Opinião

Falta a crise da água na agenda do poder público

Desabastecimento em São Paulo e aumento do estresse energético são tratados pelo viés político, e não por seus aspectos técnicos. Quem paga o preço é a população

A crise no abastecimento de água em São Paulo, e no Sudeste, está atingindo seu ponto mais crítico desde o início desse ciclo de seca, no verão do ano passado. Os reservatórios da Cantareira, que abastecem a capital paulista, envolvendo diretamente um universo de 9 milhões de pessoas, está operando com seu nível mais baixo, apenas 3,3% da capacidade. Para evitar o colapso, o governador Geraldo Alckmin já admite usar uma terceira reserva técnica, caso não chova o necessário nos próximos dias. Pesquisa do Datafolha estima que 60% dos moradores da capital enfrentaram, com maior ou menor intensidade, algum nível de desabastecimento nos últimos 30 dias.

Em tudo, é um quadro assustador, mas não inesperado. Para formá-lo, juntaram-se fatores climáticos e inépcia administrativa. No primeiro caso, as chuvas escassas do verão passado, que não alimentaram suficientemente o conjunto de represas da Cantareira. No segundo, o governo paulista não adotou medidas preventivas para evitar o desabastecimento, praticamente inevitável diante da escassez de água nas cabeceiras que abastecem o sistema.

Tendo esse conjunto de fatores conduzido ao estresse atual, é inaceitável que o problema da água, tanto no caso pontual de São Paulo, como em geral no país, não tenha ainda entrado a sério na agenda do poder público brasileiro. Sequer neste período eleitoral. No primeiro turno, o tucano Alckmin desviou-se da discussão sobre a crise, preocupado com cobranças feitas dos palanques. Para o PT, o tema, no primeiro turno, também era perigoso. Preocupado com a reeleição de Dilma, o PT incorreu também em silêncio oportunista, procurando evitar o risco de respingos da crise paulista trazerem ao debate o desastre que tem sido a gestão do governo federal na questão energética, reflexo do mal aproveitamento dos recursos hídricos. Racionalizar o consumo também virou expressão maldita. Longe do foco, no máximo tucanos e petistas trocam acusações mútuas, nada que contribua para superar impasses.

A leniência, no entanto, não oculta o problema. Historicamente associada a flagelos no Nordeste, a seca hoje é uma ameaça à população de estados em que a água sempre foi tratada como recurso inesgotável. A temerária resistência a adotar um programa energético realista — construção de hidrelétricas com reservatórios e ampliação do parque de geração nuclear — impõe agora o preço de o país, diante do risco de um colapso de energia, ter de recorrer a fonte sujas, como as termelétricas, para preservar os níveis necessários de abastecimento. Como já acontece.

A água não tem sido tratada como bem vital pelo poder público. Agora, a escassez aguda ajuda a desfazer a crença, de resto enganosa, mas enraizada na cultura do país, de que se trata de elemento inesgotável no Brasil. Que se resolvam as questões tópicas, por inadiáveis, mas é crucial que esta tema, por estratégico, passe a ser tratado com a devida seriedade, com políticas de longo prazo.