20/04/2016 16h05 - Atualizado em 20/04/2016 16h05

Políticos corruptos são julgados em tribunais comuns na Inglaterra

No Reino Unido, a imprensa é agressiva com corruptos. Sem Fronteiras também explica como funciona o impeachment nos EUA e na América Latina.

Oitocentos anos de prática com parlamentarismo levaram o sistema de governo na Inglaterra a aperfeiçoar mecanismos para expurgar políticos malfeitores. Se cometem crimes, acabam sob julgamento em tribunais comuns, porque parlamentar britânico hoje - inclusive o primeiro-ministro - não tem imunidade na Justiça, nem foro privilegiado para crimes comuns. São imunes apenas na liberdade de expressão pelo que digam no plenário, não pelo que façam de ilegal no lado de fora.

No Reino Unido, apesar dos 800 anos da história parlamentar, não há uma Constituição escrita. Em entrevista para o Sem Fronteiras, da GloboNews, Tony Travers, da London School of Economics, explica que o primeiro-ministro na Grã-Bretanha só continua no poder enquanto a maioria do seu próprio partido o enxergar como líder. “Não há detalhes sobre como o governo ou o Parlamento devem agir. Isso é decido ao longo do tempo e desenvolvido especificamente para este fim de uma maneira orgânica. Então, mesmo um membro da Câmara dos Comuns ou dos Lordes corre o risco de ser deposto. No caso do Reino Unido, se um primeiro-ministro fizesse algo de fato grave, ou considerada inaceitável, os próprios membros do Parlamento perderiam a confiança nele e o forçariam a sair”, diz Tony.

Quem sentiu isso na pele foi o ex-deputado e escritor de best-sellers Jeffrey Archer, que caiu na justiça comum várias vezes, por corrupção, sem proteção parlamentar. Acabou condenado, em 2001, e cumpriu na prisão metade de uma pena de quatro anos. 

O expurgo de deputados por irregularidades diversas começa dentro do Parlamento, com moções de censura por uma comissão de ética e suspensão de atividades pela liderança da casa. Podem ser suspensos por alguns dias, por falta de decoro, sem salário e sem direito de voto no plenário. Dependendo da gravidade da ofensa, o partido do político envolvido costuma exigir que ele ou ela renuncie. Mas não pode obrigá-los a deixar o posto. Mesmo o plenário como um todo não tem poder para expulsar da casa um deputado infrator, privilégio só concedido ao eleitorado, nas eleições seguintes. O partido dele, porém, pode retirar-lhe apoio, o que o torna ineficaz como parlamentar e assegura que não possa concorrer a novas eleições, pois não será selecionado pelo partido.

Tony diz que é muito difícil um político que passe por isso não renunciar. “Ele pode até continuar, mas o que vai acabar acontecendo é que haverá outra eleição em 5 anos.  Nenhum partido o apoiaria e ele perderia a próxima eleição. Há também a questão de que as pessoas fazem pressão. A imprensa britânica é muito agressiva nestes casos. Qualquer um que cometa um crime e resolva continuar no Parlamento, ainda mais na Câmara dos Comuns, terá a vida desgraçada pela imprensa. Quem vai querer viver isso?”, questiona Tony.


O partido é tão forte no sistema parlamentar, que serve para tirar do posto até o líder maior, primeiro-ministro e chefe de governo. E pode fazer isso até sem que ao menos o líder tenha cometido crime ou séria impropriedade. Pode ser afastado por motivo político.

Ocorreu assim com Margaret Thatcher em 1990. O Partido Conservador concluiu que a liderança dela, impopular na ocasião, iria levar a uma derrota nas eleições seguintes. Os caciques, então, simplesmente destituíram Thatcher do comando supremo do partido e do governo. Escolheram John Major para o posto. Assim, sem nunca ter perdido uma eleição popular, Thatcher foi tirada do caminho pelo partido, que nela perdeu confiança.

De longe, a Rainha Elizabeth II contempla reviravoltas parlamentares desse gênero. Ela é chefe de estado, um cargo cerimonial que não lhe dá poderes para interferir no Parlamento. O último que tentou isso, o Rei Charles I, foi decapitado em 1649 e gerou uma guerra civil.

A soberania é do Parlamento que, se assim o quiser, pode até tirar a rainha do poder, dissolver a monarquia e instituir uma república. Improvável, mas legalmente possível.

Nos Estados Unidos

Nos EUA, o impeachment foi incorporado à Constituição como única forma de afastar um presidente que cometa "altos crimes e contravenções". A frase é vaga e deixa margem a muitas interpretações.

O Sem Fronteiras conversou com o professor de direito Ken Gormley, que escreveu um livro sobre o impeachment de Clinton. “O propósito do impeachment era prover um mecanismo para remover um presidente ou algum outro ocupante de alto cargo devido a violações comprovadas, como suborno e outros crimes graves e outras contravenções. É um procedimento político, se for bem-sucedido, leva à deposição do cargo federal e impede o indiciado de voltar a ocupar um cargo federal. É um procedimento muito raro e difícil de ser feito. Foi criado desta maneira para proteger a nação quando um presidente ou algum outro ocupante de um alto cargo faz algo tão grave contra o bem-estar do país, a ponto de ter que ser deposto”, explica Gormley.

No primeiro impeachment, o de Andrew Johnson, em 1868, a acusação foi "desrespeito ao Congresso". Ele foi absolvido no Senado por um voto.

O impeachment de Richard Nixon, em 1974, no escândalo Watergate não chegou a ser votado. Ele renunciou antes. A acusação principal era obstrução da Justiça.

No impeachment de Bill Clinton, em 1999, no escândalo sexual com a estagiária Monica Lewinsky, as acusações eram falso testemunho e obstrução da Justiça. Clinton foi absolvido das duas por largas margens.

O significado em inglês da palavra impeachment não é impedimento. Quer dizer acusação, indiciamento. O presidente é acusado pela Câmara, por maioria simples, e julgado no Senado, com maioria de dois terços para a condenação. Ao contrário do impeachment brasileiro, o presidente não é suspenso durante o julgamento.

O juiz chefe da suprema corte preside o julgamento, mas tem função cerimonial, não julga. O judiciário não interfere em nenhuma etapa do processo. O próprio legislativo é que decide as regras do impeachment. É um processo político, não criminal. Não é necessário o rigor das provas, como num julgamento comum.

Na América Latina

Ao longo da história da América Latina, região recorde no mundo em impeachments, os encerramentos antecipados de mandatos presidenciais contaram com as mais diversas modalidades: desde o linchamento e defenestramento do presidente Gualberto Villarroel na Bolívia em 1947, à morte do chileno Salvador Allende, em 1973, em meio ao bombardeio do palácio presidencial pelos militares, passando pela renúncia do peruano Alberto Fujimori, enviada por fax desde o Japão, no ano 2000.

Vale destacar a saída às pressas em helicóptero desde o teto da Casa Rosada do argentino Fernando de la Rúa, em 2001, que, como havia esquecido de assinar a renúncia, teve que voltar ao palácio presidencial no dia seguinte para colocar sua rubrica. Ou o impeachment do equatoriano Abdalá Bucaram, que ostentava o apelido de "El Loco", e depois de leiloar seu bigode ao vivo pela TV, de lançar um CD de boleros, foi destituído pelo parlamento com o argumento de "incapacidade mental para governar". Outros presidentes não concluíram seus mandatos por questões clássicas, como golpes militares ou rebeliões populares e julgamentos políticos por corrupção. No último quarto de século, houve vários julgamentos políticos na América Latina.

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