Rio

Morador já denunciou série de roubos na rua de escola invadida na Piedade

Vídeo mostra ação de bandidos na região. Bando robou alunos e espancou professora

RIO - Ele assistia dia sim, outro também, a assaltos na vizinhança. Poderia ter se conformado e ficado apenas torcendo para não virar alvo dos bandidos. Mas, indignado com a falta de segurança, o morador de Piedade foi além. Há dois anos, assumiu um papel que deveria ser do poder público e espalhou câmeras pelas ruas Sousa Cerqueira e Xisto Bahia, que viraram território livre de criminosos. Na rotina de ataques gravados, flagrou desde um assalto em que uma mulher ficou sem a bolsa até o roubo de um carro a apenas 20 metros de uma blitz da PM. A violência arquivada em pen drive, depois das muitas queixas que não comoveram a polícia, ganhou um capítulo que o solitário denunciante nunca imaginou ver em sua novela diária.  Um bando invadiu, na segunda-feira à noite, a Escola Municipal João Kopke, rendeu alunos que assistiam à aula, roubou celulares, outros objetos e ainda espancou, com socos e chutes, uma professora apenas porque ela se atrapalhou na hora de entregar a chave de seu carro para a fuga. Essas cenas o morador não tem, mas, se todas as outras registradas diariamente por ele tivessem sido levadas a sério, o terror que tomou conta do colégio poderia não ter acontecido.

Faltava pouco para as 21h de segunda-feira quando quatro bandidos, com pistolas, entraram na escola, que, à noite, mantém turmas com alunos da rede estadual. Alguns estudantes juram que um deles portava um fuzil. Os criminosos percorreram o corredor do colégio, entrando nas salas para assaltar os alunos. Alguns estavam em aula, outros faziam provas. Como uma adolescente de 17 anos, que fazia avaliação de inglês, espanhol e português, quando foi surpreendida por um ladrão. Segundo ela, o bandido mandou um outro estudante recolher os celulares de todos.

— Fiquei muito assustada e tremendo. Eles nos ameaçavam, e um deles chegou a soprar o cano da pistola. Depois que foram embora, larguei as provas e abandonei a escola. Saí correndo. Não parei para nada — disse a jovem, que será matriculada pela mãe numa escola particular depois de chegar em casa traumatizada, aos prantos.

SEGUNDO CELULAR ROUBADO EM 15 DIAS

Um outro aluno, de 21 anos, do segundo ano do ensino médio, teve o celular roubado durante o arrastão.

— É o segundo celular em 15 dias. Há duas semanas, bandidos pararam na entrada da escola e assaltaram todos que entravam. O portão fica aberto, é fácil demais para qualquer um entrar — lamentou.

Um homem rende uma moradora na hora em que ela chegava em casa e, depois de ameaçá-la com uma arma, foge com a bolsa da vítima Foto: Fotos de reprodução
Um homem rende uma moradora na hora em que ela chegava em casa e, depois de ameaçá-la com uma arma, foge com a bolsa da vítima Foto: Fotos de reprodução

A professora que apanhou dos bandidos leciona matemática. Ela tem 53 anos e ficou muito perturbada ao ser abordada pelos criminosos, que pretendiam fugir em seu carro. Para alguns alunos, ela se atrapalhou para entregar as chaves, o que teria motivado as agressões. Outros contaram que os assaltantes podem ter achado que ela tentava esconder a bolsa para que não a levassem. Há relatos de que a professora desmaiou, de tão nervosa. Ela chegou a ir à 24ª DP (Piedade), mas, abalada, deverá voltar nesta quarta-feira para ser ouvida pelos policiais.

— Um dos bandidos disse: “Está reagindo a assalto? Quer morrer?” E partiu para cima da professora com socos e pontapés — contou um dos jovens que, aterrorizado, assistiu à cena.

Apavorado, outro estudante disse que saiu correndo com medo DE que o assaltante que espancava a professora disparasse contra ele.

