Cultura Música

A música sem fronteiras de Chucho Valdés

O lendário pianista cubano se apresenta hoje no Teatro Municipal com os Afro-Cuban Messengers, lançando novo disco

Chucho Valdés se diz à vontade no Brasil, onde tem amigos como Ivan Lins e Ed Motta
Foto:
Divulgação
Chucho Valdés se diz à vontade no Brasil, onde tem amigos como Ivan Lins e Ed Motta Foto: Divulgação

RIO - Não há embargo ou fronteira que detenha Chucho Valdés. Gigante do jazz cubano, aquele apimentado por muito ritmo e técnicas particulares de improviso, ele já ganhou cinco prêmios Grammy, três troféus do Grammy Latino e perdeu a conta dos carimbos que seus passaportes ganharam mundo afora em 50 anos de carreira.

— Posso dizer, com muito orgulho, que sou um cidadão do mundo, com raízes em Cuba — diz ele, por telefone, de sua casa em Havana. — Nunca fui barrado em lugar algum.

E é justamente a turnê de um álbum intitulado "Border-free" (algo como "Livre de fronteiras"), seu mais recente lançamento, que traz o pianista, compositor e arranjador ao Rio, onde se apresenta nesta sexta-feira, às 20h30m, no Teatro Municipal, depois de ter passado nesta quinta-feira por São Paulo e antes de seguir para Salvador (neste sábado) e Porto Alegre (domingo).

— Como todo músico e cidadão cubano, sinto-me em casa no Brasil — garante Valdés, que já tocou diversas vezes no país, uma delas na derradeira edição do Free Jazz, em 2000. — É um lugar incomparável, com uma grande variedade de ritmos e melodias, que me influenciou através do trabalho de nomes como Pixinguinha, Ary Barroso e Egberto Gismonti, e onde tenho amigos como Ivan Lins e Ed Motta.

Em "Border-free", gravado com o grupo Afro-Cuban Messengers (que o acompanha na atual turnê) e com a participação de Branford Marsalis em três faixas ("Ele toca com tamanha perfeição que nem parece humano"), Valdés encorpa ainda mais o caldeirão musical do seu trabalho, adicionando elementos de música clássica, flamenco, santería e gnawa (do Marrocos).

— Acredito num mundo sem fronteiras e quis reunir algumas das minhas influências e paixões para tentar criar algo novo e ao mesmo tempo coerente - explica o músico de 72 anos. — Penso que a música do Marrocos, o flamenco, a rumba e o jazz, apesar de origens distantes, podem se entender como se fossem de uma mesma família, já que todos têm evidentes laços musicais.

Esse clima "família" também se estende aos temas do disco, com músicas como "Bebo", dedicada a seu pai, o pianista e bandleader Bebo Valdés (morto em 2013, aos 94 anos) e "Pilar" (com citações de "Prelúdio em D menor", de Bach, e "Blue in green", de Miles Davis), dedicada à sua mãe, a cantora e pianista Pilar Rodríguez.

— Gravei "Bebo" em casa, em Havana, e em Málaga, na Espanha, onde meu pai tratava o Mal de Alzheimer. Vivemos momentos difíceis, mas ele conseguiu ouvir a música antes de partir. Bebo foi a minha maior influência, ia sempre vê-lo tocar no clube Tropicana, em Havana, quando era pequeno — conta o músico sobre a relação com o pai, que foi morar na Europa quando ele tinha 21 anos. — E minha mãe me fez ouvir ao mesmo tempo música clássica e discos como "Kind of blue", de Miles Davis. Achei justo com eles, com meu trabalho e com a ideia desse disco fazer essas citações.

Integrante de uma seleta e rica escola, que deu ao mundo nomes como o saxofonista Paquito D'Rivera, o pianista Gonzalo Rubalcaba e o percussionista Mongo Santamaría, Valdés garante que o jazz cubano passa por um saudável processo de renovação.

— A sensação é a de que há novos talentos em cada esquina. Robert Fonseca é o mais notório deles, mas há muitos outros que, acredito, que serão bem conhecidos em breve — garante. — Isso sem mencionar os que estão ligados ao hip-hop e ao reggaeton, que não são muito minha linha, mas que respeito.

No show desta sexta-feira, Valdés garante que vai tocar "Border-free" na íntegra (são oito faixas) e diz que pode lembrar temas do lendário grupo Irakere, ícone do jazz cubano que fundou nos anos 1970.

— É uma herança forte demais para ser esquecida em meus shows. As conexões que busquei estabelecer com "Border-free" têm ligação direta com as experiências do Irakere. O improviso e o imprevisível fazem parte do mundo do jazz. Nada é garantido.