A diretoria da Faculdade de Medicina da USP tem até o início da semana que vem para divulgar para a Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos de São Paulo o valor repassado em verbas da faculdade para as entidades estudantis do curso de medicina. Segundo documento divulgado pelo MP-SP, na reunião realizada na noite de segunda-feira (24), a promotora de Justiça Paula de Figueiredo Silva deu sete dias para receber o valores de "todos os repasses de verbas formulados à Atlética, Centro Acadêmico e Show Medicina no último ano".
Segundo a ata da reunião, o diretor da FMUSP, José Otávio Costa Auler Jr., "reconhece os problemas existentes na faculdade e manifesta disposição em saná-los". Ele explicou que tanto a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (Aaaoc) quanto o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (Caoc) recebem "repasses pontuais de verbas da faculdade" e usam como sede espaços da USP sem pagamento de aluguel, mas que o Show da Medicina, um evento realizado por um grupo secreto de estudantes que tem personalidade jurídica própria, não recebe verda da faculdade.
O G1 entrou em contato com a Aaaoc e o Caoc para comentar a questão, mas não obteve retorno até a noite de terça-feira. Segundo a Atlética, apenas o presidente, o vice-presidente e o tesoureiro da entidade podem falar em nome dela, mas apenas um e-mail de contato foi divulgado. O G1 escreveu para o endereço, mas ainda não recebeu resposta. No Caoc, o G1 tentou entrar em contato com o presidente da atual gestão, mas ele não retornou as ligações.
A universidade, porém, cedeu espaço das dependências da unidade para a realização do show. Neste ano, a 72ª edição do evento aconteceu nos dias 9 e 11 de outubro. De acordo com a ata, Auler afirmou que desconhecia a participação de garotas de programa no show e que nele eram praticados atos de violência com os estudantes novatos do grupo.
Segundo a promotora Paula de Figueiredo, esse tipo de conduta não deve ser realizado "em espaço financiado com verbas públicas". Por isso, ela pediu filmagens do interior e dos arredores do auditório da faculdade onde aconteceu o show.
A antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, que coordena o programa USP Diversidade, ligado ao Núcleo de Direitos Humanos da Reitoria, afirmou, em comunicado, que desde o início do ano tem recebido relatos de alunos do curso de medicina e que "são alarmantes os números de casos e preocupante a omissão e tentativa de ocultamento dos dirigentes dessa instituição".
De acordo com ela, "alunos e alunas da FMUSP relataram ao USP Diversidade perseguições e assédio por terem vindo a público denunciar os abusos cometidos por seus colegas. Em nome da 'honra' e da 'tradição' da Faculdade de Medicina, e através de rituais de iniciação e hierarquia, promove-se uma comunidade de silêncio, na qual seus membros tornam-se cúmplices de atos criminosos e violentos".
Centro para receber denúncias deve ter coordenação de fora da FMUSP
A diretoria da FMUSP também afirmou, à Promotoria, que defende que o novo Centro de Defesa de Direitos seja coordenado por uma pessoa sem vínculo com a faculdade, e eleita pelos membros da Congregação. Nesta quarta-feira, a Congregação deve debater os detalhes sobre a regulamentação do centro.
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"O objetivo é que, com a formação desse centro, as denúncias tenham registro e devido encaminhamento multidisciplinar. Qualquer informação deve ser registrada, catalogada e devidamente encaminhada, justificando-se cada arquivamento", diz a ata da reunião.
De acordo com os detalhes relatados à Promotoria, ele contará com um núcleo de acolhimento e uma ouvidoria, diz a FMUSP. A parte acolhimento contará com pelo menos sete funcionários para receber denúncias e prestar assistência a estudantes vítimas de violação de direitos. Segundo a ata, serão dois psiquiatras, dois psicólogos, dois assistentes sociais e um advogado. O número de psicólogos pode ser ampliado de acordo com as demandas e, segundo o documento, "a idéia é que seja garantido o sigilo àqueles que não quiserem se expor ao formular denúncias".
Já a ouvidoria deverá ser mista, com integrantes da faculdade e membros de fora, o que, segundo relato da FMUSP à Promotoria, deve "garantir isenção e imparcialidade".
O centro também terá duas outras funções: a promoção de palestras para estudantes e funcionários voltadas ao "fortalecimento dos direitos humanos", e também atuar como "centro de conciliação" para a resolução de conflitos.