Economia

Poupança em queda ameaça recursos para casa própria

Principal agente de financiamento habitacional, Caixa já teria usado todo o seu estoque do investimento
  Foto: Carla Gottgens / Bloomberg News
Foto: Carla Gottgens / Bloomberg News

SÃO PAULO - Os saques na caderneta de poupança nos três primeiros meses do ano — no período, as retiradas superaram os depósitos em R$ 23,2 bilhões, drenando praticamente tudo o que a caderneta ganhou em 2014, quando as captações líquidas somaram R$ 23,8 bilhões — deixou os bancos que concedem crédito habitacional em alerta. A cada mês, as contratações de financiamento para a compra da casa própria sobem menos. Avançaram 1,67% em janeiro e 1,18% em fevereiro, de acordo com o Banco Central.

A Caixa Econômica Federal, principal agente do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), já teria esgotado o estoque de recursos da poupança destinado à compra de moradias, segundo fontes do mercado. Há um mês, o diretor-executivo de Habitação da Caixa, Teotônio Costa Resende, reconhecera que o banco já vinha usando também recursos captados via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs, títulos lastreados em operações imobiliárias) para continuar financiando a compra de moradias. Os recursos da poupança, segundo disse, já teriam se esgotado.

Procurada esta semana, a Caixa, que concentra 60% dos depósitos de poupança e é a maior financiadora do crédito habitacional, informou que as suas contas da caderneta vêm apresentando desempenho melhor que o do mercado. Nos últimos 12 meses até fevereiro, diz o banco, houve crescimento de 0,22 ponto percentual.

A questão é que o cenário econômico atual, de baixo crescimento com inflação elevada, somado à menor expansão da renda e do emprego e aos juros em alta, é muito desfavorável para as captações da caderneta, que ainda são a maior fonte dos empréstimos habitacionais no país. Foi nesse ambiente que os saques dos brasileiros da poupança superaram em R$ 5,5 bilhões os depósitos em janeiro. Em fevereiro foram R$ 6,3 bilhões, e em março, essa diferença saltou para R$ 11,4 bilhões.

— A caderneta de poupança historicamente acompanha o comportamento da economia. Quando o país cresce, puxando a renda e o emprego, os depósitos aumentam, ocorrendo o inverso em situações como a atual. Por isso, o ideal para o SFH seria que as condições de captação fossem mais estáveis, menos vulneráveis às oscilações da economia — diz Rafael Fagundes Cagnin, economista da Fundação do Desenvolvimento Administrativo de São Paulo (Fundap) e estudioso da questão habitacional no Brasil.

SITUAÇÃO PIORA NO ANO QUE VEM

Filipe Pontual, diretor-executivo da Associação Brasileira de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), reconhece que o setor já trabalha há algum tempo com a perspectiva de esgotamento da poupança como a maior fonte dos financiamentos. Mas ressalta que neste momento, com o crescimento menor da demanda por esse tipo de crédito, há uma pequena folga.

— Trabalhávamos com uma perspectiva mais curta (para o esgotamento da capacidade da poupança), mas, com o crescimento mais lento dos financiamentos habitacionais, achamos que 2015 está garantido. Já em 2016, vamos ter que ver — explica, reconhecendo que o descompasso entre a remuneração da caderneta em relação a outras aplicações de renda fixa não favorece os depósitos da poupança. — Neste momento, a diferença do CDI realmente está muito alta. Há dois anos, a poupança era bastante competitiva. Até ser debelado o atual surto inflacionário, esse quadro não deve mudar. Não é o fim do mundo, mas um momento de desconforto.

O vice-presidente de economia do Sindicato da Construção (Sinduscon), Eduardo Zaidan, afirmou que os instrumentos alternativos à poupança para financiamento imobiliário, como a LCI e o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), ainda são muito incipientes como fonte de recursos ao crédito habitacional. As LCIs, por exemplo, encerraram 2014 com saldo de mais de R$ 150 bilhões, quase um quinto da poupança. O problema é que apenas uma pequena parte desses recursos é efetivamente direcionada ao crédito habitacional.

— É importante que esses instrumentos existam como alternativa à poupança. Mas precisamos de um horizonte de longo prazo, de pelo menos uns 20 anos, para que as pessoas se acostumem a eles e ganhem a confiança do mercado — avalia Zaidan.

Para Bruno Gama, diretor geral da Credipronto, uma joint venture entre o Itaú Unibanco e a imobiliária Lopes, as retiradas recordes da poupança, neste início de ano, acendem a luz amarela em relação ao crédito imobiliário, a médio e longo prazos.

— Muita gente também saca os recursos da caderneta de poupança para obter um retorno melhor em fundos de renda fixa. Tudo isso explica um pouco a desaceleração da poupança. O cenário não é alarmante, mas a discussão sobre novas fontes de financiamento precisa entrar em pauta — diz Gama.

MENOS DINHEIRO PARA O SFH

Segundo Cagnin, da Fundap, outra questão é a maior flexibilidade dada aos bancos nos últimos anos para utilização dos recursos das cadernetas fora do crédito habitacional. O que, em situações como a atual, tende a agravar a perda de recursos para o crédito habitacional concedido no âmbito do SFH, no qual os juros dos financiamentos não podem exceder 12% ao ano.

— Hoje, os bancos podem cumprir a exigibilidade de direcionar 65% dos depósitos da poupança para o financiamento de moradias, comprando CRIs, que têm lastro em receitas de aluguéis de imóveis corporativos ou comerciais, como shopping centers, por exemplo. Isso dá mais liquidez à estrutura de ativos e passivos dos bancos, mas não traz mais liquidez ao crédito habitacional — diz Cagnin, para quem a ideia de que Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), com seus CRIs e as LCIs, complementaria as fontes de recursos do SFH não se confirmou. — O que ocorre é que o SFH é que vem suportando o SFI.