De calça jeans, camisa
polo listrada e óculos pretos de armação grossa, Alex parece um sujeito
normal. Sentado em uma mureta do estádio Couto Pereira numa tarde de
segunda-feira, cansado de uma viagem, ele varre com os olhos a
arquibancada vazia. Àquela altura, tentava prever um futuro bem próximo e
só desejava que o último jogo da temporada, contra o Bahia, já não
tivesse para o Coritiba o peso da luta contra o rebaixamento. Assim
será. Neste domingo, a degola só ameaça os baianos. E o camisa 10 do
Coxa estará ali, não sentado na mureta de calça jeans e tênis, mas de
pé, no gramado, com uniforme e chuteiras. Pela última vez. Um domingo de
festa e de adeus, com a torcida livre da angústia e pronta para
celebrar o sujeito que, de tanto se achar normal ao longo de duas
décadas, tornou-se único.
- Eu sei que não sou o
melhor do mundo. Não me vejo diferente de ninguém. Deus me deu um dom
que é jogar bola, mas isso não me faz melhor do que um torcedor, um
deputado ou um gari – define Alex, que neste domingo, aos 37 anos, chega
ao fim de uma estrada marcada por títulos, gols e sobretudo um jeito
diferente de se apresentar dentro e fora do campo.
Sai
dos gramados um jogador com uma etiqueta que não se vê mais por aí. “O
camisa 10 sumiu”, avalia o próprio Alex, cravando o diagnóstico para
logo em seguida receitar aos clubes um remédio simples: investir no
futsal. Foi de lá que ele veio, é lá que ele enxerga a salvação do
futebol brasileiro puro-sangue. Com a habilidade e a rapidez de
raciocínio que a quadra exige, o curitibano forjou na grama uma
trajetória com momentos brilhantes no Palmeiras e no Cruzeiro, virou
estátua na Turquia e voltou ao Coxa para escrever o último capítulo de
um enredo que não esconde suas decepções, como a ausência na lista de
Felipão para a Copa de 2002:
- As derrotas me ajudaram bastante.
Se
a carreira dá um livro, o que aconteceu longe dos campos vai muito além
de notas de pé de página. O garoto de pouco estudo virou um adolescente
autodidata, que foi matando a fome de conhecimento no convívio com os
mais diferentes tipos de pessoas. Mergulhou na história de cada time que
defendeu, desenvolveu uma inteligência pouco comum entre seus pares e
uma visão crítica que, mais recentemente, fez dele um dos líderes do Bom
Senso FC. Hoje Alex dá a entender que o movimento criado em 2013 para
cobrar condições melhores no futebol brasileiro já cumpriu seu papel.
-
Somos como o levantador do vôlei. Levamos a discussão para a presidente
Dilma, para a Câmara dos Deputados. Daqui para frente são outras
pessoas que têm de fazer algo, não temos poder de execução – pondera,
revelando que chegou a defender uma greve geral, mas a ideia não foi
adiante porque muitos jogadores temeram retaliações dos clubes, "com
razão, porque acontece mesmo".
Ainda assim,
Alex promete continuar debatendo a "realidade triste" do futebol
nacional. E quando o árbitro apitar o fim de Coritiba x Bahia, ali por
volta das 19h de domingo, haverá um mundo de possibilidades escancarado à
sua frente. Dirigente? Comentarista? A princípio tudo parece
interessante, mas a vontade de ser técnico não é segredo para ninguém.
Só não vale assumir a nova função dando uma carteirada com o prestígio
de atleta.
- Ter jogado futebol não me credencia para ser treinador. Em nada. Só vivi o lado de dentro, agora preciso viver o lado de fora.
E
o torcedor do Coritiba, do Palmeiras, do Cruzeiro, do Flamengo, do
Fenerbahçe ou da Seleção certamente estará satisfeito se Alex for, do
lado de fora, o mesmo sujeito normal que foi do lado de dentro. Normal e
único.
Confira a seguir a conversa de Alex com o GloboEsporte.com:
a Formação de um jogador
GloboEsporte.com: Você é um cara mais esclarecido, que discute assuntos fora do campo. Isso veio da sua família ou buscou conhecimento? Como surgiu esse Alex?