— Eu saí da sala correndo porque ele começou a apontar a arma para todos os lados. A gente entrou numa outra sala, e só dava para ouvir os gritos dela de desespero, e ele batendo nela. Foi horrível — contou.

O morador que tentou dar visibilidade a uma insegurança invisível para as autoridades disse que a situação só piorava nos últimos tempos. O assaltos, frisou, se intensificaram. Ele contou que sempre encaminhava seus flagrantes para o batalhão da PM da região. Procurado ontem pelo GLOBO, o comandante do 3º BPM (Méier), coronel Luis Teixeira, afirmou desconhecer os fatos. Disse ainda que, mensalmente, faz reuniões com representantes dos colégios para conhecer as subnotificações da área, ou seja, crimes como roubos e furtos que não são registrados pelas vítimas na delegacia.

— Aquela é uma área conflagrada, é subida do Morro do Urubu. Mês passado, fizemos uma reunião do conselho de segurança naquela escola. Nesses encontros, tentamos estabelecer uma relação para ter ideia dos crimes que não são computados nem pela delegacia, nem pelo Instituto de Segurança Pública — explicou.

Os bandidos fugiram levando, além dos pertences de funcionários e alunos, dois carros de docentes. Um deles foi localizado ontem numa favela que pertence a uma facção rival daquela que atua no Morro do Urubu, vizinho ao colégio.

Ontem, uma patrulha da PM passou o dia nos arredores do colégio. Mas os alunos, amedrontados, não apareceram. Ao redor, nos postes, cartazes alertavam para os riscos na região: “Cuidado, morador, você pode ser assaltado. Zona de perigo”.

Pela manhã, a diretora da parte municipal da escola (as aulas ministradas de dia) esteve na delegacia de Piedade para registrar o roubo de equipamentos da unidade. Com medo, ela também não quis dar entrevista, nem revelar o que foi levado.

PM DIZ QUE REFORÇOU PATRULHAMENTO

Em nota, a Secretaria estadual de Educação afirmou que pedirá à PM reforço no policiamento do local. O órgão disse ainda que solicitará à Polícia Civil uma investigação sobre o caso. Também por nota, a PM informou que militares do 3º BPM foram acionados para intensificar o patrulhamento na área.

Os flagrantes do pen drive do morador revelam muito sobre o que vinha acontecendo na região. Uma das imagens mostra o momento em que um bandido desce da garupa de uma motocicleta e atira contra um homem que estava namorando, encostado num carro, na Rua Xisto Bahia. A vítima é vista correndo na direção da Rua Sousa Cerqueira, onde fica a Escola João Kopke.

Os alunos completam a história que as câmeras não conseguiram flagrar na ocasião. A vítima, em fuga, entrou no colégio, para tentar se proteger dos tiros.

— O homem entrou na escola e o atirador foi atrás. Ele disparou dentro da escola, onde havia aula ainda. Houve pânico. Todo mundo se escondeu. Mas a vítima conseguiu fugir — contou um estudante.

Há 20 dias, o “câmera de Piedade” flagrou outra cena: três bandidos num carro preto fizeram um arrastão na Rua Xisto Bahia. Roubaram pertences de um homem que passeava com o filho (o menino pedalava um velocípede), atacaram um morador que entrava num carro e um grupo de mulheres que conversava em frente às suas casas. Uma delas conseguiu esconder a bolsa embaixo do carro em que estava encostada. Outra jogou o celular no chão e recebeu um tapa no braço ao ser descoberta.

No último dia 3, as câmeras instaladas pelo morador inconformado com a violência mostram quando um grupo foi rendido na Xisto Bahia. Os criminosos, que chegaram num carro claro após passarem por uma blitz, saltaram e levaram o veículo de um grupo estacionado do outro lado da rua. Um minuto depois, chamados por vizinhos, PMs saíram de automóvel para tentar capturar os ladrões.

— Aquele tempo entre o roubo e a reação dos PMs pareceu uma eternidade. Os moradores ficaram impotentes — disse o autor dos flagrantes. — Mando as imagens para a polícia, e não acontece nada. Achava que estava ajudando, mas vejo que nada acontece.

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