Saúde Ciência

Estudo traz uma nova explicação para a extinção dos dinossauros: 'maré de azar'

Asteroide que dizimou a vida na Terra há 66 milhões foi a 'gota que faltava' após período de intensas adversidades ambientais

Cenário no fim do período Cretáceo era de mudanças ambientais e baixa diversidade de herbívoros, que formavam a base da cadeia alimenta
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Cenário no fim do período Cretáceo era de mudanças ambientais e baixa diversidade de herbívoros, que formavam a base da cadeia alimenta Foto: / Arquivo

RIO - Temidos, assustadores, azarados. Os dinossauros poderiam ter sobrevivido ao asteroide que os dizimou, caso este evento tivesse ocorrido milhões de anos mais cedo ou mais tarde. A tese controversa é de Steve Brusatte, professor da Escola de Geociências da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Em um estudo publicado nesta segunda-feira na revista “Biological Reviews”, ele reconstrói o cenário vivido pelos grandes répteis 66 milhões de anos atrás, no fim do Período Cretáceo. E afirma que os dinossauros foram vítimas de uma combinação mortal — as mudanças ambientais devastadoras e a baixa diversidade de herbívoros, que serviam como base da cadeia alimentar.

Há 160 milhões de anos na Terra, as mais de 10 mil espécies de dinossauros viviam uma situação sem precedentes. A erupção de vulcões como o Deccan Traps, onde hoje está a Índia, provocou chuva ácida, mudanças na temperatura global e chegou a ser considerada a maior causa da dizimação dos grandes répteis. O asteroide teria apenas matado os poucos sobreviventes.

As primeiras vítimas do caos ambiental foram os herbívoros. A queda na diversidade das espécies que se alimentavam de plantas prejudicou os carnívoros, seus predadores, que se tornaram mais vulneráveis às mudanças da biosfera. Para Brusatte, o impacto do asteroide não seria tão fatal se ocorresse milhões de anos antes, quando a Terra não passava por condições tão inóspitas, e havia mais presas para os grandes carnívoros.

Se chegasse ao planeta milhões de anos depois, o asteroide também não causaria o desaparecimentos dos dinossauros. Os ecossistemas já teriam se recuperado das mudanças climáticas e a cadeia alimentar já teria sido restabelecida.

Segundo o estudo, era comum ver flutuações na diversidade das espécies. Portanto, esperava-se que a então decadente população de herbívoros retomasse o tamanho antigo. Desta forma, os grandes predadores recuperariam sua dieta e ficariam menos suscetíveis às condições hostis do meio ambiente.

— Existe uma percepção de que o asteroide atingiu um planeta estático, onde os grandes répteis prosperavam sem obstáculos. Mas não era este o caso — assegura Brusatte. — O asteroide encontrou um mundo caótico, onde grandes erupções vulcânicas causaram mudanças na temperatura e a regressão do nível do mar. Os dinossauros foram vítimas de um azar colossal — afirma.

O asteroide tinha cerca de 10 quilômetros de diâmetro e atingiu a região de Chicxulub, na atual Península de Yucatán, no México, liberando uma energia equivalente a de dezenas de milhares de bombas atômicas. Seu impacto foi sentido a mais de 300 quilômetros de distância e provocou tsunamis por toda a região.

A poeira levantada pela colisão formou uma nuvem espessa que bloqueou a luz do Sol e impediu a fotossíntese, matando as plantas. A injeção de CO2, metano e vapor d’água na atmosfera levou ao aquecimento global e a temperatura subiu alguns graus Celsius.

Praticamente todos os animais terrestres com mais de cinco quilos foram mortos. Os pequenos mamíferos, no entanto, estavam mais bem adaptados para enfrentar o longo inverno que se seguiu ao fenômeno cósmico, dando origem a uma nova era, que culminou com a ascensão do homem.

LEVANTAMENTO ‘ESPECULATIVO’

Para realizar a pesquisa, a equipe de Brusatte analisou um catálogo atualizado de fósseis do Cretáceo encontrados na América do Norte. Novas peças, estudadas na China e na Espanha, também devem ser incluídas no banco de dados. A região onde trabalharam os pesquisadores não foi escolhida por acaso. Somente a América do Norte preserva séries de fósseis detalhadamente registradas dos últimos 15 milhões de anos do Cretáceo. Além disso, apenas um sítio de estudos paleontológicos — a Formação Hell Creek, no Norte dos EUA — conta com levantamentos já consolidados sobre o último milênio da Era dos Dinossauros. Esta limitação dificulta a análise do momento e do ritmo da extinção em massa.

