Política Eleições 2014

Dilma sai da sombra de Lula e vence eleição no ataque

Presidente reeleita desempenhou estilo centralizador durante campanha acirrada

Presidente reeleita Dilma Rousseff
Foto: Fábio Seixo / O Globo
Presidente reeleita Dilma Rousseff Foto: Fábio Seixo / O Globo

BRASÍLIA - O Brasil foi às urnas neste domingo dividido. Depois de mais de 100 dias de uma campanha eleitoral marcada por reviravoltas nas pesquisas e uma tragédia, a morte de Eduardo Campos, Dilma Rousseff (PT) foi reeleita com 54,1 milhões de votos, ou 51,59% dos votos válidos (com 99,4% das urnas apuradas). A presidente é reconduzida ao Planalto com um estilo: mais independente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no ataque. Durante a campanha, não poupou os adversários Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB).

Um levantamento feito pelo Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa/Iesp) mostra que cerca de 60% das mais de 500 peças veiculadas (novas e repetidas) na televisão foram de ataques , e que a candidata do PT foi a que mais se destacou. Pelo estudo, Dilma utilizou a estratégia de ataque em 72% das suas intervenções, contra 47% de Aécio. As críticas ao candidato do PSDB, segundo analistas, surtiram efeito e foram responsáveis por parte das mudanças nas intenções de voto observadas nas últimas pesquisas do Datafolha e do Ibope na última semana.

Esta foi a vitória mais apertada da História da República no Brasil. Agora, Dilma terá pela frente como uma das principais e imediatas tarefas desarmar os espíritos radicalizados nesta eleição. Dilma terá também em seu novo mandato o desafio de responder às demandas da sociedade, como a melhora da prestação de serviços públicos em educação, saúde, transporte e segurança.

CAMPANHA ELEITORAL

Por volta das 22h do último dia 5, a presidente Dilma Rousseff surgiu no palco do teatro de um hotel em Brasília ostentando bom humor. Sua expressão não combinava com o clima nos bastidores de sua campanha. Horas antes, os petistas foram pegos de surpresa com o resultado do 1º turno. Esperavam não só um desempenho melhor de Dilma, como previam uma votação menor do candidato do PSDB, Aécio Neves. Foi naquele momento que Dilma deu a largada no segundo turno invocando, em seu discurso, os “fantasmas do passado” do governo Fernando Henrique, tratado ali como sinônimo de arrocho salarial, desemprego e recessão. Foi só tirar da gaveta o “script” que já estava pronto e tivera de ser engavetado quando a candidata do PSB, Marina Silva, ultrapassou Aécio nas pesquisas.

Essa fórmula, usada com sucesso nas duas eleições anteriores — na de Dilma contra José Serra, em 2010, e na reeleição de Lula contra Geraldo Alckmin, em 2006 —, desta vez não foi suficiente. Uma preocupação dos petistas eram os jovens, que não viveram o governo FH e não se sensibilizavam com esse discurso. Essa faixa do eleitorado, que em grande parte votou em Marina no primeiro turno, era um dos alvos da campanha de Dilma.

Assim, três dias depois, a campanha petista já tinha uma nova aposta: desconstruir a imagem de bom gestor de Aécio, contestando os indicadores sociais e econômicos de Minas Gerais, estado governado pelo tucano e seu grupo durante 12 anos. A nova estratégia foi exposta no dia 8 pelo presidente do PT e coordenador-geral da campanha de Dilma, Rui Falcão, em reunião da Executiva Nacional do partido com coordenadores estaduais da campanha, em Brasília.

No dia anterior, após reunião com presidentes de partidos aliados, governadores e senadores eleitos, a própria Dilma deu a deixa. Ela ironizou o fato de ter derrotado Aécio em Minas, seu reduto eleitoral, no primeiro turno:

— Quem me conhece votou em mim — afirmou a presidente, referindo-se ao fato de ter ganho em Minas, estado em que nasceu, e no Rio Grande do Sul, onde fez carreira política.

Mesmo com essa artilharia, durante os primeiros 15 dias do segundo turno Aécio e Dilma permaneceram tecnicamente empatados, com o tucano numericamente na frente. A campanha de Dilma subiu o tom com ataques pessoais, e o candidato do PSDB respondeu na mesma moeda, tornando essa a campanha mais virulenta desde 1989. Os dois acabaram recuando diante da rejeição do eleitorado ao grau de agressividade reinante.

