Rio Bairros

Moradores removidos da Vila Autódromo revelam medo de favelização de novo condomínio

Eles alegam que há consumo de drogas nos corredores do Parque Carioca e relatam conflitos com funcionários da prefeitura

RIO — Há cerca de sete meses, mais de 200 famílias vivem de forma diferente em Jacarepaguá. Muitos, pela primeira vez, moram em apartamentos. Pela primeira vez, são responsáveis pela manutenção do espaço onde vivem. Pela primeira vez, enfrentam a burocracia dos órgãos públicos. E, pela primeira vez, precisam se organizar para evitar o pior: que o condomínio no qual agora estão, o Parque Carioca, na Estrada dos Bandeirantes, se torne uma favela como o local de onde saíram, a Vila Autódromo. Este medo foi externado por todos os moradores entrevistados pela reportagem do GLOBO-Barra em dois dias de visita ao conjunto.


Três blocos. O Parque Carioca tem ao todo 900 apartamentos, dos quais 342 estão ocupados por ex-moradores da Vila Autódromo
Foto: Fernanda Dias / Agência O Globo
Três blocos. O Parque Carioca tem ao todo 900 apartamentos, dos quais 342 estão ocupados por ex-moradores da Vila Autódromo Foto: Fernanda Dias / Agência O Globo

— Já temos moradores usando drogas nos corredores. É um espaço bonito, mas não está sendo bem administrado — diz a cabeleireira Vanessa Gomes Barroso, uma das primeiras a se mudar para o Parque Carioca.

A preocupação é compartilhada por Cleuza Gonçalves.

— O problema é que havia famílias em condições muito precárias na Vila Autódromo, que vieram para cá e agora não têm condições de manter um ambiente digno de moradia — conta ela.

O Parque Carioca tem seus 900 apartamentos divididos em três blocos. Inicialmente, 204 famílias da Vila Autódromo cujas residências ficavam no caminho da dragagem do Rio Pavuninha e da duplicação das avenidas Salvador Allende e Abelardo Bueno se mudaram para lá. Mais tarde, outros moradores daquela comunidade quiseram seguir o mesmo caminho. Hoje, 342 unidades estão ocupadas.

Numa delas mora Felipe da Silva, com a mulher e a filha de 2 anos, Isabella. O quarto da pequena já está pintado e decorado. Agora, ela se ajusta à falta de um quintal.

— No início, ficamos com receio, porque nunca tínhamos morado em apartamento. Perdemos um quintal, mas aqui é melhor — avalia Felipe.

Ele espera que a falta de uma área aberta possa ser compensada pela piscina do conjunto, uma novidade para quem morava em um local que sofria com problemas básicos como falta de água e de luz. Isabella, porém, terá que esperar. O pai diz que ela ainda é muito pequena para frequentar o espaço.

Enquanto observava um grupo de crianças na piscina, a cantora gospel Jaqueline Dantas, por sua vez, já fazia planos:

— É um privilégio para estas crianças viver em condomínio. Vai ser muito bom quando eu tiver filhos.

Ainda há muito por fazer. A taxa de condomínio não começou a ser cobrada, e as regras não foram estabelecidas. Sem isso, pouco pode ser feito pelos moradores para afastar o medo da favelização.

Felipe da Silva com a filha no Parque Carioca Foto: Eduardo Naddar / Agência O Globo
Felipe da Silva com a filha no Parque Carioca Foto: Eduardo Naddar / Agência O Globo

Quando há problemas, eles precisam ser resolvidos por funcionários da Secretaria municipal de Habitação que passam o dia no local. Mas o relacionamento entre o poder público e os moradores não é livre de atritos. Durante a visita da equipe do GLOBO-Barra a um dos apartamentos, uma funcionária da secretaria foi ao local e anotou o nome de moradores e visitantes “para passar aos superiores”, afirmando ser procedimento padrão. A abordagem foi encarada pelos moradores como uma tentativa de intimidação, o que gerou um bate-boca. Outra funcionária tentou impedir fotos.

