Cultura

A atuação dos grupos de artistas que influenciaram a aprovação da lei de direito autoral

GAP e Procure Saber foram fundamentais para a sanção de novas regras, assinadas pela presidente na noite de quarta-feira

Reunião do GAP com Sérgio Ricardo, Calos Mills, Daniel Campello Queiroz, Fernanda Abreu, Frejat, Leo Jaime, Tim Rescala, Ivan Lins, Felipe Radicetti e Mu Carvalho
Foto: Guilherme Leporace / Guilherme Leporace
Reunião do GAP com Sérgio Ricardo, Calos Mills, Daniel Campello Queiroz, Fernanda Abreu, Frejat, Leo Jaime, Tim Rescala, Ivan Lins, Felipe Radicetti e Mu Carvalho Foto: Guilherme Leporace / Guilherme Leporace

RIO - Depois de seis anos de debates, alguns desentendimentos e muitas incertezas, foi confirmada a primeira grande mudança na gestão de direitos autorais no Brasil desde 1998. Fruto de uma CPI, aberta pelo Senado em 2011 para investigar o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), a entidade responsável por recolher e repassar direitos musicais no país, uma nova lei de gestão coletiva foi sancionada na noite de quarta-feira pela presidente Dilma Rousseff e passa a valer em 120 dias (leia no box ao lado). Porém, mais do que políticos, quem esteve por trás das mudanças foram artistas do primeiro time da MPB. Todo brasileiro conhece nomes como Caetano Veloso, Ivan Lins, Gilberto Gil, Roberto Frejat, Roberto Carlos, Fernanda Abreu e Chico Buarque. Mas poucos sabem de suas atuações no Grupo de Ação Parlamentar Pró Música (GAP) ou no Procure Saber.

Juntos, os dois grupos estiveram em Brasília em julho, na votação no Congresso que aprovou a lei. A foto que reunia parlamentares e artistas correu o país e serviu como um marco para mostrar que há, na classe musical, uma articulação política mais forte do que se imaginava, a ponto de alterar leis e definir políticas.

— Ficou evidente que os artistas precisam se informar para se posicionar de maneira segura sobre o que acreditam que é o melhor. Percebemos que as sociedades arrecadadoras, assim como o Ecad, falam publicamente em nosso nome sem nos perguntar, sem propor qualquer tipo de discussão prévia. Por isso, resolvemos chamar a responsabilidade de volta para nós — diz a produtora Paula Lavigne, que foi a principal articuladora para a criação, em abril deste ano, do Procure Saber.

Já o GAP teve início há dez anos, e estava presente no primeiro Fórum Nacional do Direito Autoral, lançado pelo governo em dezembro de 2007 para ouvir representantes da classe artística sobre alterações na Lei 9.610, de 1998 — até hoje a principal norma brasileira sobre direitos autorais. A criação do grupo foi um tanto incentivada por outro artista que, hoje, faz parte do Procure Saber. Gilberto Gil acabara de assumir o cargo de ministro da Cultura em 2003 e sugeriu a formação de câmaras setoriais para definir demandas políticas para o ministério. Por conta disso, alguns nomes se reuniram na casa de Francis Hime e começaram a conversar justamente sobre aquela que seria uma das principais bandeiras do grupo, o direito autoral.

— O Gil queria que nós nos organizássemos para levar sugestões sobre temas como lei trabalhista, cadeia produtiva da música, ensino de música nas escolas e direito autoral — lembra Fernanda Abreu. — Fizemos grupos de trabalho e fomos entendendo como agir. Pouco depois, houve uma reunião no Mistura Fina (antiga casa de shows do Rio), apareceram discordâncias, e percebemos que não dava, nem era preciso, falar pela classe inteira. Não haveria legitimidade. Então criamos um grupo, cujo objetivo era representar apenas uma parte da classe musical.

Vitória em 2006

Uma das primeiras vitórias do GAP foi conseguir, em 2006, incluir a música na Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro e Comunicação Social do Senado — que passou a se chamar Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro, Música e Comunicação Social.

— Eles faziam uma ideia de que a música sempre foi autossuficiente e, por isso, não precisava de apoio em Brasília — diz Frejat. — Fomos tentando mostrar que não era assim. Passamos a ir nos lugares em nome do GAP para que as pessoas pudessem identificar que existia um núcleo organizado ali.