Alex: Aos poucos. Mesmo porque meu pai e minha mãe não estudaram. Acredito que o que mais tenha me ajudado foi jogar futebol
de salão na AABB, onde convivi com vários tipos de pessoas. Convivi com
filhos de médicos, de advogados, com jogadores que vinham da mesma classe
social que eu, e era uma enxurrada de conselhos. De todos os lados. Depois,
quando subi para o time principal do Coritiba, vi jogadores de várias formas. Alienados, preocupados e interessados. E fui buscando,
principalmente quando cheguei ao Palmeiras e não tinha o que fazer. Meus pais
em Curitiba, minha namorada em Curitiba, e São Paulo me assustava, daí fui
buscar algo para fazer. Era ler, estudar, conversar com gente de fora do
futebol. Na verdade, fui sendo autodidata. Costumo dizer que sou metido mesmo.
O assunto que eu não conheço, eu não falo, mas ouço muito para absorver e
procuro sempre me aprofundar. Tinha situações que aos 20 anos eu queria falar e
não podia. Hoje, aos 37 anos, eu posso falar.
Esse conhecimento colabora como atleta?
Acho que ajuda. Falando do futebol, quanto mais interessado for em qualquer
tipo de assunto, mais aberta vai estar a cabeça dele para o
que o treinador vai pedir. Já vi várias situações em que o treinador pediu coisa simples,
e o jogador, por não ter escutado, por desinteresse ou por ser alienado, não entende
uma situação simples.
Os clubes deveriam investir mais nessa formação?
O clube de futebol está pouco preocupado com a pessoa. De fazer um cidadão. O clube quer um robô. E esse robô tem que ir para dentro do campo e resolver os
problemas dele. Se não resolver, a gente tira de lado e põe outro robô. Talvez
a grande felicidade tenha sido jogar na ABBB, que formou vários atletas para
Coritiba, Atlético-PR e Paraná, e esses jogadores fizeram relativo sucesso. Mas
o mais legal é que são pessoas bem instruídas e preocupadas com o contexto
geral. Os clubes de futebol estão pouco
preocupados em formar um cidadão.
Isso é só no Brasil ou no exterior?
A gente não pode generalizar, mas lembrei o Cruzeiro, que tinha essa preocupação.
Era uma exceção à regra. Mas, com certeza, tinha que ser mais corriqueiro. Muitos
meninos vêm com 13 ou 14 anos de lugares distantes, com os pais delegando poderes
aos clubes, e muitas vezes os clubes lavam as mãos, querendo apenas formar um
jogador de futebol.
Acha que falta mais preparação aos jogadores que saem jovens do Brasil?
Falta, falta. Até pela formação. Eu, quando era criança, queria
jogar no Coritiba, depois no Maracanã, no Mineirão. Quando era criança, via o
Zico saindo de ônibus para ir ao Maracanã, o Sócrates saindo de ônibus para
jogar no Morumbi. Nossas referências eram brasileiras, e hoje as referências são
europeias. Hoje, você vê meninos que não querem jogar no Brasil. Daí, a gente pode discutir a legislação que permite a quem tem mais
dinheiro levar o menino. Na formação, se perde muita coisa. Eu, no futebol de hoje, se chegasse como cheguei ao Coritiba,
fatalmente não chegaria a jogar. Era muito franzino, não aguentava uma chegada
de um menino mais forte. E hoje tem esse peso de ficar com o mais forte. Tanto
que a gente está vendo sumir características que tinham de monte.
O fim do camisa 10
E o jogador com as suas características?
Sumiu.
E não vai voltar. Aqui, no futebol brasileiro,
não tem mais. Pode procurar em cada time no Brasil que não vai encontrar. Podemos procurar meninos de 14 anos
e de repente tem alguém, mas no futebol de hoje, na primeira e na segunda divisão,
não tem ninguém.
Qual o reflexo disso? O sumiço do camisa 10 pode alterar a
forma de jogar?
Já mudou. Não temos mais o estilo brasileiro. Quem joga no estilo brasileiro? Depois que o Barcelona ganhou do Santos (por 4 a 0, na final do Mundial de Clubes de 2011), entrevistaram o Guardiola. Ele disse
que faz aquilo que os brasileiros faziam lá trás. E nós copiamos o que os
europeus faziam lá atrás. Hoje, com essa globalização, eles juntaram o que
tinha de bom, que era essa parte tática e a determinação daquilo que o treinador
pede, com a qualidade técnica. Nós diminuímos a qualidade técnica e, por
natureza, não temos a condição mental de fazer o que os europeus fazem desde
criança. Acredito que perdemos um pouco o caminho da história, mas é
recuperável. É cíclico, tudo pode mudar. A gente é que tem que começar a
discutir e fazer algo diferente com os meninos de 13, 14 anos para que, daqui a três
ou quatro anos, tenhamos essas características novamente.
E como deve ser iniciada a recuperação?
