• Carlos Jardim
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A expedição liderada por Scott (que é o que está em frente à bandeira), em 1912 (Foto: Wikimedia Commons)

A expedição liderada por Scott (que é o que está em frente à bandeira), em 1912. Eles não voltaram vivos, mas a exploração ajudou a medicina a entender os reflexos do frio no corpo humano (Foto: Wikimedia Commons)

Qual o papel da evolução tecnológica no avanço da medicina? E qual a contribuição da medicina para a conquista de novas fronteiras, dos mares ao espaço?

A medicina sempre desempenhou um papel importante nas conquistas humanas, sendo causa e efeito de grandes eventos da história. A compreensão de mecanismos essenciais do funcionamento do corpo, a que damos o nome de fisiologia, permitiu que nossos antepassados realizassem viagens marítimas a distancias até então inimagináveis e permitiu a exploração de territórios inóspitos (desertos, geleiras, cadeias de montanhas e o fundo do mar).

Mais recentemente, em termos históricos, conquistamos a possibilidade de realizar viagens aéreas e visitamos ambientes sem a ação da gravidade. Guerras, catástrofes naturais e epidemias forçaram respostas rápidas para mitigar o sofrimento humano.

No início do século XX, grandes potências tecnológicas e militares envolveram-se numa disputa acirrada: a conquista dos polos. Equipes da Alemanha, Noruega, EUA e sobretudo do Reino Unido (que possuía então a mais poderosa força marinha existente) partiram para explorar e conquistar os pontos extremos da terra. A disputa para alcançar o Polo Sul foi especialmente dramática. O comandante britânico Robert Falcon Scott (1868-1912) e sua equipe da Expedição Terra Nova chegaram ao ponto esperado, mas depois dos noruegueses liderados por Roald Amundsen. Infelizmente, Scott e sua equipe não conseguiram regressar vivos, falecendo como consequência de diversas causas, entre elas (e principalmente) de hipotermia.

Expedições polares ajudaram acompreender o que acontece com nosso corpo em situações de frio extremo

As expedições polares ofereceram uma oportunidade para compreender o que acontece com nosso corpo em situações de frio extremo, especialmente se houver ao mesmo tempo baixa umidade e se forem realizados exercícios extenuantes. Posteriormente, compreendeu-se que apesar de não funcionarem a contento, as células submetidas às baixas temperaturas poderiam ainda ser viáveis se reaquecidas adequadamente. Algumas décadas depois, a hipotermia terapêutica começou a ser utilizada em cirurgias complexas e em casos selecionados de pessoas que sofreram paradas cardiorrespiratórias como medida adicional para aumentar as chances de um resultado médico favorável aos pacientes.

Extreme Medicine é o nome do livro que procura responder a algumas dessas perguntas.  O livro foi escrito pelo médico inglês KevinFong, especialista em terapia intensiva, anestesiologia e PhD em astrofísica e engenharia. Fong é conhecido no Reino Unido por ser um entusiasta da divulgação científica e é co-diretor do Centre for Aviation Space and Extreme Environment Medicine (CASE), do UniversityCollege London. A versão norte americana do livro acaba de ser publicada pela Penguin Press (Nova Iorque).

Em nove capítulos o autor apresenta um universo rico de exemplos impressionantes. Ele fala, por exemplo, da relação entre as queimaduras sofridas por pilotos da Royal Air Force durante a segunda grande guerra e o avanço da cirurgia plástica reconstrutora. A guerra, aliás, também ajudou no desenvolvimento da cirurgia cardíaca.

 (Foto: divulgação)

Extreme Medicine, Kevin Fong. The Penguin Press, New York, 2014 (Foto: divulgação) (Foto: divulgação)

Também conta o que um acidente aéreo ensinou sobre a padronização de atendimento aos pacientes que sofrem ferimentos que podem colocar a vida em risco e mostra como um surto de poliomielite na Dinamarca nos anos 1950 mudou a maneira de oferecer suporte respiratório aos pacientes graves.

A ideia principal, e feliz, do livro é apresentar a medicina e seus avanços em contexto histórico, deixando claro que quando há ambiente político, econômico e social favoráveis, as respostas muitas vezes vem mais rápido que imaginamos.

Carlos Jardim é médico. Formado na Faculdade de Medicina da USP em 1999, na mesma instituição obteve seu doutorado. Especialista em Pneumologia e Terapia Intensiva, é membro de sociedades nacionais e internacionais de sua especialidade. Participa de atividades clínicas e acadêmicas no Incor/HCFMUSP e acredita na divulgação cientifica.