A campanha petista, no entanto, só pisou no freio depois de conseguir o que queria: disseminar informações como a que lembrava que Aécio se recusou a fazer o teste do bafômetro, em uma blitz da Lei Seca, em 2011. Dilma também saiu chamuscada. Foi acusada pelo tucano de nepotismo cruzado. Segundo Aécio, o irmão de Dilma, Igor Rousseff, ganhava sem trabalhar na prefeitura de Belo Horizonte, na gestão de Fernando Pimentel (PT), amigo da presidente. Foi um revide à acusação de Dilma de que Aécio, quando governador de Minas, empregou parentes.

Se, no 1º turno, Dilma — a ex-guerrilheira que lutou contra a ditadura, apresentada nesta campanha como “coração valente” — afirmou que para ser presidente era preciso “aguentar pressão” e ter “coluna vertebral”, para aventar uma suposta fragilidade Marina, no 2º turno ela tentou se vitimizar e tachar Aécio de agressivo com mulheres, por tê-la chamado de “mentirosa” e “leviana”. A estratégia surtiu efeito, e Dilma cresceu entre o eleitorado feminino.

Até o último dia, a presidente andou na corda bamba com o escândalo de corrupção na Petrobras. A oito dias da eleição, ela reconheceu pela primeira vez que houve desvios na estatal durante seu governo. A inflexão no discurso foi uma vacina para tentar evitar que as acusações colassem em sua imagem pessoal.

Ironicamente, as acusações de pagamento de propina a partidos políticos na Petrobras, que foram o calcanhar de aquiles de Dilma, também lhe renderam um dos pontos altos de sua campanha no segundo turno: o surgimento do nome do então presidente do PSDB Sérgio Guerra como suposto beneficiário do esquema, em 2009. A petista explorou essa informação para tirar de Aécio a bandeira da ética.

Apesar de o tucano ter sido, desde o início, o adversário desejado pelo PT, com o intuito de repetir a polarização com o PSDB, a disputa foi considerada “renhida” por coordenadores da campanha à reeleição. Os petistas respiraram aliviados no início da semana, quando o Datafolha mostrou pela primeira vez Dilma à frente de Aécio, embora ainda empatados tecnicamente, devido à margem de erro.

A ordem na cúpula da campanha, no entanto, foi não cantar vitória antes do tempo e manter a militância mobilizada. Os petistas acreditavam na vitória, mas estavam preocupados com as abstenções. Atribuíram o crescimento na reta final ao fato de o escândalo da Petrobras ter resvalado para o PSDB; ao aumento da aprovação do governo; à estratégia de desconstrução de Aécio; e ao equilíbrio entre os dois candidatos nos debates na TV. Escaldados, porém, depois dos erros das pesquisas no 1º turno, que previram uma votação menor de Aécio, e depois de tantas reviravoltas, alguns mantinham um otimismo contido, demonstravam cansaço e se preparavam para qualquer resultado.

— Estou preparado para as duas coisas. Se o Aécio ganhar, não vou ficar chocado. E, se Dilma ganhar, também não ficarei muito eufórico — disse um militante que trabalha no partido.

Integrantes do comitê eleitoral ressaltam que nem nos momentos mais difíceis ela “se escondeu embaixo da saia do Lula”. Embora trocasse ideias com o ex-presidente, Dilma não aceitou apenas o papel de “criatura” proclamado pelo ex-presidente na convenção nacional do PT, em junho. Ela aprovou diretamente peças de propaganda com o marqueteiro João Santana, e foi a mentora de parte dos ataques tanto a Marina Silva (PSB) quanto a Aécio.

A campanha, à imagem e semelhança de seu governo, foi marcada pela centralização de Dilma. A “tia”, como se referem a ela os petistas ligados a Lula, fez questão de dar a palavra final em tudo, desde a agenda de compromissos até as propagandas de rádio e TV. Integrantes do comitê eleitoral afirmam que a presidente exigia saber detalhes, como o local exato onde daria entrevistas à imprensa durante agendas de campanha e em que momento. Muitas vezes mudava o roteiro traçado.

Durante o 2º turno, a presidente se permitiu poucos momentos de descontração. O mais marcante deles foi em evento em São Paulo, na última segunda-feira. Na janela do Tuca, o teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a presidente pulou ao som do coro “quem não pula é tucano”, entoado por militantes na rua. Ironicamente, após uma campanha em que se consagrou pelos ataques que desferiu, agora reeleita, Dilma tem entre seus principais desafios pacificar o país.