Pela valorização do futsal, porque os grandes nomes do futebol
brasileiro saíram das quadras. Antes havia a rua, mas não temos mais a rua, porque
as cidades ocuparam. E sobrou a escola, mas a educação é péssima, e não temos na
escola. O que restou é o futsal. O que nós,
brasileiros, queremos como característica? O moderno, como todo mundo tem, ou
agregar o futebol que tínhamos antes com a modernidade de hoje? É um trabalho
longo, pois, em algum momento, nós nos perdemos.
Tem alguém pensando nisso?
Tem várias pessoas pensando. Pensar e pôr no papel é simples. A
execução é que é complicada.
E entre os que têm as ferramentas para executar?
Acho que não estão pensando. Quem tem as ferramentas para pensar é a CBF, as
federações e os clubes. Enquanto houver presidente de
clube que não tem nem a condição de sentar e trocar uma ideia, eu acho
complicado.
BOM SENSO FC
Em que momento está o Bom Senso?
Sempre brinquei que no Bom Senso somos como os levantadores no
vôlei. Dificilmente vamos definir ou dar um bloqueio. O nosso objetivo é levantar as
discussões, e chegamos a um ponto, no meu modo de ver, altíssimo. Levamos para a
presidente Dilma, ainda antes das eleições, e vamos ver se ela mantém os pontos
que nos colocou. Levamos para a Câmara de Deputados. O Romário era
deputado e agora está no Senado. Vai levar para o Senado, e agora está na mão de
quem tem esse poder. Nós temos o poder de discutir, de oferecer ideia. Sempre
fomos muito abertos com presidente de clube, sindicato, federações... Conversamos
com o presidente Marin (José Maria Marin, da CBF) e levamos para
Brasília. Há várias coisas que, infelizmente, têm de ser feitas na lei. E tem
coisas que são no futebol, o que precisa ser discutido com CBF, federações e
sindicato dos treinadores.
Acha que esses setores estão sensibilizados? Tem gente para cortar essa
bola?
Nos ouvindo e nos recebendo, fizeram isso de maneira espetacular.
Agora, como vai funcionar, realmente só tenho expectativa de ver
o que o vai acontecer.
E os protestos? Não serão mais feitos?
Já foram feitos. Já discutimos várias situações. Talvez fizéssemos uma greve
geral, mas, num país continental como o nosso, como fazer? Tivemos duas
oportunidades de fazer, mas vários recuaram. Eu era a favor, era meio xiita.
Vários jogadores recuaram, e não sei se existe nova possibilidade.
Os jogadores têm medo de represália do clube?
Têm, porque ela acontece. É uma minoria que vive de futebol. São poucos
jogadores que vão acabar sua carreira como atleta e podem ficar em casa e viver
daquilo que juntaram como jogador. A realidade do futebol brasileiro é triste.
Tem quem trabalhe aí no máximo quatro meses por ano, nem recebe e tem que
buscar algo diferente para fazer. Você vai fazer greve, vai ter retaliação e perde o emprego. É
complicado.
Foi isso que mais te motivou a participar do movimento?
Foi, porque tenho vários amigos. Meu irmão foi jogador profissional e jogou
nessas condições. Não ganhou mais que R$ 300 por mês, e alguns clubes até hoje
não pagaram para ele. É uma situação normal e corriqueira no Brasil. Aqui no
Paraná é muito melhor jogar na suburbana de Curitiba, que é superorganizada no
futebol amador, do que ser profissional e jogar a segunda divisão do Paranaense.
Isso sensibiliza, porque tive a felicidade de fazer parte da minoria e, mesmo
tendo amigos que sofreram, não consigo ter a total dimensão, porque eles sentem
na pele. Isso fez com que a gente levasse a briga para o Governo. A situação das
Séries A e B é mais de calendário, e a CBF, com um pouco de
estudo junto com a TV detentora, consegue ajeitar a coisa. Para as
categorias menores, as dificuldades são enormes.
grandes momentos da carreira
Sobre a sua carreira: Palmeiras ou Cruzeiro? Qual foi o mais importante?
Não dá para escolher o mais importante. Não posso não citar a minha estreia
no Coritiba, porque o Carpegiani colocou um
menino de 17 anos para jogar que ninguém sabia quem era. Talvez se esse
momento não tivesse acontecido, nem estaríamos conversando. Quando
cheguei ao Palmeiras, a Parmalat tinha ganhado várias coisas e
queria a Libertadores. Trouxeram o Felipão pela experiência que
tinha no Grêmio para comandar uma equipe para chegar ao título. E chegamos. Quando cheguei ao Cruzeiro, era um supervencedor. Tinha três Copas do Brasil, duas Libertadores e o brasileiro de 1966, que a CBF não
reconhecia. E os atleticanos se vangloriavam de que o Cruzeiro não tinha
um Brasileiro. E isso era pesado, porque o atleticano tinha menos títulos,
mas batia naquela tecla. E conseguimos vencer o Brasileiro. Eu brinco que
vieram de bônus a Copa do Brasil e o Campeonato Mineiro. Aquele momento foi muito
legal.
