Rio

Sepultado corpo de menino atropelado durante ação contra crack na Avenida Brasil

Mãe da criança afirmou saber que ele usava drogas

Enterro de Rafael Ribeiro, 10 anos, que morreu atropelado na Avenida Brasil, altura do Parque União, após fugir de uma operação da secretária de ação social, em acolhimento a usuários de crack; ele foi enterrado no cemitério do Caju
Foto: Roberto Moreyra / Extra/O Globo
Enterro de Rafael Ribeiro, 10 anos, que morreu atropelado na Avenida Brasil, altura do Parque União, após fugir de uma operação da secretária de ação social, em acolhimento a usuários de crack; ele foi enterrado no cemitério do Caju Foto: Roberto Moreyra / Extra/O Globo

RIO — Foi enterrado na tarde desta quinta-feira no Cemitério do Caju o corpo de Rafael Felipe Mota Ribeiro, de dez anos, atropelado no início da manhã em uma operação de acolhimento de usuários de crack. A mãe do menino, que se identificou somente como Renata, afirmou saber que ele usava drogas. Segundo ela, Rafael “fumava apenas um baseado de vez em quando”. Acompanhado de outro filho de 14 anos, Renata estava, de acordo com a família, sob efeito de sedativos. Cerca de vinte pessoas acompanharam o cortejo. A cerimônia durou meia hora.

— Ele usava drogas desde os oito anos. A mãe também é usuária. Era a avó que sempre corria atrás do Rafael — afirmou a vizinha da família, Aline Neves.

O menino foi atropelado por um caminhão na Avenida Brasil, na altura da Favela Nova Holanda, no sentido Centro. O motorista do veículo fugiu do local. Devido ao acidente, o trânsito foi prejudicado nos dois sentidos da via.

O subsecretário de atenção especial, Rodrigo Abel, esteve no local para dar assistência à família da criança, que mora na favela Parque União.

— O que aconteceu foi uma fatalidade. Vamos buscar as informações sobre o menor e prestar toda a assistência à família. O crack é uma droga muito violenta. Estamos convencidos de que precisamos trabalhar mais — disse Abel.

A concentração de usuários de crack às margens da Avenida Brasil — principalmente nas proximidades das favelas Parque União e Nova Holanda — é recorrente mesmo com as constantes operações de acolhimento realizadas pela Secretaria de Assistência Social. É comum flagrá-los se arriscando na travessia da via de alta velocidade, seja para fugir os agentes que participam das ações ou para comprar a droga. Enquanto os repórteres do GLOBO acompanhavam a retirada do corpo do menor, que foi encaminhado para o IML, outras duas crianças atravessaram a avenida.

Uma frentista que trabalha no local e não quis se identificar afirmou que todo dia há uma grande concentração de viciados em crack na região.

— Ontem (quarta-feira) eram mais de 150 usuários. Parecia filme os zumbis saindo da favela — contou a mulher.

No Rio, pelo menos 120 crianças estão atualmente internadas em cinco Centros Especializados de Atendimento à Dependência Química e na Unidade Municipal Casa Viva, em Laranjeiras, segundo dados da Secretaria municipal de Assistência Social. No dia 19 de dezembro do ano passado, a Justiça se manifestou de forma favorável à internação compulsória de usuários de crack, em decisão do desembargador Paulo Rangel. Ele indeferiu um pedido de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, que pedia a liberação de uma usuária adolescente. Foi a primeira envolvendo um menor no Rio.

A internação compulsória de menores viciados em crack foi iniciada com base num novo Protocolo de Abordagem Social. As crianças e os adolescentes dependentes da droga são levados para tratamento por assistentes sociais e psicólogos da Secretaria municipal de Assistência Social. Para o órgão da prefeitura, a internação compulsória de menores é a grande responsável hoje pela retirada de menores usuários de crack das ruas, onde vivem vivem em situação de abandono e perigo. Nos abrigos, os viciados recebem atendimento médico e acompanhamento de psicólogos, educadores, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais.

De acordo com a Secretaria municipal de Assistência Social, o município tem hoje 178 vagas nos centros de tratamento. Depois de serem recolhidos e levados para essas unidades, os menores passam por uma avaliação, para que seja identificado o nível do vício de cada um. No período em que permanecem internados nos centros de tratamento, eles passam por exames para se saber se têm algum tipo de doença. É feita ainda uma avaliação nutricional. Outra atividade é um trabalho de reaproximação com os pais e outros parentes. Após o tratamento, o menor só é liberado e volta para casa se ficar comprovado que foi matriculado numa escola.

A internação compulsória de adolescentes usuários de crack está em vigor desde o ano passado. Em outubro deste ano, o prefeito Eduardo Paes anunciou que ampliaria a medida também para adultos, o que gerou polêmica. Em junho de 2011, a Justiça já havia determinado a primeira internação compulsória de um adulto usuário de crack no Rio. Há uma discussão jurídica sobre a constitucionalidade da medida, que o próprio Paes admite ser polêmica.

Viciados agora montam acampamento às margens da Avenida Brasil

O flagelo do crack na cidade fica bem evidente em Ramos, onde usuários da droga montaram um verdadeiro acampamento, com barracas e lonas usadas como abrigos, às margens da pista lateral da Avenida Brasil, sentido Zona Oeste, próximo à Favela Parque União. Os viciados ocuparam um aterro, do canteiro de obras do BRT Transcarioca. No local, eles usam drogas, dormem, comem e tem relações sexuais. Por vezes, invadem a Avenida Brasil, correndo o risco de ser atropelados e de provocar acidentes. Uma faixa da pista, aliás — a que fica junto ao aterro —, foi interditada por cones.

Os usuários se concentravam antes na Praça do Caracol, às margens da Avenida Brigadeiro Trompowsky, via de ligação com a Ilha do Governador. Eles, no entanto, tiveram que deixar a praça às pressas na semana passada, porque um grupo de homens invadiu o local e os agrediu a pauladas. O caso foi confirmado por Paulo Silveira, integrante do movimento “Respeito é bom e eu gosto”. Os mesmos agressores teriam teria jogado uma bomba no local, avisando aos usuários que não queriam mais vê-los na praça.

Antes da agressão, segundo Paulo Silveira, uma equipe de voluntários do seu movimento social esteve na cracolândia e entregou aos viciados camisetas com os dizeres “Eu quero me tratar, mas onde?”.

Os agressores levaram todas as camisetas. Um usuário, que se identificou apenas como Miguelzinho, contou que os homens vestiam preto e bateram em todo mundo na cracolândia. Outro viciado disse que o grupo era composto por milicianos. Após o ataque, os dependentes foram para a Favela Parque União, mas, intimidados por traficantes, se transferiram para as margens da Avenida Brasil.