Rio Rio 2016

Ex-moradores da Vila Autódromo festejam a vida no Parque Carioca

Com 900 unidades distribuídas em prédios de cinco andares, conjunto é a menina dos olhos da prefeitura do Rio
A piscina é uma das atrações do condomínio, que ainda dispõe de toboágua e academia para idosos Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
A piscina é uma das atrações do condomínio, que ainda dispõe de toboágua e academia para idosos Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RIO — Era hora do almoço em Jacarepaguá e a nova televisão de plasma da quituteira Elizangela Amor Divino estava ligada no “Video Show”, da Rede Globo. Mas ninguém assistia. Ela e Fred — um vira-lata serelepe e felpudo — subiam e desciam as escadas de cimento do prédio para recepcionar os novos moradores, que não paravam de chegar. Com a voz rouca e vibrante, descrevia eufórica o imóvel, como uma apresentadora de um programa de auditório:

— Vem, gente! Olha que maravilha! É apartamento mesmo. Pode ver. E eu que achei que só fosse entrar em apartamento em horário de serviço... o 304 é meu e daqui ninguém me tira!

Condomínio tem 900 unidades

Elizangela, de 43 anos, é uma das primeiras moradoras do condomínio Parque Carioca, pertencente ao programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida e que fica sob a tutela do município. Com 900 unidades distribuídas em prédios de cinco andares com quatro apartamentos de 2 e 3 quartos por piso, o conjunto está sendo divulgado como a menina dos olhos da prefeitura do Rio.

O megaempreendimento na Estrada dos Bandeirantes foi erguido para abrigar as famílias removidas da comunidade Vila Autódromo, que fica a cerca de um quilômetro do condomínio e no meio do caminho das obras da prefeitura para as Olimpíadas. De lá, centenas de moradores precisaram sair porque suas antigas casas estavam ou às margens do Rio Pavuninha, que será dragado, ou no traçado da duplicação das avenidas Salvador Allende e Abelardo Bueno.

Remoções são historicamente delicadas e traumáticas na cidade do Rio. Na maioria das vezes, ninguém quer sair de sua casa para morar isolado em algum terreno imposto pelo governo, em conjuntos habitacionais nada atraentes. Tudo caminhava para o mesmo desfecho na Vila Autódromo, até que os moradores se debruçaram sobre a planta do novo condomínio e viram piscina com toboágua, quadras polivalentes, churrasqueira, salão de festas, segurança e academia para a terceira idade. No pacote, ainda, itens básicos que acabaram se tornando artigo de luxo no cotidiano de muitas comunidades: saneamento básico e escritura dos apartamentos na mão.

Quem não estava no caminho da obra quer reassentamento

Das 280 famílias que precisaram ser removidas, 204 optaram pelo Parque Carioca. As outras 76 preferiram indenizações. Além delas, 172 famílias que não estavam no traçado da obra pediram reassentamento à prefeitura. Dessas, apenas 32 querem dinheiro. As 140 restantes almejam um lugar ao sol, à beira da piscina curvilínea do condomínio.

Desde que chegou ao Parque Carioca, em 27 de março, Elizangela Amor Divino tem tido dificuldade para dormir. Remexe-se no colchão, com o corpo e a mente tomados por uma euforia de quem finalmente se livrou de 28 anos de água pelas canelas dentro de um cômodo de 15m2, junto com o marido e as duas filhas, toda vez que chovia. Durante as recentes noites insones, teme que a arranquem do terceiro andar, do condomínio, da nova vida. Diabética, quase perdeu um pé, tamanha a insalubridade.

Modelo a ser seguido

Descarregando a mudança, o motorista Reginaldo Rodrigues contava aos novos vizinhos que estava satisfeito:

— Minha casa lá (na Vila Autódromo) era bem maior, mas a vida não era digna. Aqui é urbanizado, não tem peste de mosquito e tenho o documento na mão, né? É tudo legalizado.

Segundo o secretário municipal de Habitação, Pierre Batista, o Parque Carioca é um modelo a ser seguido:

— Todos têm que ter uma oportunidade melhor de habitação, mantendo os laços culturais e sociais. A filosofia do atual governo já era essa, quando fizemos o Bairro Carioca (em Triagem). O Parque Carioca segue essa linha.

Segundo Batista, a prefeitura desapropriou um terreno na Colônia Juliano Moreira, também em Jacarepaguá. Com 1.400 unidades, o condomínio seguirá o modelo do empreendimento da Estrada dos Bandeirantes. A previsão é de que fique pronto em um ano.

Sem solução única

A larga construção de conjuntos habitacionais pela cidade, no entanto, não é a única saída segundo o urbanista Pedro da Luz, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ):

— Há uma velha discussão, desde os anos 1960, sobre o problema habitacional brasileiro, que não se resolve com uma solução, ou urbanização das favelas, ou criação de conjuntos habitacionais. Precisamos de um projeto casado, que una as duas coisas.

Líder do movimento de famílias que desejam um apartamento no Parque Carioca, Alessandra Oliveira mora há 29 anos na Vila Autódromo:

— Tivemos muitas propostas de remoção que eram ruins. Mas essa agora é muito boa e queremos ter o direito de ir também, apesar de não estarmos no traçado. É perto da escola das crianças, tem mais linhas de ônibus, segurança e lazer.

Assim que pôs os pés no 304, Elizangela pendurou uma plaquinha cor-de-rosa na porta do quarto em que seu neto dorme nos fins de semana, onde se lê: “Na casa da vovó tem respeito, abraço, dinheirinho e muito amor”. A placa estava guardada há alguns anos na gaveta — na antiga casa, não havia porta para pregá-la.