Então, escolher o mais importante seria injusto. A carreira tem
altos e baixos. Quando eu estava no Palmeiras, ganhamos um Torneio
Rio-São Paulo que não tem muita importância, mas naquele momento estava
sendo montado um novo time. E ganhamos de um Vasco que tinha um timaço. Para mim foi
importante
Mas, para você, qual foi o melhor Alex?
Aqui no Brasil, foi no Cruzeiro. No Palmeiras de 1999, eu ajudei
demais, fui muito bem e fiz gols importantes, mas em 2003 era sacanagem. Tudo
dava certo, tudo funcionou. A coisa acontecia de uma maneira, e eu brincava que
era mágico, porque alguns jogadores eram desacreditados. Eu mesmo era, porque,
quando voltei para o Cruzeiro, ninguém me queria lá. Nem torcedor, nem
diretoria, nem funcionário. Só o Luxemburgo me bancou. E foi tudo mágico. Claro
que teve um trabalho enorme. Fui parar três vezes no hospital por jogar abaixo
do peso que todo mundo queria. Eu era o preferido do Vanderlei, mas talvez
fosse um dos mais exigidos para fazer as coisas acontecerem. Fiz um pacto com
Vanderlei que a minha entrega e determinação seriam mais do que o comum, e ele estaria sempre fiscalizando. A coisa foi de um sacrifício absurdo.
Qual o peso do Luxemburgo na sua carreira?
Total, 100%. Se ele não existisse, eu teria sucumbido naquele ano. Quando resolvi
minha situação com o Parma, ninguém me queria, nem o próprio Cruzeiro. E o
Vanderlei me bancou.
A sua admiração pelo Zico não faz com que lamente a pequena passagem pelo
Flamengo?
Com certeza. Pela admiração que tenho pelo Zico, eu tinha que ter
jogado pelo menos um pouquinho por ele e por essa admiração, mas infelizmente
não aconteceu. O legal de eu ter jogado no Flamengo é ver a força que ele
possui. E eu trago isso como ensinamento muito grande. Mesmo não tendo jogado nada,
eu vesti a camisa do Flamengo e do cara que eu mais admiro. Mesmo tendo ido lá
e não jogado porcaria nenhuma, me dá orgulho saber que por 11 vezes eu vesti a
camisa do Flamengo.
O que deu errado no Flamengo?
Tudo (risos)! O Flamengo vivia um momento administrativo complicado, eu
entrei nessa história, não fui quem o Flamengo necessitava, minha participação
foi ridícula. O Flamengo tem sua parcela de culpa? Claro que tem, mas o maior
culpado sou eu. Talvez se minha dedicação, meu entendimento e
minha paciência fossem maiores, a história seria diferente.
a decisão de parar
Como é a sua relação com o Coritiba? Sentiu algum desgaste?
Eu não tenho desgaste com o clube. O Coritiba é um time que conheço bem, sei como pensa a torcida. Como eu disse, quando eu tinha 20 anos, queria falar coisas que falei
agora aos 36, 37 anos e talvez muitos não estavam preparados para aquela
discussão. Muito se fala que tenho problema com o presidente (Vilson Ribeiro
de Andrade), e eu não tenho. O que acontece é que em vários momentos
ele se posicionou de uma forma que eu não gostei, e me posicionei de forma
que ele não gostou. Isso é normal em qualquer empresa. E a relação
que tenho com o Coritiba é de amor. Comecei aqui, cheguei com 9 anos,
conheci minha mulher dentro do estádio. Não tem como separar o Coritiba de mim.
E está 100% convicto de parar? Não tem proposta que mude isso?
Não. Já deu para mim.
Você disse que primeiro pararia após o Paranaense deste ano e que mudou de ideia por cauda da família
e de amigos. Por que ali já pensou em parar?
Achei que poderia ajudar muito pouco no Brasileiro. Que o Coritiba teria
parada por duas ou três semanas, porque caímos fora na semifinal do Paranaense e
teria tempo para refazer o time, contratar outros jogadores. Naquele momento, a
situação do treinador era complicada. O Dado (Cavalcanti) saiu, e veio o Celso
(Roth). Daria oportunidade para o Celso montar outro time. E eu ia descansar
minha cabeça. Olhava para o futuro e achava que ajudaria pouco no processo.
