Rio

Cerca de 17 mil homens, mais de um terço do efetivo da PM, só fazem atividades internas

Número de PMs envolvidos em serviços nos batalhões é maior que o do efetivo encarregado de patrulhar a capital: 15,5 mil

Cabine da PM no Elevado Paulo de Frontin: efetivo dentro de quartéis é maior que o da capital do estado
Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo
Cabine da PM no Elevado Paulo de Frontin: efetivo dentro de quartéis é maior que o da capital do estado Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo

RIO — Em um momento no qual o policiamento ostensivo é considerado fundamental para a redução de estatísticas de crimes como roubos a pedestres — que, nos dez primeiros meses deste ano, segundo o Instituto de Segurança Pública, subiram 36% em relação ao mesmo período de 2013, passando de 49.596 para 67.928 casos registrados —, a PM se vê diante de um problema: mais de um terço de sua tropa está fora das ruas. Hoje, a corporação conta com pouco mais de 48 mil homens. Desse total, 17 mil fazem serviços dentro de batalhões, incluindo o preparo de refeições para o chamado rancho, ou foram cedidos para outras instituições. O número de policiais envolvidos em atividades internas é maior que o do efetivo encarregado de patrulhar a capital do estado: 15,5 mil.

Para melhorar o policiamento, duas metas foram traçadas: aumentar o efetivo e reduzir drasticamente a quantidade de PMs que desempenham funções de apoio. Nesta terça-feira, durante uma cerimônia de premiação a batalhões e delegacias que cumpriram as metas estabelecidas para este ano, o governador Luiz Fernando Pezão disse que usará o cadastro de reserva do último concurso da Polícia Militar, realizado em agosto, para contratar 6 mil homens a partir de janeiro. Numa reportagem publicada pelo GLOBO no dia 2 deste mês, ele prometeu ampliar para 60 mil o efetivo da corporação até o fim de seu mandato, em 2018. Mas, enquanto a tropa não cresce, a ideia é remanejar quadros.

COMANDO QUER O FIM DO RANCHO

O coronel Íbis Silva Pereira, que vai comandar a PM até o mês que vem, quando será substituído pelo também coronel Alberto Pinheiro Neto, assumirá a chefia de gabinete com a missão de conduzir uma reforma na legislação da corporação. Ele defende a realização de um estudo para viabilizar o fim do rancho nos batalhões, e, assim, aumentar o efetivo nas ruas. A alimentação da tropa seria feita exclusivamente por meio de tíquetes-refeições. Hoje, a norma interna da Polícia Militar estabelece a obrigatoriedade do serviço de refeições dentro de quartéis.

O economista e professor Carlos Lessa, que tem estudado a questão há uma década e apresentado sugestões para a melhoria do policiamento ostensivo, aprova a ideia do comando:

— A PM do Rio tem um número excessivo de policiais desviados de serviços do patrulhamento. Ir às ruas deveria ser a atividade fim da tropa, uma prioridade. Uma de minhas sugestões é recontratar o profissional aposentado para exercer funções de retaguarda, cuidar do que chamo de atividade meio. Com isso, o policial militar da ativa, mais jovem, estaria liberado para trabalhar em áreas públicas.

Lessa tem estudos que apontam que cerca de 40% do efetivo da PM estão dentro dos quartéis, um percentual um pouco maior que o reconhecido pelo comando da corporação. Ele diz que o governo estadual divide igualmente as atividade meio e fim em seus gastos.

— Por que há um número excessivo de policiais em serviços de apoio? Seria extremamente importante a PM avaliar isso, encontrar uma resposta. Temos de saber os motivos que a levam a formar um policial que, no fim de tudo, bem treinado e qualificado, vai trabalhar numa atividade meio, que, geralmente, exige apenas conhecimentos técnicos. Deveria ser o contrário. A gestão da máquina é misteriosa, poderia ser mais transparente — afirma Lessa.

Para o antropólogo e professor da UFF Roberto Kant de Lima, coordenador do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (Ineac), há um fator que compromete a eficácia do policiamento ostensivo no Estado do Rio: o turno de trabalho dos PMs, que, segundo ele, é diferente de todas as outras polícias de países ocidentais.

— Quando comecei a fazer um trabalho de campo com a polícia dos Estados Unidos, a primeira pergunta que me fizeram foi sobre o horário de trabalho dos PMs daqui. Quando eu disse que o turno era de 24 horas trabalhadas por 72 de descanso, todos riram. Afirmaram que isso é impossível numa força de segurança profissional. Lá, assim como em todos os países europeus, policiais têm jornadas de oito a 12 horas, no máximo — destaca o antropólogo.

Kant de Lima também apoia a redução do número de PMs lotados em funções de apoio ou cedidos a outras instituições. Mas faz um alerta:

— Mais relevante do que saber quantos policiais ativos a corporação tem, é descobrir se eles são integralmente dedicados à sua profissão ou se a combinam com atividades que interferem em seu desempenho, que provocam conflitos de interesse e de hierarquia. Institucionalizar o chamado bico é um erro, “desprofissionaliza” nossa polícia.

O sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, diz que, quando há uma crise na área de segurança pública, o governo opta por uma política de visibilidade, aumentando a presença policial nas ruas. Porém, segundo ele, a solução contra violência exige planejamento e tempo.

— A atividade meio também é necessária, assim como a cessão de PMs para outras instituições. Mas várias das melhores polícias do mundo optaram por contratar servidores que não são policiais para as atividades meio, o que amplia a capacidade de atuação da tropa. Mas esse é um processo lento de substituição, que não pode ser confundido com a aparente solução mágica de tentar contornar as crises enviando todos os policiais para rua até a situação se acalmar — frisa o sociólogo.