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Com remoções, Vila Autódromo encolhe 83% em dois anos

Das 700 famílias que viviam na comunidade em agosto de 2013, restam cerca de cem

Vista aérea da área da favela ocupada há pouco mais de dois anos
Foto: Genilson Araújo / Parceiro (22/08/2013)
Vista aérea da área da favela ocupada há pouco mais de dois anos Foto: Genilson Araújo / Parceiro (22/08/2013)

RIO — Em agosto de 2013, as vielas da comunidade Vila Autódromo eram tomadas por um emaranhado de casas, enquanto o vizinho Parque Olímpico, na Barra, não passava de um descampado. Passados 26 meses, as arenas esportivas estão em fase de conclusão, e boa parte dos barracos, na faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá ou em trechos de influência do projeto para a Rio 2016, foi demolida pela prefeitura. Até agora, cerca de 83% das 700 famílias deixaram a favela. As últimas na sexta-feira passada, quando cinco casas foram derrubadas.

COMUNIDADE CHEGOU A CRESCER

O processo de remoções, no entanto, foi marcado por um fenômeno. Pouco antes de começar a encolher de vez, a Vila Autódromo crescia em ritmo acelerado. Atraídos pela perspectiva de indenização, muitos proprietários fizeram puxadinhos para receber recém-chegados à comunidade, admite o presidente da associação de moradores, Altair Antunes.


A Vila Autódromo hoje, com os poucos imóveis que sobraram
Foto: Genilson Araújo / Parceiro
A Vila Autódromo hoje, com os poucos imóveis que sobraram Foto: Genilson Araújo / Parceiro

No cadastro original da Secretaria municipal de Habitação, constava que 583 famílias moravam na Vila Autódromo quando começaram as remoções, há dois anos. Começou, então, um crescimento descontrolado. O número de famílias chegou a 700. Dessas, 585 já saíram da comunidade ou estão prestes a se mudar.

— Sobraram pouco mais mais de cem — afirma Altair, dizendo parte dos moradores que restaram tentará permanecer na favela.

As famílias que já saíram foram indenizadas em acordos com o município ou em decisões judiciais; participaram de um programa da prefeitura conhecido como “compra assistida”, pelo qual escolhem outro imóvel adquirido pelo município; ou se mudaram para um condomínio do Minha Casa Minha Vida em Vargem Grande.

Entre as que ficaram, a prefeitura ainda briga na Justiça para tirar outras 21 famílias — 15 porque as casas estão no traçado de uma via de acesso ao Parque Olímpico, e seis por estarem na faixa de proteção da Lagoa de Jacarepaguá. Com isso, o número de remoções poderá chegar a, pelo menos, 606.

COBRANÇA POR URBANIZAÇÃO

Altair, por exemplo, deve acabar sendo despejado duas vezes. Depois que sua casa foi demolida, ele passou a morar na sede da associação, que é alvo de uma das brigas na Justiça. A prefeitura tenta retirá-la do local por estar no traçado da rua de acesso ao Parque Olímpico.

As demais famílias não precisariam deixar a Vila Autódromo. Mas, se manifestarem interesse, poderão sair, algo que 60 delas já fizeram, segundo a prefeitura. Outras, no entanto, afirma Altair, assinaram um documento fornecido pela Defensoria Pública dizendo que desejam ficar.

Esses moradores que permaneceram na Vila Autódromo contam que o município anunciou que urbanizaria a comunidade. Mas afirmam estar céticos pelo fato de a prefeitura, até agora, não ter apresentado projeto algum. O prefeito Eduardo Paes, por sua vez, diz que cumprirá a promessa. No entanto, não dá prazos para realizá-la.

— Quem não estiver na faixa marginal ou em áreas planejadas para vias de acesso ao parque poderá ficar. Ou, se quiser, deixar a comunidade espontaneamente, após optar pelas alternativas oferecidas. Não vamos iniciar a urbanização antes de serem concluídas as remoções necessárias — diz Paes.