Mas como o capitão do time, o craque, o líder não poderia ajudar?
No futebol, não pode direcionar para uma pessoa. Tem que
direcionar para um conjunto de coisas. E esse conjunto de coisas não estava
acontecendo no Coritiba. Não estava e não está. O Coritiba em que joguei nesses
dois anos é dividido. Dividido entre o Atuba, o Couto Pereira e o torcedor.
Dificilmente esses três se juntaram. Quando se juntaram, foi forte. Dos times que joguei, é o único que não criou uma sinergia dessas três
pontas - arquibancada, diretoria e futebol. Pensei: se eu saio, talvez
consigam juntar isso. Retornei por algumas pessoas, principalmente pelo meu filho, que
ficou três dias sem falar comigo e só voltou a falar depois que disse que iria
voltar para o treino. Tive uma conversa com o Tcheco, que é um amigo de infância,
falei com a minha mulher, com amigos próximos.
E se o seu filho não falar contigo novamente?
Eu o preparei agora. Ele mesmo diz: "Meu pai vai parar contra o
Bahia. É o ultimo jogo dele, porque ele está velho, está cansado." (risos)
Já tinha consciência dessa divisão interna no clube?
Não, nenhuma. Se eu soubesse, não teria vindo. Uma coisa que eu ouço aqui, jogando pelo
Coritiba, é "Ah, o Alex brigou na Turquia". Eu não briguei com
ninguém. Briguei com o treinador, e o presidente preferiu que eu saísse e o
treinador continuasse. Sempre fui bem de vestiário, no Palmeiras, no
Cruzeiro e na Turquia. E bem aqui, se perguntar para os jogadores. Criaram um problema de relacionamento comigo e o presidente
que nunca aconteceu. Mas esse tipo de situação, se eu soubesse antes, com certeza
não viria.
Isso contribuiu para a decisão de parar?
Também. Não consigo ficar com as pessoas me questionando e não dar a minha
posição. Mas, mais do que isso, é a minha condição de achar que chegou o momento
de me retirar e deixar esse pessoal mais novo seguir jogando. O futebol necessita
de muita entrega. De repente não tenho mais tanto para oferecer dentro do
campo.
Então não tem mais volta?
Deixei de lado. Parei com o futebol.
idolatria na turquia
Os turcos têm idolatria por você. O que representou
para o clube? O que aconteceu lá?
Não sei (risos). Não sei o que aconteceu. Não fiz nada de diferente do
que fiz no Brasil. Fui, trabalhei, me dediquei, ganhei, perdi, me posicionei
em várias situações, mas não fiz nada de diferente para merecer uma estátua,
por exemplo. Quando foram ao centro de treinamento do Fenerbahçe e
pediram as medidas de camisa, de short e da caneleira para fazer a estátua, não achei que aquilo iria sair, porque eu só trabalhei. Só joguei futebol. Os que
não gostam de mim falam: "Poxa, o cara veio aqui, ganhou dinheiro, foi embora, e
vocês ainda fazem uma estátua para ele.. Analisando friamente, eu trabalhei, me
incorporei na cultura deles, cumpri minhas obrigações, e minha família também
incorporou a cultura turca, algo que pode ter chamado atenção. Mas nada de
extraordinário, eu não fiz nada. Realmente, é um mistério para mim.
Você já chegou como ídolo?
Cheguei, porque eles vieram me contratar em 2003 e eu não fui. Eu estava com
a minha mulher grávida. Aí falei para eles que, se quisessem, podiam me
procurar depois que minha filha nascesse. E eles ficaram me acompanhando, eu
fazendo gol no Cruzeiro, e chegava muita notícia para eles. E os outros times
tratavam da seguinte forma: vocês acham que vão conseguir contratar o melhor
jogador do Brasil? Então, quando desembarquei, cheguei ídolo. Tinha umas 20 mil pessoas no aeroporto me esperando. Uma
loucura que eu nunca tinha visto. Eu pensava comigo: ou carimbo isso ou estou
morto. Fiz 30, 32 gols, fomos campeões, e eu confirmei a minha contratação. E
essa loucura só foi aumentando dia a dia.
Qual foi a maior loucura que aconteceu?
A maior loucura foi a despedida. Foram 12 dias em que três, quatro mil pessoas
rodavam minha casa. Minha filha veio me dizer um dia que tinha gente dormindo
no nosso jardim, e eu tinha três cachorros que ficavam soltos. A gente teve que
prender para que não atacassem as pessoas. Num momento de comoção do
país, eu não ia querer ter problema com cachorro (risos). Isso foi muito louco.
