Na escola de tempo integral Etevilna Cáfaro Salustiano só foram mantidas as aulas de formação básica

 

Há alguns dias escrevi que o desafio do próximo governo vai além da escola em tempo integral, até porque, se nosso ensino continuar como está, ampliar a jornada não tem muito sentido. Para que dobrar o tempo que as crianças passam dentro de uma escola que não funciona? Diante desta provocação, alguns internautas responderam algo como: “Pelo menos, o menino estaria longe das ruas, das drogas e das balas perdidas”.

É claro que sou entusiasta do ensino em tempo integral. Se esse modelo é positivo no caso de países em que as crianças convivem com famílias de alta formação acadêmica e frequentam museus, teatros, fazem viagens e têm contato com livros desde cedo, quanto mais será no caso das crianças brasileiras, sobretudo de baixa renda, que têm pouco acesso a recursos e bens culturais, a não ser por meio de uma escola pública de qualidade.

Na escola em tempo integral, o estudante tem mais oportunidades para aprender, numa diversidade de ambientes e com uma agenda planejada e monitorada por educadores. Isso pode aumentar a qualidade do tempo que ele passa com a família, pois não há “dever”, tudo é feito na escola e os momentos de casa são para conviver. Até a alimentação e a saúde podem melhorar, com um cardápio planejado por nutricionistas para as diversas horas do dia.

Por tudo isso, a escola em tempo integral é, com razão, o modelo educacional dos sonhos de boa parte das famílias e, não por acaso, é também uma das promessas prediletas dos candidatos à Presidência – no que não há mérito, pois a medida é mandatória, pela meta 6 do Plano Nacional de Educação recém aprovado: “oferecer ensino em tempo integral até 2.026 em no mínimo 50% das escolas públicas, atendendo pelo menos 25% dos alunos da educação básica”.

Entretanto há alguns aspectos fundamentais para levar em conta ao ampliar a jornada.

Em primeiro lugar, além de adaptar as atuais, será preciso construir milhares de novas escolas, com arquitetura e mobiliário adequados: laboratórios, espaços para atividades culturais, vestiários, quadras poliesportivas, refeitórios etc.

O segundo fator a considerar é o projeto pedagógico. Ensino em tempo integral só tem sentido numa proposta de formação integral da pessoa. Implica estimular o desenvolvimento de diversas dimensões: cognitiva, afetiva, ética, estética, físico-corporal, cidadã etc. Significa ir além dos conteúdos e cuidar também da inteligência emocional, integrando artes, idiomas, música, esportes, literatura.

Por fim, precisaremos professores. Só no ensino médio faltam 32 mil docentes com formação específica e 46 mil dão aula sem preparação, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Um levantamento do Todos pela Educação mostra que mais da metade dos professores do ensino fundamental não tem licenciatura na área. Será preciso formar os mestres para esse modelo menos academicista e mais audacioso e, ao mesmo tempo, atrair novos talentos.

Colocar o estudante para passar mais horas na sala de aula do jeito que está, só para tirá-lo das ruas, é fazer da escola um depósito de crianças. Sem espaços adequados, com um currículo defasado e professores em falta, será que essa medida pode mesmo ajudar uma criança a aprender mais do que aprende hoje?

*Foto: Carolina Paes/G1