O curioso em relação ao GAP é que o “grupo organizado” nunca teve uma estrutura formal, diretoria, CNPJ, nada disso. Entre seus cerca de 25 integrantes, há advogados e representantes de gravadoras e editoras. Eles viajam constantemente para Brasília, pagando passagens e hospedagem do próprio bolso, para acompanhar audiências no Congresso e se reunir com parlamentares. O membro mais velho é Sérgio Ricardo, de 81 anos, enquanto o mais novo é o advogado Daniel Campello Queiroz, de 32. Além desses e de Frejat e Fernanda Abreu, participam ainda Ivan Lins, Leoni, Carlos Mills, Dudu Falcão, Leo Jaime, Tim Rescala, Mú Carvalho e Felipe Radicetti, entre outros.

— A música nunca foi encarada como uma indústria pelo governo. Eu lembro que fizemos um seminário uma vez e chamamos o Ministério da Indústria e do Comércio. Mas eles disseram que não tinham nada a ver com o assunto — conta Ivan Lins.

Por conta desse desconhecimento — ou falta de interesse — de setores do governo no negócio da música, os integrantes do GAP já tiveram que encarar situações inusitadas e algumas saias justas. Uma das lutas do grupo é pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 98/2007, conhecida como PEC da Música, que reduz para zero o imposto para venda de discos, DVDs e faixas digitais de música feitos no Brasil (depois de seis anos, a PEC ainda não foi aprovada, mas há uma expectativa de que seja votada ainda este ano). Mas, como lembra Leoni, nunca foi uma luta fácil:

— Houve uma audiência pública em que um deputado da bancada do Amazonas afirmou que, se a PEC da Música fosse aprovada, a música brasileira seria responsável pelo desmatamento da Floresta Amazônica.

Em outra ocasião, já em meio às discussões sobre as mudanças na Lei do Direito Autoral, uma reunião promovida pelo Ministério da Cultura no Palácio Gustavo Capanema, no Rio, teve a participação de integrantes do governo e de representantes da classe musical. No meio do encontro, Jards Macalé se levantou, pediu a palavra, discursou e depois perguntou para Marcos Souza, da Diretoria de Direitos Autorais do MinC, se ele sabia quem era o cantor. Souza, cuja atuação na pasta é apoiada pelo GAP, respondeu: “Claro que sei. Você é o Paulo Silvino”.

Desconhecimento do tema

Naquele momento, o desconhecimento de Souza sobre a classe artística não era muito diferente do de boa parte da classe sobre o direito autoral. Um dos principais focos do debate estava na atuação do Escritório de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, órgão privado formado por associações de compositores, músicos, intérpretes e editoras que cuida de toda a gestão coletiva de direitos no Brasil, duramente criticado pelo GAP. Por isso, quando foi aberta a CPI do Ecad, em 2011, em decorrência de denúncias sobre desvios de direitos autorais, os integrantes do GAP estiveram presentes nas audiências e nos acordos que levaram à elaboração do Projeto de Lei do Senado 129, justamente o que deu origem à lei agora sancionada.

— O que garantiu o acordo foi um somatório de fatores. Houve o empenho dos artistas, mas também de parlamentares como Randolfe Rodrigues (senador pelo PSOL, presidente da CPI do Ecad), Jandira Feghali (deputada pelo PCdoB, presidente da Comissão de Cultura da Câmara) e Humberto Costa (senador pelo PT, relator do projeto de lei). Houve a chegada da Marta Suplicy ao Ministério da Cultura. E houve a adesão de artistas que estavam longe da discussão, mas que, quando chamados, principalmente com uma boa cutucada da Paula Lavigne, estiveram presentes — explica Tim Rescala.

O Procure Saber surgiu exatamente em meio ao debate do que seria a gestão coletiva do direito autoral, e conseguiu reunir os maiores medalhões da música brasileira, alguns que se mantinham distantes do tema. No Procure Saber, entre 60 integrantes, estão Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Milton Nascimento e Marisa Monte. O nome “Procure Saber” veio de uma frase dita por Gil há alguns anos. Ele trabalhava com um músico, filho de outro músico, que adorava fazer piadas insinuando a homossexualidade de alguns amigos. Gil, então, disse: “Sabe seu pai? Procure saber!”

— Nós não temos a pretensão de representar toda a classe artística, a associação representa aqueles que de fato fazem parte dela, mas de forma alguma é um grupo fechado, pois todos estão convidados a se associar — diz Paula Lavigne. — São muitos os assuntos. A modernização geral da lei do direito autoral, que ainda vai ser apresentada, precisa ser discutida antes de ser levada à votação. Também precisamos dar atenção à música que vem das periferias, aos direitos digitais. A legislação brasileira tem que se adaptar a essas realidades, que não podem ser ignoradas. É evidente que a discussão da questão das biografias também precisa ser aprofundada. Não vamos abraçar o mundo, mas vamos entrar nas discussões e, na medida em que elas forem se apresentando, vamos elegendo as prioridades.