A minha saída do aeroporto era para 22h, e eles começaram a soltar fogos em cima
do aeroporto. Às 19h30, um chefe da polícia falou: "Vai embora, porque esse povo
só vai parar quando você for embora." O avião ficava nos olhos das pessoas, e
não tinha como falar "ah, o avião saiu". Minha filha dominava o idioma, então, quando
o cara falou que o aeroporto já estava fechado por causa da fumaça toda e dos
fogos e que tinha um perigo grande do aeroporto explodir, ela entrou em
desespero. O voo saiu às 19h40 porque a gente foi expulso. Eu sempre disse para a
minha mulher que vou embora e entra outro, porque acredito nisso no
futebol. O Cruzeiro foi fantástico, mas veio outro. E ela falou: "Não, você não
está entendendo. Eu assisto ao jogo na arquibancada, ando nas ruas, e você só
vai entender quando estiver fora."
Tinha uma vida normal lá? Ia ao cinema, restaurante, shopping?
Tinha, mas com a paciência de atender a todo mundo. Quando não queria a situação,
eu ficava em casa. Quando eu ia ao shopping, cinema ou restaurante, já ia
sabendo que não tinha hora para voltar. Não existe aquela coisa: vou ali
rapidinho e já volto. É: vou ali e não sei que horas volto. Se fosse um dia
em que eu e minha família não quiséssemos aquela situação toda, ficávamos em
casa.
Parte da imprensa turca adora polêmica. Houve alguma história
engraçada ou inventada?
Várias. Uma vez fomos numa boate famosa em Istambul com uns amigos, e na
saída eu estava de mãos dadas com a Daiane. Do meu outro lado, tinha uma
loira. O fotógrafo pegou a foto e cortou a minha mulher, mas aparece o ombro
dela. E eles guardaram a foto até chegar uma derrota nossa para publicá-la e colocaram que
eu tinha ido para a boate depois da derrota com uma loira. Mas o meu comportamento vai apagando essas situações. Se o meu comportamento fosse diferente, talvez
aumentasse uma manchete mentirosa. A briga com o treinador também foi muito aumentada por eles. "Alex faz um gol, e
faltam 12 para alcançar", e a coisa avançava. Quando eu fazia gol, a TV mostrava a reação do treinador. Foi quando dei a arma para eles. Quando fiquei no banco, um amigo brincou no Twitter: "Pô,
você está muito mal. É reserva do Cristian, que era volante do Corinthians." E eu
respondi: “Deve ser ciúme.. Foi a brecha que dei para eles darem um
título só com a palavra ciúme.
(Nota: a crise com o técnico Aykut Kocaman começou com a decisão de colocar Alex no banco de reservas e, em seguida, nem relacioná-lo. A imprensa turca destacou que Kocaman temia que Alex o ultrapassasse na lista de artilheiros na história do clube)
Como conseguiu se controlar com esse assédio todo, de pensar "sou o Alex, mas não sou o
melhor do mundo"?
Eu sei que não sou o melhor do mundo. Não me vejo diferente de ninguém. Estou jogador de futebol e daqui a pouco não sou mais. E as derrotas me
ajudaram bastante. Perdi muito no início de carreira, no Coxa e no
Palmeiras. Deus me deu um dom que é jogar bola, mas isso não me faz melhor do
que um torcedor, um deputado e um gari. E também vivi a situação com a
Daiane. Ela era de uma condição social, e eu era de outra. No início do namoro a
gente enfrentou situações que eu achava ridículas e absurdas. Então fui vendo que não tem diferença. Você é o que a vida te
proporcionou ser. Vivo de uma maneira tranquila.
seleção e a copa de 2002
Tem algum rancor em relação à seleção brasileira?
Nenhuma. O Felipão, naquele momento, fez as escolhas dele. Foram boas escolhas
porque era uma safra muito boa, de bons jogadores. Eu olho para trás e me via - e
continuo me vendo - com condições de ter participado daquele Mundial. Fiquei mal,
claro. Mas hoje levo de maneira muito tranquila.
Foi uma surpresa a não convocação?
Sim, com certeza. Eu tinha absoluta certeza de que iria à Copa.
Deve ter sido difícil aceitar que estava fora.
