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Morre João Ubaldo Ribeiro, aos 73 anos

Escritor foi vítima de embolia pulmonar na madrugada desta sexta-feira no Rio
João Ubaldo Ribeiro, em 2008 Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
João Ubaldo Ribeiro, em 2008 Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

RIO — O escritor João Ubaldo Ribeiro, de 73 anos, 7º ocupante da cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras e colunista do GLOBO e do "Estado de S.Paulo", morreu em casa na madrugada desta sexta-feira, no Leblon.

De acordo com a secretária de João Ubaldo, Valéria dos Santos, o escritor foi vítima de embolia pulmonar. Ele começou a sentir-se mal às 3h. Trinta minutos depois, foi dado como morto pela equipe médica.

— Ele sentiu falta de ar durante a noite. Dona Berenice ( a psicanalista Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, mulher do autor ) e Chica ( uma de suas filhas ) pediram ajuda médica, mas não houve tempo para socorrê-lo. Foi uma morte súbita. Elas estão muito chocadas.

Em maio passado, o escritor esteve internado durante cinco dias no Hospital Samaritano por causa de dificuldades respiratórias. Os médicos aconselharam que ele parasse de fumar imediatamente. Desde então, João Ubaldo vinha diminuindo a quantidade de cigarros. "Não chegava nem a um maço por dia", segundo Valéria, que trabalhava há dez anos com o escritor.

Ela lembrou, ainda, que o autor vinha escrevendo um novo romance há dois anos. Ele se levantava diariamente às 4h e escrevia até as 10h, "quando os telefones começavam a tocar e o interrompiam", conta Valéria.

Autor de clássicos como “Sargento Getúlio” (1971) e “Viva o povo brasileiro” (1984), João Ubaldo recebeu o Prêmio Camões, maior honraria da literatura em língua portuguesa, em 2008. Ele foi eleito para a ABL em 1993 para a cadeira número 34, no lugar do jornalista e escritor Carlos Castello Branco (1920-1993).

O escritor João Ubaldo Ribeiro, com o fardão da Academia Brasileira de Letras, em foto de 1994 Foto: Luciana Leal / Agência O GLOBO
O escritor João Ubaldo Ribeiro, com o fardão da Academia Brasileira de Letras, em foto de 1994 Foto: Luciana Leal / Agência O GLOBO

— Foi uma surpresa, um choque para a academia — disse Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da ABL. — Ele estava muito bem disposto, em um momento de plena produção literária. É uma grande perda para as letras. Ele renovou a literatura brasileira. Com a publicação de "Viva o povo brasileiro", ele inaugurou uma nova etapa do nosso romance. É um momento bastante doloroso, logo depois da perda de outro grande, o Ivan Junqueira  (jornalista, poeta e crítico literário morto no dia 3).

"Viva o povo brasileiro" ganhou o prêmio Jabuti. O livro, recheado de humor, recria quase quatro séculos da História do país, incluindo episódios marcantes, como a Guerra do Paraguai e a Revolta de Canudos, a partir da vida de personagens anônimos do povo brasileiro. O lançamento da  obra completa 30 anos em dezembro deste ano. E o selo Alfaguara, que vem relançando os livros de João Ubaldo desde 2008, já preparava antes mesmo da morte do autor uma edição comemorativa, prevista para novembro. Nela, haverá dois textos de introdução, escritos por Rodrigo Lacerda e Geraldinho Carneiro, além de uma bibliografia com a relação das edições estrangeiras do romance.

Somente nos últimos cinco anos, "Viva o povo brasileiro" vendeu 35 mil exemplares pela editora Objetiva. Antes, por outras editoras, estima-se que o clássico já tenha vendido mais de 200 mil. A obra foi traduzida para o inglês pelo próprio autor, ganhando versões em vários outros idiomas. Ubaldo Ribeiro, aliás, é um dos escritores brasileiros mais traduzidos no exterior, com livros lançados em alemão, dinamarquês, espanhol, finlandês, francês, holandês, hebraico, inglês, italiano, esloveno, norueguês e sueco.

