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Hart Island, o pedaço de Nova York em que só entram mortos e detentos

Administrada pelo sistema carcerário, ilha 'perdida' na costa do Bronx abriga cemitério de indigentes e ignora urbanismo
O cemitério de Hart Island, Nova York: para entrar, só morto ou preso Foto: Melinda Hunt / The Hart Island Project/BLOOMBERG NEWS
O cemitério de Hart Island, Nova York: para entrar, só morto ou preso Foto: Melinda Hunt / The Hart Island Project/BLOOMBERG NEWS

NOVA YORK - Uma pequena ilha próxima ao Bronx, repleta de espaço e com a natureza preservada. Poderia ser um bom destino turístico, mas há um porém: as regras de entrada são tão restritas que os únicos contemplados são praticamente os mortos e os detentos. A região de mais de 520 km² que já abrigou sanatórios, instalações militares, reformatórios, quarentenas e asilos hoje vive apenas como a última fossa comum da cidade de Nova York.

Hart Island é um dos maiores cemitérios dos Estados Unidos, mas poucos sabem de sua existência. Sua história fascina pessoas como Melinda Hunt, pesquisadora e artista que explorou a ilha nos anos 1990, quando ainda era possível conseguir uma permissão especial.

— É uma coisa deslumbrante, em uma maneira sobrenatural. O que é realmente problemático é que é um espaço escondido, controlado pelo sistema carcerário e que a população tem certa vergonha do lugar — conta.

PEDRA NO SAPATO

Nova York tem 35 ilhas, além de Manhattan e Staten Island. Algumas são densamente povoadas, outras pequenas desparecem na maré cheia. O governo local investirá um total de US$ 3,3 bilhões em desenvolvimento de regiões costeiras, por mais de 930 km.

Sítio de construção em Hart Island Foto: Melinda Hunt / The Hart Island Project/BLOOMBERG NEWS
Sítio de construção em Hart Island Foto: Melinda Hunt / The Hart Island Project/BLOOMBERG NEWS

No meio do rio Hudson, o bilionário Barry Diller investe em um parque de diversões de 8 km². A Roosevelt Island, que antes era um autoproclamado "asilo para lunáticos", uma penitenciária e um pequeno hospital, receberá o novo campus tecnológico da universidade de Cornell. Staten Island ganhará um parque ecológico com três vezes a área do Central Park — onde havia um enorme aterro sanitário.

Ao longo da história de Nova York, a conexão entre as ilhas foi projeto urbanístico. Pontes são cenário comum na cidade. Mas Hart se manteve alheia a tudo. Fora dos limites aos civis há quatro décadas, por lá já houve muito acontecendo. Desde 1869, o local teve um reformatório para jovens delinquentes, um campo de treinamento para a Guerra Civil e uma base de mísseis na Guerra Fria. Até mesmo um festival de rock e uma clínica de reabilitação foram sediadas lá.

Hoje, apenas com a função de cemitério de indigentes e vala comum, o local abriga mais de um milhão de corpos e ossadas (um terço de bebês natimortos).

— Se sua família está viajando, você é atropelado por um táxi, fica sem identificação por uma semana, acaba por lá — conta Melinda. — Não apenas os mais pobres de todos ficam enterrados ali.

Apenas quatro vezes por semana uma balsa leva prisioneiros de Rikers ao local — saindo do Bronx. Eles ganham cerca de 65 cents por hora para cavar valas, acompanhados por agentes. Até 1.500 enterros acontecem por mês.

É raro, mas há quem se chegue de barco por lá sorrateiramente — ou ainda nadando. Em 2003, quatro jovens morreram em uma noite de inverno tentando atravessar. Enquanto isso, os raros intrusos por lá geralmente estão estudando o passado de suas famílias — mas não que consigam muitas informações por lá.