Foi muito difícil, um negócio inexplicável. Demorou muito tempo para eu me
recuperar daquela situação. Conversei com muitas pessoas e até com o próprio
Felipão algumas vezes. Mas naquele momento, e uns dois anos depois, ainda
ficava pensando o que tinha acontecido. E em vários outros momentos fiz
vários questionamentos que são sem resposta, né? A resposta mais concreta que tenho do Felipão é que foi uma opção dele. Sei que poderia ter participado,
mas infelizmente não aconteceu.
Você está em paz com isso agora?
Muito. Sofri com isso até 2005, 2006. Achei que, como eu não
fui em 2002, meio que fechou uma porta para as seguintes. Se o
Felipão, que me conhecia, não me chamou, por que o Parreira ou o Dunga me
levaria? Mas hoje estou muito bem resolvido com isso. A partir de 2005,
2006, fiquei sossegado e entendi que o Felipe tinha as opções dele, foi
vitorioso, e o Brasil venceu muito bem. E aquela geração era muito boa. Vários
jogadores ficaram fora e eram espetaculares.
Foi difícil acompanhar aquela Copa?
Eu não acompanhei, porque os jogos eram de madrugada e, na época, a minha
esposa estava grávida e acabou perdendo o neném. Teve que fazer todo aquele
processo de curetagem, então eu estava muito envolvido nesse momento com ela. Eu vi 20 minutos do jogo contra a Inglaterra, por sinal
no momento que o Ronaldo faz a jogada e o Rivaldo marcou o gol. Depois vi os
jogos, acompanhei os gols, mas durante a Copa não assisti a nada.
Não foi uma decisão consciente de não querer assistir, então?
Não. Foi por causa da minha mulher. Se não fosse isso, eu teria acompanhado
na boa. Tenho amigos que torceram contra o Brasil na Copa deste ano, porque
o Felipão era o treinador. E vi os jogos na boa. Acho que passou.
Seus amigos têm mais rancor do que você, né?
Com certeza. Eu estava na Turquia, e o Palmeiras queria me contratar com o
Felipão como técnico. E os amigos me diziam o seguinte: "Aceita e, quando
ele vier para Curitiba, a gente pode ficar perto dele e dar uns cascudos" (risos). Tem muita gente que ainda não absorveu essa situação. Eu
absorvi bem. Estou no meio do futebol e sei bem como funciona. O Felipe tinha que
fazer as escolhas dele. É claro que me imaginava estar entre os 23, mas não
aconteceu. Já passou.
planos pós-aposentadoria
Vai querer um tempo para descansar depois de parar? Vai ser treinador?
Vou fazer um curso de treinador, mas isso não quer dizer que eu vá
virar treinador. Vou buscar as credenciais para ser.
O que acha que precisa fazer e que tempo levará para ter as
credenciais?
Quanto a tempo, não sei. Existe uma lei no Brasil, que é ridícula, que
me permite virar treinador em janeiro, só assinando meu nome no sindicato dos
treinadores. Eu não quero, mas poderia. Acho isso um absurdo. Eu ter
jogado tanto tempo não me credencia a ser treinador. Em nada. Só
vivi o lado de dentro, agora preciso viver o de fora.
Por tudo o que passou na Turquia, pensa em treinar algum dia o
Fenerbahçe?
Sim, com certeza. É possível. Já o Coritiba eu não quero treinar, não.
Qual a diferença?
Minha relação com o Coritiba acaba no jogo contra o Bahia. Não quero ter
mais nenhum tipo de relação profissional com o clube, nem ser dirigente ou
treinador. Posso até mudar de ideia mais na frente, mas hoje não quero. Essa relação de torcedor com o profissional dentro do campo é muito
confusa. É difícil distinguir e separar. Por isso, vou acompanhar o Coxa das
cadeiras, como torcedor, e apoiar quem estiver jogando.
Acha que na Turquia não haveria essa relação tão próxima?
Não, pois eu nunca torci para o Fener. Eu seria um funcionário normal, como
em qualquer outro lugar. Iria de peito aberto para tentar fazer algo dentro
daquilo que imagino. Mas, para isso, preciso virar treinador primeiro,
né? (risos)
Outra área do futebol te interessa?
Organizador, gerente, manager, seja qual for o nome, isso me
interessa. Acho que, falando aqui do Coritiba, o clube precisa montar uma filosofia, porque senão a cada fim de
temporada vamos estar discutindo a mesma coisa. Se a temporada foi boa, se
as contratações foram legais, por que não usamos o menino bom da base?
Esse tipo de situação me agrada. Mas não neste momento.
pingue-pongue
Qual o seu gol preferido?