“Não vamos iniciar a urbanização antes de serem concluídas as remoções necessárias”

Eduardo Paes
Prefeito do Rio

Segundo a prefeitura, das 585 famílias já removidas ou que fecharam acordo para se mudar, 145 (24,78%) não estavam na área do projeto olímpico ou na faixa marginal de proteção. Elas optaram por uma casa do programa Morar Carioca ou por indenizações. Outras 329 (56,25%) estavam no traçado das obras, enquanto 111 (18,98%) ocupavam a faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá.

Esse processo, no entanto, tem sido marcado por disputas judiciais. De um lado, está a Procuradoria-Geral do Município, responsável pelas desapropriações e emissões de posse. Do outro, advogados particulares e a Defensoria Pública estadual.

Entre as 21 casas que ainda são alvos de processos judiciais, a maioria foi incluída em ações de desapropriação, iniciadas entre março e abril deste ano, para retirar 58 imóveis que estavam na via de acesso projetada para o Parque Olímpico. Entre elas, estão pelo menos quatro casas ocupadas pela família da diarista Maria da Penha Macena, de 50 anos.

— Quero ficar. Minha família quer ficar. Mas a situação é incerta. A prefeitura promete que vai urbanizar a comunidade, mas jamais mostrou qualquer proposta. A gente só queria mais respeito — diz ela.

QUEIXAS QUANTO ÀS REMOÇÕES

Por conta das obras do entorno, a família de Maria enfrenta dificuldades. Com frequência, devido às intervenções no Parque Olímpico, os moradores ficam temporariamente sem fornecimento de água e luz.

Na sexta-feira à tarde, o assunto na comunidade era as demolições de cinco casas na faixa marginal de proteção, que haviam acontecido pela manhã. A ação teve a participação de cerca de cem agentes da Guarda Municipal, que bloquearam os acessos à favela até o fim das demolições.

— Não deu tempo de retirar qualquer móvel. Tudo ficou debaixo dos escombros. Um amigo que mora comigo perdeu os documentos. A prefeitura me prometeu uma unidade do Minha Casa Minha Vida, mas até agora ninguém apareceu — conta a faxineira Miriam Pantaleão, de 38 anos.

Coordenador do Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria Pública, João Helvécio de Carvalho reclama da forma como são feitas as remoções:

— Em 2012, a prefeitura chegou a afirmar que só retiraria as casas da faixa marginal. No ano seguinte, alegou que precisava construir uma nova via de acesso que ninguém esperava. Por mais que essas desapropriações possam ter amparo legal, é preciso respeitar os direitos dos moradores.

ORIGINALMENTE, UMA VILA DE PESCADORES

A ocupação da Vila Autódromo remonta aos anos 1960. Originalmente, a área era uma vila de pescadores. Com a expansão imobiliária na Barra da Tijuca, a região começou a ser procurada por operários, que passaram a ocupar a comunidade. Em duas ocasiões, o governo do estado distribuiu títulos de posse para os moradores, nas décadas de 1980 e 1990. A região, no entanto, também foi ocupada por invasores de classe média, que construíram casas de bom padrão (principalmente na faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá), lojas e até uma oficina de pequenas aeronaves.

Em 1994, depois de tentar, sem sucesso, remover a favela, a prefeitura iniciou na Justiça um processo para tentar retirar os moradores da comunidade. Vinte e um anos depois, a ação, que tem mais de duas mil páginas, tramita na Justiça sem previsão de quando sairá a sentença.

Na época dos Jogos Pan-Americanos de 2007, a comunidade esteve novamente ameaçada de ser removida. Mas, por conta do impasse judicial, o então prefeito Cesar Maia acabou desistindo. Pressionado pelos prazos dos Jogos Olímpicos, seu sucessor, Eduardo Paes, optou por indenizações. As despesas com remoções ultrapassaram R$ 100 milhões.

Como O GLOBO revelou em junho deste ano, os valores pagos por imóveis chegaram a R$ 3 milhões. Pelo menos em um terço dos casos os donos de casas desapropriadas receberam valores acima de R$ 1 milhão. Entre os indenizados, estava um ambientalista de São Paulo e dois PMs. Um deles, lotado no Bope, recebeu R$ 1,2 milhão. O outro era um coronel da reserva, que embolsou R$ 2,2 milhões. A lista incluiu ainda um empresário e um piloto de automobilismo, que recebeu R$ 2,9 milhões por uma oficina de carros de competição.