No estudo, o autor lembra que, devido à evolução de técnicas de datação radiométrica, uma espécie de dinossauro é descrita a cada dez dias, e é cada vez mais evidente a compreensão sobre como cada uma reagiria a eventos extremos, entre eles vulcões e mudanças climáticas.

A euforia de Brusatte não convence Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional, da UFRJ. Segundo ele, o levantamento capitaneado pelo americano é limitado e inconclusivo.

— Dizer se os dinossauros sobreviveriam ao impacto do asteroide, caso ele ocorresse antes ou depois, é meramente especulativo — condena. — Ainda precisamos sofisticar as tecnologias para descobrirmos em que camada do solo estão os sedimentos. Desta forma, é possível ter uma ideia da variação populacional das espécies, por exemplo, quando houve uma redução da diversidade de herbívoros.

Quanto mais profunda for a camada de fósseis, mais antigo será aquele material. Uma distância de poucos metros entre sedimentos pode indicar dois períodos históricos completamente diferentes. Décadas atrás, esta variação não era considerada. O importante era somente tirar extrair aquela peça da terra.

— Precisamos ser mais precisos ao determinar o período histórico de cada sedimento — alerta Kellner. — No estágio em que estamos, detalhar aqueles acontecimentos é como descascar laranja com martelo.

Como ainda há uma grande imprecisão sobre a profundidade em que determinados fósseis foram encontrados, até o impacto do asteroide é questionado. Embora sua colisão com o planeta tenha sido devastadora em uma ampla região ao redor de Yucatán, é preciso destacar que os dinossauros estavam espalhados por todo o globo. Por isso, diversos paleontólogos acreditam que sua dizimação não deve ter atingido todos os grandes répteis. Esta hipótese, porém, só poderia ser comprovada se os cientistas encontrassem depósitos de fósseis com menos de 65 milhões de anos.

— O período entre 66,6 milhões e 65,1 milhões de anos atrás é extremamente misterioso — conta o paleontólogo do Museu Nacional. — É muito difícil acreditar que todos os grandes répteis terrestres tenham sido dizimados. Os únicos dinossauros que sobreviveram foram as aves, e ainda não sabemos por que isso ocorreu. Se o único motivo fosse o fato de que elas sabem voar, também teríamos pterossauros por aí.

CONVIVÊNCIA COM O HOMEM

No período em que dominaram a Terra, os dinossauros passaram por diversas provações, como a divisão do supercontinente Pangeia e a pelo menos duas extinções em massa — que, no entanto, pouco reduziram a diversidade das espécies. Por isso, segundo os autores do novo estudo, é possível que os dinossauros tivessem fôlego para dominar a Terra até hoje.

— Eles sobreviveram a testes como mudanças drásticas na temperatura, no nível do mar e às condições mais hostis do clima por 160 milhões de anos. Então, por que não aguentariam mais 66 milhões de anos, chegando até os tempos atuais? — questiona Brusatte. — Claro que, se os grandes répteis não tivessem morrido, os mamíferos não dominariam o planeta, e provavelmente nós não evoluiríamos.

— Os dinossauros estavam particularmente vulneráveis à época da colisão do asteroide, mas não há qualquer prova de que eles destinados à extinção — destaca Richard Butler, coautor do estudo e professor da Escola de Geografia, Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. — Se não houvesse aquela catástrofe, provavelmente eles estariam aqui; e nós, não.

Os cientistas não imaginam um mundo que poderia ser habitado simultaneamente por humanos e grandes répteis, à la “Jurassic Park" .

— Esta é uma pergunta para os escritores de ficção científica. Você pode deixar sua imaginação correr solta — avalia Brusatte.

Kellner segue a fórmula:

— Seria como imaginar o que aconteceria se o (goleiro) Julio César não tivesse falhado no gol da Holanda, no jogo em que o Brasil foi eliminado na Copa de 2010 — compara. — O Brasil poderia ser hexacapeão. O Dunga, que era técnico, não teria sido demitido. E, por isso, não teria voltado agora.

Parece mesmo ficção.