Foi em Cruzeiro x Fluminense (em 2003). A gente já era campeão brasileiro e, nesse dia, a
diretoria do Cruzeiro fez uma festa muito legal, chamou os campeões de 1966 para
trocar a faixa. E eu troquei com o Dirceu Lopes. Então já fui para o jogo
superemocionado, porque eu tinha crescido ouvindo falar do Dirceu Lopes. Na
época, as pessoas falavam em Minas: "Você não foi para a Copa, e o Dirceu Lopes
também não." Isso acabou me aproximando dele. A jogada do gol foi muito difícil,
de controle difícil, muito próxima, e dificilmente eu faria um gol como aquele.
Então, para mim, esse foi o gol de execução mais difícil e o que me traz uma
satisfação muito grande. Fiz gols muito mais importantes, mas é meu
preferido.
E o jogo preferido?
É difícil escolher um. Mas, se tivesse que escolher, seria Palmeiras x River
Plate, na semifinal da Libertadores de 1999. Eu já vi esse jogo inteiro umas 10
vezes, da escalação ao momento final. É um jogo em que deu tudo certo, do início ao
fim. Eu errei pouquíssimo no jogo, fiz dois gols, participei de todas as
jogadas ofensivas do Palmeiras e deixei o Euller e os outros atacantes em condições para
fazer gols que deixariam até o jogo mais tranquilo (veja abaixo).
Um estádio?
Do Fener. Foi onde eu vivi as maiores atmosferas. Dificilmente joguei
com o estádio vazio. Jogos nevando, temperaturas baixas, e o povo sempre
participando. Públicos sempre incentivando, mesmo com o time mal. Foi uma
torcida que eu vi ganhar jogos. A gente mal no jogo, e os caras em cima,
empurrando. Você buscava força de algum lugar e acabava ganhando.
E um estádio no Brasil?
É difícil escolher pelo seguinte: era difícil nos
vencer no Palestra Itália, e o Mineirão todo de azul era um negócio absurdo em 2003. E o Couto
é a minha casa. Mesmo vivendo na maioria das vezes atmosferas difíceis, com
pouco público e com participação pequena, é a minha casa, onde eu cresci, onde
tudo aconteceu. Então, escolher um estádio no Brasil é realmente complicado.
Que amigos o futebol lhe deu?
Sou um felizardo, pois fiz alguns amigos por aí. O Mozart é muito amigo meu, o
Paulo Miranda também, Aristizábal, Arce, Roque Júnior, e tem muitos outros por
aí. Posso até estar sendo injusto e acabar esquecendo. Mas sempre
participei muito bem nos grupos. Mesmo quando tinha problema com alguém, eu
sempre resolvia com a pessoa. Então sempre fiz boas amizades. Por exemplo,
aqui no Coxa, o Júlio Cesar vai ser um cara que, acho, vai ser amigo para
sempre.
Há algum time que você gostaria de ter defendido e não defendeu?
Sim, mas não vou falar (risos). Senão... Mas tem um clube que eu gostaria
muito de ter jogado, mas infelizmente não aconteceu.
Por quê?
Porque eu gosto do clube, a torcida é legal, acho que é um clube
vencedor, sempre funciona.
É no Brasil?
Sim, no Brasil. Mas não aconteceu, paciência. Vou torcendo à distância
pelos amigos.
Que pergunta você não aguenta mais responder?
Entrevista de dia a dia é sempre a mesma coisa. Expectativa para o jogo de
domingo ou aquelas: por que o treinador está jogando com um atacante? Poxa,
pergunta para ele, não para mim (risos). Antigamente o cara vinha, sentava ali
atrás do gol para assistir ao treino e era mais fácil, porque você não dava
entrevista, você conversava. Com alguns, até virava amigo. Hoje, como tem
esse negócio da janela, da coletiva, não tem muito o que fazer. O repórter vai
perguntar a mesma coisa, o jogador vai fugir da resposta, e com o treinador
acontece a mesma coisa. Isso não vai me fazer falta (risos).
Olhando para trás, o que deixa para o futebol brasileiro?
Eu não deixo nada. Deixo a minha satisfação, meu respeito e
agradecimento. Devo tudo o que tenho ao futebol. Então meu agradecimento ao
futebol é eterno. O que eu ofereci para as pessoas? Isso é muito individual. Já encontrei palmeirense que acha que não joguei nada, e respeito. E tem
outros que acham que fui o maior jogador que eles viram na história do
Palmeiras. A questão maior que eu enfrento é aqui no Coritiba. Muitos falam que
sou ídolo do clube, aí vem outro que é antagônico e diz que nunca joguei nada aqui
no Coritiba. Então isso é muito individual.