Cultura

Ameaçado de despejo, Museu da Maré mobiliza comunidade

Diretores da instituição pedem apoio do governo para negociar com dono do imóvel

Museu da Maré
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Divulgação
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Naldinho Lourenço
Museu da Maré Foto: Divulgação / Naldinho Lourenço

RIO — O Museu da Maré corre o risco de ser despejado em três meses. O sinal de alerta veio em junho, conforme noticiado pelo GLOBO no fim de agosto, e foi confirmado com uma notificação oficial na semana passada. Primeira instituição museológica criada em uma favela, e destinada à memória da comunidade, ela ocupa há oito anos dois galpões na Avenida Guilherme Maxwell (uma das vias de acesso ao Complexo da Maré), graças a um contrato de comodato com uma empresa de transporte marítimo.

Os gestores do museu foram pegos de surpresa. Agora, tentam sensibilizar esferas públicas e privadas e levar os diretores da Companhia Paulista de Comércio Marítimo, do grupo Libra S/A, a repensar a decisão — procurada pelo GLOBO, a empresa não retornou aos pedidos de entrevista. Enquanto isso, os responsáveis pelo museu organizam um abaixo-assinado e preparam vasta programação para esta semana: visitas guiadas, encontros com representantes de universidades, um “tuitaço” com a hashtag #sosmuseudamare e até o bordado colaborativo de uma “colcha de memórias”, com participação dos visitantes.

A instituição tornou-se um espaço de convivência na comunidade, por onde passam no mínimo 300 pessoas por semana, entre visitantes e alunos de oficinas, e conta no momento com projetos com patrocínio ou em parceria com a Secretaria do Estado de Ambiente, o Programa Petrobras Cultural, a Uerj e a concessionária da Linha Amarela (LAMSA).

— Sempre tivemos uma ótima relação com a empresa proprietária dos galpões. Conhecemos a diretora Celina (Torrealba) em 2002, e foi dela a iniciativa de oferecer a parceria, após conhecer o nosso projeto de memória do Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré) . Assinamos o contrato em 2003, e o museu foi aberto em 2006 — explica Claudia Rose Ribeiro, uma das fundadoras do Ceasm e do museu, lembrando que a executiva esteve na inauguração do espaço.

REFERÊNCIA PARA ESTRANGEIROS

O contrato de comodato inicial tinha duração de dez anos e cláusulas que apontavam tanto a possibilidade de renovação quanto a de rescisão. Em 2013 não houve sinalização de mudança de rumos, e, em maio deste ano, um funcionário da empresa visitou o museu, sem emitir qualquer comentário sobre a possibilidade de despejo. Em seguida, ligou para a instituição pedindo que seus diretores entrassem com um pedido de isenção do IPTU — de acordo com Claudia, a empresa brigava na Justiça com a Prefeitura para não pagar um acréscimo no imposto, referente a uma área construída no terreno antes do comodato.

Mas, antes que pudesse mandar o pedido de isenção, Claudia recebeu uma nova ligação, em junho, comunicando a intenção de rescindir o contrato. Desde então, a empresa só se comunica por meio de advogados.

— Queremos uma negociação. Não estão levando em conta que durante oito anos um museu de nível internacional construiu uma história ali — observa Claudia.

Entidades das três instâncias de governo estão mobilizadas para buscar uma solução: o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em nível federal, a Superintendência de Museus do Estado e, por parte do município, o Instituto Pereira Passos (IPP) e o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

— O Rio tem cerca de 150 museus, mas, quando museólogos estrangeiros vêm à cidade, é o Museu da Maré que eles pedem para conhecer. No momento em que estamos construindo o Museu do Amanhã, uma instituição pioneira como essa não pode ficar no anteontem — diz o presidente do Ibram, Angelo Oswaldo, que tentou fazer um contato direto com a diretoria da empresa, sem sucesso. — A cessão foi feita quando a Maré estava baixa, agora que está alta por causa da instalação da UPP eles querem de volta. É uma decisão dentro da lei, mas é preciso ter espaço para dialogar.

POSSÍVEL TOMBAMENTO

Secretária de Cultura do estado, Adriana Rattes enxerga duas opções, se os proprietários não mudarem de ideia:

— É um belo projeto criado em um imóvel privado. Com essa decisão da empresa, ou a Prefeitura desapropria ou providencia a transferência para outro espaço. Só está fora de cogitação perder o museu, um projeto inovador e bem cuidado, que deu frutos semelhantes pelo país.

De fato, a Prefeitura trabalha em algumas frentes. Permuta de imóveis e mesmo a desapropriação não estão descartadas. Na última quinta-feira, o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro emitiu um parecer a favor do tombamento do acervo do museu — decisão que, agora, cabe ao prefeito Eduardo Paes.

— Temos algumas estratégias. Acreditamos que, apesar de dizer respeito apenas ao patrimônio imaterial, o tombamento possa favorecer a manutenção do museu no mesmo endereço — observa Luis Valverde, arquiteto e diretor de projetos especiais do IPP.