"Run, run, nigger, run" (“corra, corra, negro, corra”)
é parte de uma hostil canção supostamente escrita no longínquo ano de 1851 e
tomou as telas do cinema no premiado e marcante “12 anos de escravidão”. Após
164 anos, episódios de racismo correm pelo mundo, e o futebol não parece querer
deixar de ser cenário destes crimes. Recentemente, no metrô de Paris,
cidade-sede da equipe do PSG e palco de importante jogo pela Champions League,
torcedores do inglês Chelsea, ao impedirem um negro de entrar no vagão,
extrapolaram a rivalidade e adentraram o terreno do preconceito, reabrindo
ampla discussão sobre o que se fazer em casos assim e quais as consequências
desportivas.
Dentro de todo estádio de futebol, qualquer atitude
discriminatória, preconceituosa ou ultrajante do torcedor enseja severas
punições ao seu clube. É uma responsabilidade objetiva. O torcedor é seu? Logo,
a equipe de prática desportiva responde desportivamente. Simples assim. O
código disciplinar da Fifa editou a norma que é integralmente extensiva ao
Brasil. Apesar de alguns dirigentes negarem, por conveniência, a máxima, ela
vige e em todas as competições nacionais se aplica: os clubes, sejam mandantes,
visitantes ou em campos neutros, são responsáveis por toda e qualquer conduta
imprópria do seu respectivo grupo de torcedores.
E quais as penas?
Aqui, a prática destes atos discriminatórios por parte da
torcida resulta, para o clube, em multa severa, dedução de três pontos (além da
perda dos pontos eventualmente obtidos na partida) ou eliminação. Caso se
considere o distúrbio grave, e esta análise cabe ao tribunal desportivo, pode
haver também perda do mando de campo e portões fechados.
Na Europa, e isto vem sendo rotineira e lamentavelmente
presenciado, as penas costumam ser de multas mais pesadas, mas proporcionais ao
valor do euro em relação ao real, e portões (parcialmente ou totalmente)
fechados aos torcedores, em um claro exemplo de justos pagando pelos pecadores.
A dedução de pontos, embora constante no rol de sanções do
código mundial regente no futebol, não foi adotada nos recentes casos, ou seja,
a previsão está lá, mas parece tão somente esquentar um valioso banco de
reservas de punições. Está ou não na hora de ser efetivamente escalada como
titular? Sem dúvida que sim.
A Uefa insiste em propagandear a adoção da intolerância para
atos de violência e racismo em seus luxuosos jogos, mas eles permanecem
acontecendo. Ora com bananas infláveis na arquibancada, ora com faixas e
mosaicos ofensivos, ora com cânticos comuns em selvas ou guerras medievais, ora
com manifestações que já não deveriam caber, mesmo no Brasil Colônia ou
Imperial de 1889. O que fazer?
"Lei Áurea" no futebol precisa ser reescrita
E se pode ser difícil controlar ações de alguns animais
irracionais que ainda têm assento em estádios de futebol, não se pode aceitar
permissividade dos clubes. Estes, sim, deveriam agir com igual força
costumeiramente empregada quando seu elenco é massacrado dentro de casa
impiedosamente e eliminado de certames. Atitudes fortes e choques no plantel não
são tomadas em adversidades?
Comportamentos racistas de torcedores nada mais são que
derrotas humilhantes dos clubes.
Abaixo às covardes justificativas-padrão de “não posso ter
ingerência na educação do meu torcedor”, “não tenho responsabilidade sobre o
que ele pensa”, “não posso ser punido por atitudes isoladas de um grupo
minoritário” ou “isto é histórico e cultural dentro do futebol”. Atenção, donos
dos mantos sagrados, este papel social também é seu!
O torcedor é aliado essencial e patrimônio do clube quando
torce e apoia na crise, mas, quando age inadequadamente, é inimigo desconhecido
e desprezível. A via tem de ser de mão dupla. Corporativismo é combustível para
estas insanidades. Inércia das instituições representa omissão travestida de
aceitação e subserviência.
Clube: pense com outro viés. Exija respeito em suas praças
de desporto e fora delas. Discipline seus manipuláveis torcedores. Cadastre-os.
Filme-os. Exija responsabilização.
Metrôs e campos de futebol não são palcos para estas
atrocidades e, se elas ocorrerem, saibam para onde caminhar, ainda que o
caminho seja a punição ao aficionado, como fez o Chelsea (longe de seus
domínios e sem responsabilidade desportiva no episódio) ao identificar três
criminosos e os banir de entrar em seus jogos. É o mínimo, mas faz diferença e
serve de paradigma.
O pranto deve ser para comemorar gols e títulos, não para
fenecer na ilusão e esperança de uma vítima de racismo, que ainda vive
enclausurada mesmo com a passagem dos séculos e evolução das leis. Deixemos os
filmes retratarem passados tristes e reescrevamos os roteiros para que os
próximos anos – muito mais que 12 – sejam de libertação no futebol.
Com a mente no mundo jurídico, o olhar voltado para a arte do futebol, Paulo Bracks escreve sobre o resultado dessa junção. Críticas de um telespectador, de um comentarista de rádio, de um advogado, de um ex-auditor do STJD, de um professor, tudo isso em um só espaço e com um só desejo: levar ao leitor do GloboEsporte.com uma opinião sobre regulamentos, estatutos, códigos, normas do futebol, tudo o que circunda o campo deste esporte quase cinematográfico, e o das leis, com a sutileza para um leigo se tornar um expert. Afinal, futebol é uma sétima arte, uma aula a cada jogo!