Política

Coronel aliado de Ustra admite tortura na ditadura e diz que militares não são monstros

‘Só um idiota imagina que não tenha ocorrido’, diz Moézia
Coronel da reserva Pedro Ivo Moézia reconheceu a ocorrência da tortura nas instalações militares durante a ditadura Foto: O Globo
Coronel da reserva Pedro Ivo Moézia reconheceu a ocorrência da tortura nas instalações militares durante a ditadura Foto: O Globo

BRASÍLIA — Ex-subordinado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra — reconhecido pela Justiça como um torturador — no Doi-Codi de São Paulo, o também coronel da reserva Pedro Ivo Moézia, em depoimento na tarde desta terça-feira à Comissão Nacional da Verdade, reconheceu a ocorrência da tortura nas instalações militares durante a ditadura. O coronel Moézia chefiou equipes de busca e apreensão e participou de confrontos com os opositores armados do regime, no início da década de 70. Ele, que também participou de interrogatórios, disse que jamais presenciou cenas de tortura, mas reconhece que essa prática existiu. E atribui o uso da tortura aos policiais civis e militares que compunham equipes do Doi.

— Nunca presenciei tortura. Dada a minha formação não poderia concordar com isso, de lançar mão da violência. Mas só um idiota imagina que não tenha ocorrido. Não vi, mas não estou dizendo que não aconteceu — afirmou o coronel Moézia, que se classificou como um "curinga" dentro do Doi-Codi no período de um ano que passou por lá. — Não nego que alguém tenha sido torturado. É hipocrisia. Mas não somos monstros, somos seres humanos. Ninguém tem nervo de aço. Nosso papel era não permitir exageros. Não somos esses bichos que falam por aí.

O militar, que estava em posse de um habeas corpus para se manter calado no depoimento, se desejasse, não fez uso desse instrumento. Ele respondeu a todas as perguntas dos integrantes da comissão, ainda que não tenha feito revelações nem dado nomes, por exemplo, sobre quem foi torturado.

Moézia responsabilizou os policiais civis e militares, que integravam as equipes do Doi-Codi, pelas torturas. Disse que essa era uma prática da polícia, jamais do Exército.

— Esse era um método que vinha lá da polícia para conseguir informações. ‘Vamos trabalhar o preso’, diziam. Aí o senhor pode imaginar. O método da polícia era a tortura. A presença da polícia foi imposta a nós. Nós, militares, nos preparávamos para a guerra, como no Araguaia. Não para essas tarefas — disse o militar.

Moézia é amigo de Ustra até hoje. Se falam toda semana e estão sempre tomando um "uisquinho" juntos. O coronel apontado como torturador e que foi reconhecido por várias de suas vítimas é um ídolo para seu subordinado.

— O Ustra é o maior herói do Exército hoje. É um grande injustiçado. Todo mundo adora dizer que foi torturado — diz Moézia.

O coronel afirmou que os militares também usavam codinomes e revelou o seu: doutor Ítalo Andreolli. Ele disse também que havia um comando paralelo entre os militares, mas negou que se tratava de um grupo que defendia a violência para extrair informações dos presos políticos.

O coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, considerou importante o depoimento do coronel e destacou a informação que reforça o uso da tortura por policiais nos depoimentos dos presos que enfrentavam o regime militar.

— É muito importante ter a voz de uma pessoa do sistema de que havia uma estrutura paralela e que faz uma acusação explícita às polícias civil e militar. Não me parece que seja alguém que tenha a mão suja de sangue (que teria participado direto de sessões de tortura). Foi um depoimento importante, mas não podemos ser ingênuos. Foi um depoimento muito forte até pelo que ele não diz — afirmou Dallari, numa referência a negativas do coronel que não reconheceu, no período que esteve no Doi-Codi, a ocorrência de uma morte nessa unidade.