”, diz), Im sentiu-se em casa filmando nas ladeiras do morro. A maior dificuldade foi mesmo a barreira linguística.

— Tonico mal fala inglês, e eu não falo português. Nas filmagens, ele falava diretamente comigo em português, em vez de usar o intérprete. Não entendia uma palavra. Achei que ele era maluco. Mas, tudo bem, eu também sou meio maluco.

“Rio, eu te amo” é o terceiro capítulo da franquia “Cities of love”, em que diretores locais e estrangeiros recebem a missão de contar histórias de amor ambientadas na cidade da vez — não necessariamente interpessoais. Carlos Saldanha, por exemplo, embora trace o relacionamento dramático entre dois bailarinos (vividos por Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer) em “Pas de deux”, quis homenagear um dos seus cantos preferidos do Rio, o Teatro Municipal:

— É um lugar que, felizmente, ainda sobrevive como símbolo da cidade. É como se fosse uma caixa de joias, lúdica e imponente, no meio de uma massa de concreto. Sou completamente apaixonado pelo Centro antigo, onde existe nostalgia e História — diz o diretor conhecido por “A Era do Gelo” e “Rio”, acrescentando que seu primeiro grande projeto com atores de carne e osso não apresentou desafios maiores do que os encarados nas animações. — Em certos aspectos, foi até mais fácil. Após a edição, o filme ficou pronto. Uma animação exige pelo menos três anos. Minha responsabilidade era que os atores tivessem a performance desejada.

O brasileiro Vicente Amorim foi chamado para dirigir as cenas de transição, em que protagonistas de diferentes histórias interagem entre si ou com personagens criados especialmente para essas passagens. A ideia, segundo Amorim, foi ampliar a coesão de uma obra que, de outra forma, poderia parecer episódica.

Para tornar o ritmo do filme mais natural e nivelar os tons dados a cada curta, Amorim manteve um diálogo constante com os outros diretores. Leu os roteiros e estudou o plano de filmagem para conciliar os horários dos atores. A expectativa de Amorim é que os espectadores agora encarem “Rio, eu te amo” como um longa-metragem tradicional, em vez de uma junção de várias tramas.

— Quisemos demonstrar que todos os personagens estão entrelaçados. É como se fosse a brincadeira dos seis graus de separação — explica. — O desafio foi não ferir a amálgama entre as histórias. Se as pessoas perceberem os intervalos, então nosso trabalho foi derrotado. Tentamos criar um clima ao mesmo tempo presente e poético.