Ubaldo Ribeiro também teve obras adaptadas para o cinema e a TV. O romance "Sargento Getúlio", por exemplo, inspirou um longa-metragem de Hermano Penna em 1983, com Lima Duarte no papel principal. O livro narra a saga de Getúlio Santos Bezerra, sargento da PM que busca a proteção de um político após matar a própria mulher e passa a ter de servi-lo. Tendo como tema o banditismo no sertão, rendeu ao autor o Prêmio Jabuti em 1972 (na categoria revelação). O filme levou cinco Kikitos no Festival de Gramado.

Lima Duarte em "Sargento Getúlio", adaptação para o cinema de obra de João Ubaldo Ribeiro, em 1983 Foto: Divulgação
Lima Duarte em "Sargento Getúlio", adaptação para o cinema de obra de João Ubaldo Ribeiro, em 1983 Foto: Divulgação

Já o romance "O sorriso do lagarto" ganhou adaptação de Walther Negrão e Geraldo Carneiro para minissérie na TV Globo, em 1991, com Maitê Proença, Tony Ramos e Raul Cortez dando vida ao triângulo amoroso que marca a história. Nela, o biólogo João Pedroso (Tony Ramos) se envolve com Ana Clara (Maitê Proença), casada com o corrupto secretário de Saúde Ângelo Marcos (Raul Cortez), que planeja levar a especulação imobiliária para a paradisíaca ilha de Santa Cruz.

DA BAHIA À ALEMANHA

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica, na Bahia, em 23 de janeiro de 1941. Ele foi criado até os 11 anos no estado do Sergipe, onde seu pai trabalhava como professor e político. Antes de voltar para Itaparica, o escritor passou um ano em Lisboa e um ano no Rio de Janeiro.

Formado em Direito pela Universidade da Bahia em 1962, Ubaldo Ribeiro jamais advogou. Ele fez pós-graduação em Administração Pública pela mesma instituição e mestrado de Administração Pública e Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul, nos EUA.

A formação literária do escritor começou já nos seus primeiros anos de estudante. Ele foi um dos jovens escritores brasileiros que participaram do International Writing Program da Universidade de Iowa.

Entre outras atividades, o romancista, cronista, jornalista e tradutor foi professor da Escola de Administração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e professor da Escola de Administração da Universidade Católica de Salvador.

Entre 1990 e 1991, morou em Berlim, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio (DAAD – Deutscher Akademischer Austauschdienst). Ao retornar ao Brasil, passou a viver no Rio de Janeiro.


João Ubaldo Ribeiro em casa
Foto: Leonardo Aversa / Agência O Globo
João Ubaldo Ribeiro em casa Foto: Leonardo Aversa / Agência O Globo

INÍCIO NO "JORNAL DA BAHIA"

Seu primeiro emprego foi como repórter no "Jornal da Bahia", onde também viria a atuar mais tarde como redator, chefe de reportagem e colunista.

Em entrevista ao GLOBO em junho de 2012, ele comentou a atividade:

— O jornalismo me deu os macetes e recursos redacionais a que sua prática leva, bem como o senso de disciplina para não "furar a pauta", qualquer que seja ela, e escrever mesmo quando não se está disposto. E, entre os escritores brasileiros, grande número deles, ou a maior parte, é e tem sido de jornalistas. Pessoalmente tenho orgulho disso.

Ele também escrevia para o diário alemão "Frankfurter Rundschau". E já  colaborou com publicações como o jornal "Diet Zeit" (Alemanha), "The Times Literary Supplement" (Inglaterra), "O Jornal" (Portugal), "Jornal de Letras" (Portugal), "Folha de S. Paulo" e "A Tarde".

Em agosto, João Ubaldo participaria da Bienal Internacional do Livro de São Paulo ao lado de Fernanda Torres, que estrelou a adaptação para o teatro de "A casa dos budas ditosos" (1999). Os dois iriam conversar sobre o processo de escrita do romance de estreia da atriz, "Fim".

João Ubaldo Ribeiro deixa mulher, Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, e quatro filhos: Bento e Francisca (do casamento atual) e Manuela e Emília (de seu primeiro casamento, com Mônica Maria Roters).

O corpo do escritor chegou à ABL por volta de 11h30m desta sexta, para o velório. Ele sairá de lá às 9h deste sábado para o Mausoléu da Academia, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, onde será sepultado em seguida.