Em nota, a secretaria informou que a presença de funcionários tem por objetivo manter a ordem no local, bem como ajudar os moradores a resolverem questões do próprio condomínio. Ela ressaltou porém que não é padrão a abordagem de visitantes dentro da casa dos moradores. “A secretaria vai identificar a funcionária que tomou esta atitude e orientá-la, pois este tipo de problema não deve acontecer.”

ATRITOS E BUROCRACIA NO NOVO LAR

Uma das principais reclamações dos moradores é a falta de CNPJ e de uma convenção para o condomínio. Por falta de orientação, dizem, eles ainda não fizeram o primeiro. Já a convenção deve sair em breve. Segundo a Caixa Econômica Federal, o documento já está no Registro Geral de Imóveis e vai ser submetido aos moradores. Enquanto isso, os síndicos se viram como podem para manter a ordem. Atualmente, trabalham mais como diplomatas que como administradores. Responsável pelo bloco 3, Luziney Garcia de Alencar diz que vive de “dar jeitinhos”.

— Como não temos nem convenção de condomínio, não dá para repreender as pessoas. Se tem som alto, só posso conversar e pedir para baixarem — exemplifica.

O síndico Luziney Garcia recorre a diplomacia para lidar com problemas Foto: Eduardo Naddar / Agência O Globo
O síndico Luziney Garcia recorre a diplomacia para lidar com problemas Foto: Eduardo Naddar / Agência O Globo

Numa das visitas do GLOBO-Barra, Garcia lidava com um problema incomum para quem até então morava em área sem asfaltamento. Na via principal do condomínio, operários da GEO-Rio faziam um quebra-mola, o terceiro da rua. A intervenção é bem-vinda, uma vez que muitas crianças circulam pela via. O problema era que os dois primeiros, já finalizados, haviam ficado altos demais:

— Os carros estão raspando neles. Pedi aos operários para fazerem o conserto, mas eles disseram que eu precisava falar com o responsável pela obra. Só que se recusaram a dar os contatos ou o nome dele — conta Garcia, que precisou recorrer a uma funcionária da Secretaria de Habitação para solucionar o problema.

A indefinição a respeito de quem é responsável pelo quê é outro problema. O ajudante de pedreiro Edcarlos de Souza Carneiro reclama de problemas nos campos de futebol e do estado dos brinquedos dos parquinhos, usados por seu filho de 2 anos:

— Não dá para ter um campo em um chão desnivelado. E o parquinho também já está todo quebrado. Reclamei e não aconteceu nada.

O caso do parquinho é ilustrativo. Edcarlos não sabe, mas sua manutenção é de responsabilidade dos moradores. No caso dos campos de futebol, porém, houve vício construtivo, que será sanado pela empresa que o fez, informa a Secretaria de Habitação. A construtora também cobrirá os campos com redes, um pleito dos moradores.

Há quem reclame ainda do que seriam promessas não cumpridas pela prefeitura. Muitos se queixam porque entregaram suas casas na Vila Autódromo, mas não receberam um título de propriedade das novas residências. A obtenção dos títulos não vai ocorrer tão cedo: diferentemente de outros condomínios do Minha Casa, Minha Vida, os apartamentos do Parque Carioca foram dados aos moradores. A prefeitura pagará as unidades à Caixa em 120 parcelas mensais, e só ao fim do processo os proprietários poderão dispor dos imóveis como bem entenderem.

Sem o título, a cabeleireira Vanessa Gomes não pode alugar nem vender seu apartamento, como pretendia fazer dentro de alguns anos.

— Achei que poderíamos fazer o que quiséssemos com o apartamento. Agora estamos presos aqui por dez anos. Por enquanto está bom, mas tenho medo de que isso se torne uma segunda Cidade de Deus.

A princípio, os funcionários da Secretaria de Habitação ficarão no Parque Carioca por um ano, como é de praxe no caso de novos conjuntos. Mas, se necessário, este prazo se estenderá.