SÃO PAULO - Na manhã seguinte após um incêndio de grandes proporções atingir a comunidade do Buraco Quente, no Campo Belo, Zona Sul da Capital paulista, os sentimentos de desolação e revolta predominam entre os moradores do local por conta da falta d’água nos hidrantes e da demora na chegada dos bombeiros. O fogo, que começou por volta da 21 horas do domingo, consumiu as casas de aproximadamente 500 famílias. Três vítimas foram encaminhadas ao hospital - uma com queimaduras leves, outra com intoxicação por conta da fumaça inalada e a última acometida por crise nervosa.
A ajudante geral Conceição Farias, que mora na comunidade desde 1999 com o marido e o filho, passou a noite ao relento com o que pôde salvar de seus pertences.
— Não estava na comunidade quando começou o incêndio. Meu marido me ligou por volta das sete da noite e vim correndo pra cá tentar ajudar a tirar alguma coisa.
Esse não é o primeiro incêndio de Conceição, mas é a primeira vez que sua residência foi afetada diretamente.
— Só deu tempo de salvar isso que você está vendo. O pessoal comenta que tudo começou por causa de uma gambiarra elétrica.
Sobre a causa do incêndio, segundo o pastor Marcio Lima, foi a explosão de uma panela de pressão que deu início a tudo.
— Estou aqui há 10 anos e esse é o quarto incêndio que presencio. Escutei do povo aí de dentro que foi uma panela de pressão que explodiu.
Ainda segundo Lima, a grande dificuldade enfrentada pelos moradores nesse incêndio foi a demora do Corpo de Bombeiros.
— Primeiro chegou a polícia militar retirando todo mundo. São 2.500 moradias, uma em cima da outra. O fogo se alastra rápido, pois a maioria das casas é de madeira.
Rivaldo Sousa, morador da comunidade há 23 anos, também confirma a demora dos bombeiros.
— Contei no relógio 55 minutos desde o início do incêndio até a chegada dos bombeiros. A população queria apagar, mas a polícia militar não deixou. Os três hidrantes que existem não tinham água.
O responsável pela operação, capitão Brancalhão, confirma que os hidrantes públicos estavam sem água.
— Acreditamos que é por culpa da falta d'água, mas entramos em contato com a Sabesp, que fez uma manobra hídrica para resolver a situação.
Brancalhão ainda ressaltou que a corporação não conseguiu entrar na comunidade no início do incêndio, por conta do tráfico de drogas.
— Os homens foram obrigados a recuar, pois havia gente armada impedindo a nossa entrada. A população não percebeu isso por conta do tumulto.
Todavia essa situação, para o morador Rivaldo Sousa, não existiu e não tem cabimento.
— O tráfico foi o primeiro a sair da comunidade. Eles não querem problemas com a gente. Isso não existiu aqui.
Ainda segundo o oficial do Corpo de Bombeiros, o fogo atingiu uma área de aproximadamente quatro mil metros quadrados. No momento, a situação se encontra sob controle.
— Trabalhamos no rescaldo agora, com uma varredura para identificar possíveis focos de incêndio que porventura ainda persistam.
Gerôncio Neto, presidente do Conselho Gestor da Operação Águas Espraiadas e morador de uma antiga comunidade do jardim Edite, também na região, esteve no local para saber como estavam os moradores.
— Estou muito triste com essa situação. Há R$ 2,3 bilhões para remover os barracos e construir moradia na região.
De acordo com Neto, apenas 530 unidades foram erguidas até o momento, de um total de 1.800 prometidas.
— Aqui na região o metro quadrado vale cerca de R$ 8 mil e as construtoras estão de olho nisso.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo “informa que, em momento algum, faltou água para o combate ao fogo.” Entretanto, esclarece “que houve um problema operacional em um dos hidrantes.” Sobre a demora para chegar ao local do incêndio, relatada por moradores, o texto diz “que a primeira viatura a chegar à favela às 21h04 (quatro minutos após o acionamento) teve dificuldades para agir porque foi recebida por pedradas e tiros disparados por marginais que vivem na comunidade”.