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Meteorologistas buscam desvendar motivo que faz deste janeiro o mais quente e seco desde 1917

Mudanças climáticas globais podem estar por trás dos recordes de calor e da falta de chuva
Origem do calor infernal Foto: Editoria de Arte
Origem do calor infernal Foto: Editoria de Arte

RIO Ninguém se atreve a cravar uma só causa. Mas o tempo mudou. Quente o verão do Rio sempre foi. Mas agora é tórrido. E seco, o que não era. Em 2014, a estação já havia sido assim. Mas este ano as sensações térmicas têm beirado os 50 graus com frequência, e a pluviosidade está 87% abaixo da média de janeiro. Pela primeira vez, climatologistas admitem que mudanças climáticas globais podem estar por trás dos recordes de calor e da falta de chuva, no janeiro mais hostil para os cariocas desde o início das medições, em 1917. Até agora, o índice médio é de 36,8 graus Celsius, superando o recorde anterior: 36,2 graus, em 2010. Segundo o Climatempo, fevereiro deverá ser ainda mais quente, devido à pouca nebulosidade e ao aumento da exposição ao sol.

O meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Manoel Gan explica que três fatores estão por trás deste janeiro radical. O primeiro é um bloqueio — em linhas bem gerais, uma massa de ar — no Pacífico Sul, que desvia os ventos atmosféricos para longe do Sudeste bem na altura do Rio de Janeiro. Adeus, frentes frias.

O segundo é uma mudança vinda da Amazônia. Jatos de vento amazônicos de alta velocidade carregados de umidade se desviaram do Sudeste e foram para o Sul do Paraguai. Esses rios voadores chovem agora sobre o Sul do Brasil.

O terceiro elemento é o chamado Vórtice de Altos Níveis do Atlântico, um aquecedor de ar e detonador de nuvens. Costuma se formar perto do Nordeste, mas se deslocou mais para o Sul na altura do Norte do Rio. Agradeça a ele quando sentir muito calor. É também o assassino das chuvas de verão de fim de dia, que ajudam a amenizar a temperatura.

Estacionado sobre o Atlântico Sul, ele influencia a temperatura de todo litoral nordestino, além do Espírito Santo e do Rio. É uma zona menor do que a do ano passado, que estava mais próxima da costa e elevou os termômetros até na Região Sul. Embora esteja mais “tímida”, porém, o estrago é visível, principalmente no Rio. A umidade carioca está mais alta do que no ano passado, contribuindo para elevar a sensação térmica.

— No ano passado, um sistema de alta pressão no Atlântico Sul, que normalmente se posiciona sobre o Nordeste, expandiu-se sobre o Sudeste e o Sul — descreve Augusto José Pereira Filho, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP. — Essa formação dificulta o deslocamento das frentes frias. Além disso, o céu está claro. Só temos nuvens em alta altitude, e elas impedem a saída da radiação infravermelha do planeta.

ESTE ANO, SÓ TRÊS DIAS DE CHUVA NO RIO

Meteorologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi concorda que o fenômeno sobre a atmosfera tem as mesmas características do observado em 2014, embora com menor intensidade.

— Desta vez, a área de alta pressão permite a ocorrência de algumas pancadas isoladas, especialmente em São Paulo, o que não ocorreu no ano passado — lembra. — Apesar disso, esse sistema inibe as chuvas no mês mais chuvoso, janeiro.

Gan diz que, como os modelos matemáticos indicam enfraquecimento desses fenômenos atmosféricos, principalmente no Pacífico, o Rio pode ter chuvas esta semana, mas em pouco volume e incapazes de atenuar a alta temperatura. A cidade permanece seca até o início de fevereiro, de acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe). Em janeiro, só houve três dias com chuva. A estiagem pode ser mais grave que a de 2014, quando choveu em 16 dias no verão da capital fluminense — normalmente são 40.

— Praticamente metade da estação chuvosa se foi — lamenta Seluchi. — Não temos como prever como serão fevereiro, março e abril no Sudeste. O mais provável é que o verão deste ano termine com déficit de precipitações, como o de 2014.

Segundo Seluchi, o ano passado é um exemplo de que o Rio já convive com eventos extremos, um sinal de que mudanças climáticas associadas ao aquecimento global são uma realidade.

— No ano passado tivemos um verão extremo, com chuvas abaixo do normal e temperaturas superiores à média histórica. Vários recordes foram quebrados — ressalta o meteorologista. — A estação chuvosa entre 2013 e 2014 foi a pior em 50 anos. Veremos como 2015 vai acabar.

Mesmo que este verão não supere o cenário tenebroso de 2014, os recordes de calor e estiagem podem ser batidos em pouco tempo. Em seu relatório final, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) assegurou que eventos extremos serão registrados com cada vez mais frequência.

— Sempre é muito difícil dizer se um episódio particular está relacionado com o aquecimento global, mas o aumento da sua frequência certamente tem esta ligação — conta Seluchi.

O meteorologista José Marengo, também do Cemaden, acrescenta:

— Eventos extremos de dias de duração, seja de períodos secos ou com grande volume de chuvas, podem ficar mais intensos. Desde 1950 isso tem ocorrido, e os modelos do IPCC mostram que o fenômeno pode ir até 2100.

Divulgado no fim de 2014, o último relatório do IPCC mostra que as emissões de gases-estufa estão crescendo 2,2% por ano, muito acima da média registrada de 1970 a 2000, de 1,3%.

— Vale destacar que o relatório liberado na semana passada pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês) mostrou o ano passado como o mais quente já registrado, mesmo sem uma forte influência do El Niño, que aqueceria as águas do Oceano Pacífico — destaca André Nahur, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. — E também há outros fatores, como a mudança no uso do solo, causada pelo desmatamento, e as ilhas de calor nos grandes centros urbanos, reforçadas pela falta de planejamento urbano.

O oceanógrafo Heitor Tozzi também cita o desmatamento:

— As florestas brasileiras têm alto poder de absorção de umidade, abastecendo nuvens e aumentando as precipitações. Com o desmatamento, esse poder foi diminuído, enfraquecendo o corredor de umidade do Amazonas para o Sul.