06/06/2014 20h33 - Atualizado em 06/06/2014 20h33

Ary Fontoura volta aos palcos em texto inédito de Joseph Meyer

'O Comediante' marca o último trabalho de direção de José Wilker

Ary Fontoura comemora 50 anos de carreira com o espetáculo (Foto: Divulgação)Ary Fontoura comemora 50 anos de carreira com o espetáculo (Foto: Divulgação)

Quase dez anos marcam o intervalo que Ary Fontoura ficou longe dos palcos. Seu último espetáculo foi “Marido de Mulher Feia tem Raiva de Feriado”, em 2005. Durante este tempo, o ator se dedicou à televisão e integrou o elenco de mais de dez novelas e seriados. Hoje, o jejum teatral acaba com a estreia de “O Comediante” no Teatro Clara Nunes. O texto inédito do jovem dramaturgo Joseph Meyer abusa da metalinguagem para narrar a história de um ator envaidecido que começa a confundir sua vida com a de um de seus personagens.

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 A peça marcaria a comemoração dos 50 anos de carreira de Fontoura, porém passou a ser uma homenagem a  José Wilker. Era o ator quem dirigia o espetáculo até sua precoce e inesperada morte em abril deste ano. Desde então, ele foi substituído por Andreson Cunha, que deu continuação ao trabalho. (Assista à cenas do espetáculo no vídeo)

– A partida dele foi um impacto muito grande em todos nós. Mas o teatro é poderoso, através dele conseguimos assimilar a perda e fomos em busca de uma forma de homenagear este grande homem da cena. Tentei ser o mais fiel possível ao conceito criado pelo Wilker, até porque já tínhamos um primeiro esboço de quase todo espetáculo – explica Cunha.

A parceria entre Fontoura e o saudoso diretor era antiga; os dois se conheceram em 1964 e logo se tornaram grandes amigos. Por defenderem com ênfase seus pontos de vista, muitas vezes tinham de conseguir chegar a um consenso sobre a melhor forma de dar sequência ao trabalho. O ápice aconteceu quando ensaiavam o espetáculo “Sábado, Domingo e Segunda”, de Eduardo de Fillipo, nos anos 90. Wilker assumiu a batuta de diretor e insistiu em um monólogo final que Ary não queria fazer.

Dar continuidade a este espetáculo foi nossa forma de prestar uma homenagem ao seu trabalho"
Ary Fontoura

– O Wilker achava que eu deveria fazer um monólogo no qual explicava a minha mulher o ciúme que eu tinha, dando voltas em torno dela. Este formato era incômodo para mim. Depois de tentar me convencer diversas vezes, ele se levantou da plateia exausto e disse: “Sabe de uma coisa, seu jegue empacado? Faça como quiser! Eu desisto!” – lembra o ator, emocionado.

Na visão de Wilker, as voltas eram representações da própria vida – que está em constante movimento. Sentimentos fluem, amores vão e voltam e uniões se aprimoram. Para ele, dar voltas era o que modificava a vida. Sabendo disso, Fontoura decidiu fazer o trabalho como o diretor desejava e acabou ganhando diversos prêmios como Melhor Ator.

– Sorrindo, ele sempre me dizia: “Gira, Fontoura! Gira!”. Recentemente ele estava cansado de tantas polêmicas e procurava sempre aplicar a síntese em tudo. Pontuava com observações irreverentes, sempre diretas e com um admirável mau humor cheio de malícia. Era um cínico adorável! Dar continuidade a este espetáculo foi nossa forma de prestar uma homenagem ao seu trabalho – explica Ary, que divide o palco com Ângela Rebello, Gustavo Artiddorro e Carol Loback.

Peça é uma homenagem a carreira do diretor José Wilker (Foto: Divulgação)Peça é uma homenagem a carreira do diretor José Wilker (Foto: Divulgação)

Em cena, o protagonista vive um duelo constante entre duas personalidades que habitam o mesmo ser: a que se vincula ao mundo real e outra criada em um universo próprio e paralelo. Walter Delon é o pseudônimo de Antonio, um ator esquecido no tempo e um sujeito solitário e incomum. Através de suas memórias, ele se vê condenado a voltar no tempo, trazendo á tona traumas como o confinamento em um manicômio e lembranças da amada Teresa.

– Há atores para os quais a imagem que criaram se torna o seu alter ego, o seu duplo. A imagem jamais os deixa. Para mim, esse pensamento de Stanislavski define o nosso protagonista. Trata-se de um ator que deixou de separar a ficção da realidade – conceitua o diretor Anderson Cunha.

“O Comediante” faz uma declaração de amor à arte dramática e todas as suas armadilhas. A montagem é um ode ao teatro, aos grandes astros e as estrelas da cena brasileira – incluindo José Wilker, que vai deixar saudade em diversas coxias dos nossos teatros.

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