Economia

Quem é e como vive a classe média citada por Eike Batista

Para analistas, debate mostra como é difícil classificar estratos sociais no país
Muito unidos. Personagens da série “A grande família”: rotina da classe média na TV Foto: Gustavo Stephan / Gustavo Stephan/22-8-2014
Muito unidos. Personagens da série “A grande família”: rotina da classe média na TV Foto: Gustavo Stephan / Gustavo Stephan/22-8-2014

RIO - Classe média e Eike Batista. A combinação dos dois assuntos levou o nome do empresário a figurar entre os assuntos mais comentados do Twitter na última quinta-feira. Na véspera, ele declarou ao GLOBO ter sido educado como um jovem de classe média. E que não se perde isso. Também fez declarações à “Folha de S. Paulo” sobre nascer na classe média, voltar a isso e a família sofrer um baque.

Desde que Eike decidiu romper o silêncio, as redes sociais foram tomadas por uma onda de sugestões bem-humoradas para o empresário. As propostas indicavam como o homem que, em 2012, chegou ao posto de mais rico do Brasil e oitavo no mundo, segundo índice de bilionários da Bloomberg, poderia se adaptar ao padrão dessa categoria de renda. As ideias vão desde usar programa de milhagem para retirar passagem aérea, comprar pacotes turísticos parcelados em dez vezes, ter celular pré-pago ou até juntar os parentes sob o mesmo teto, como no recém-aposentado “A grande família”. O seriado ganhou fama como um retrato divertido da classe média brasileira.

Brincadeiras à parte, a avalanche de piadas que chegou às redes sociais pode ter sido motivada pela grande distância que existe entre o padrão de vida de Eike e o da crescente classe média do país.

— Parece haver um constrangimento em se assumir como rico no Brasil. Rico, aqui, é sempre o outro. Isso tem a ver com a desigualdade de renda no país, além do histórico escravocrata e a forte influência do catolicismo — diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, especializado em pesquisas sobre as classes C, D e E.

O conceito de classe média no país não é único. Ele varia conforme os critérios de avaliação usados pela entidade que se dedica a fazer a classificação econômica da população.

O Data Popular estabelece cinco. A classe média é o recheio desse sanduíche social, no qual a renda familiar média varia entre R$ 1.792 e R$ 3.273. A fatia do pão que fica na base é bem esmirrada: na classe E (extremamente pobre) a renda da família é de apenas R$ 264. Do outro lado, na A (alta classe alta), de R$ 15.111. Daí para cima, o céu é o limite.

São os mesmos parâmetros da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do IBGE, para valores de maio deste ano. É com base neles que o governo afirma que a maioria da população do país pertence à classe média.

O Critério Brasil é outra classificação disponível. Elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), funciona como ferramenta para a indústria de propaganda e marketing. O sistema organiza os domicílios de acordo com o potencial de consumo. No que se refere à renda, inclui na classe média as famílias com renda mensal de R$ 1.484 a R$ 9.897. Casas que ultrapassam esse valor estão entre os privilegiados da classe A.

— Em 2015, haverá uma atualização do modelo de classificação, para adequar a pesquisa a mudanças na economia pelas quais o país vem passando. O perfil de cada classe depende da combinação de uma série de variáveis — conta Luis Pilli, coordenador do comitê do novo Critério Brasil.

Ele explica que a queda momentânea na renda de uma casa não implica necessariamente em mudança de classe social. A família mantém o mesmo padrão de vida, ao menos por algum tempo. É o caso de alguém que perde o emprego, mas consegue cobrir suas despesas usando recursos próprios.

MAIS QUE DINHEIRO, CAPITAL CULTURAL

Para os sociólogos, como Jessé de Souza, que há mais de 20 anos se dedica ao estudo das classes sociais, a divisão não pode ser feita apenas com base em critérios de renda ou posse de bens. Na visão dele, além dos fatores econômicos, as classes sociais também são caracterizadas pelos capitais cultural (educação formal, além daquela herdada dos hábitos da família) e social, onde se incluem os benefícios resultantes das relações pessoais. Para Souza, mais do que dinheiro, o que caracteriza principalmente a classe média é seu capital cultural, o saber valorizado como via para garantir acesso a bons empregos e salários. Já para a classe alta, o capital econômico seria o mais importante, ainda que os critérios culturais e sociais sejam relevantes.

Pelas contas do Data Popular, na alta classe A estão empresários, profissionais liberais e executivos. Entram nesse grupo de professores universitários a bilionários. Renato Meirelles conta que, como ficou difícil classificar os super ricos, pois estão muito acima do patamar de renda definido, já se fala em classe “A gargalhada”. É uma espécie de brincadeira com a classe AAA, pronunciando-se o “triple A” como uma risada.

Na última década, as classes alta e média registraram expansão, enquanto a baixa vem diminuindo. Nesse período, a fatia top cresceu de 13% para 23% da população do país, com quase 47 milhões de pessoas. Na robusta classe média, o salto foi de 40% para 56%, batendo 114 milhões este ano.

— Na nova classe média, que aumentou pela maior oferta de trabalho no país, as pessoas declaram ter evoluído por esforço próprio. Fazer referência a esse valor do trabalho pode ter o efeito de aproximação com as pessoas — avalia o presidente do Data Popular.

É justamente esse foco na capacidade de trabalho a explicação de Eike sobre sua menção à classe média. Anteontem, após o silêncio digital de quase um ano, o criador do grupo X voltou a tuitar. Usou a mesma rede social inundada por postagens com hashtags como #EikeBatistaClasseMédia para se defender. Esclareceu que referia-se à capacidade da classe média de adaptar-se a situações adversas. “Não foi analogia com minha atual situação financeira... Falava da origem da minha família e dos desafios que tenho enfrentado, querendo dizer que não temo voltar a ela”, postou o empresário.

Na véspera, ele anunciara contar atualmente com patrimônio líquido negativo de US$ 1 bilhão.