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A escola e o estupro: É preciso atacar a cultura que naturaliza a violência contra a mulher. E isso é, sim, também papel da escola.

O revoltante estupro de uma adolescente por 30 jovens gerou uma onda de indignação e clamor por justiça. Era o mínimo que se esperava diante da selvageria exposta no caso, mas é pouco. Barbárie é também saber que somente no estado do Rio de Janeiro há 15 registros por dia de estupros. E esses são apenas os casos notificados. Se quisermos mesmo ir à fundo nessa questão, não basta prender esses ou outros criminosos. É preciso atacar a cultura machista, presente em toda a nossa sociedade, que leva à naturalização de inúmeros casos de violência contra a mulher. E isso, mesmo que uns não queiram, é também papel da escola.

Diante de tantas evidências de que somos um país com níveis ainda intoleráveis de machismo, homofobia e preconceitos diversos, não dá mais para aceitar a ideia de que a escola deva ser apenas um local de aprendizagem de disciplinas tradicionais do currículo. Aliás, mesmo que estivéssemos apenas preocupados com o desempenho dos estudantes em provas, ainda assim, seria urgente exigir dos colégios que não se omitam em relação a esses temas. Um estudo divulgado em 2009 pela USP e pelo MEC, sobre bullying e preconceito em estabelecimentos da rede pública de ensino, revela que quanto maior é o preconceito no ambiente escolar, menores são as médias dos estudantes nos exames de português e matemática do MEC.

Acontece que o papel da escola não pode se limitar ao ensino das disciplinas tradicionais. Ela é, e sempre foi, espaço também de socialização e de aprendizagem para o convívio com a diversidade. É também local onde conflitos surgem. Basta lembrar das repugnantes “listas das vadias” feitas por estudantes em diversas cidades recentemente.

É por isso que o tema da igualdade de gênero em políticas educacionais está presente em diversos países desenvolvidos -e com bons resultados na educação- como Japão, Inglaterra ou Canadá. A abordagem é recomendada também pela Unesco em diversos documentos.

No Brasil, a recente onda fundamentalista contrária à abordagem desses temas na escola teve como alvo principal os conteúdos que tratavam da diversidade sexual, mas não se restringia a isso. Esta reação acabou por excluir do Plano Nacional de Educação, e de diversos planos estaduais e municipais, referências a temas de identidade de gênero e sexualidade nas escolas. A pressão acontece não apenas no âmbito das políticas públicas. Mesmo em escolas há relatos de professores que receberam notificações com ameaças de ações na Justiça caso tratassem essas questões em suas salas de aula.

O obscurantismo é tão grande que até mesmo a simples escolha de um tema para a redação do Enem no ano passado (no caso, a violência contra mulheres) foi visto por uma parcela da sociedade como prova de tentativa de doutrinação ideológica. Como se a defesa dos direitos das mulheres fosse (ou devesse ser) exclusiva de um partido ou movimento social.

Não se trata aqui de responsabilizar as escolas por toda a violência estrutural de nossa sociedade. Nem de jogar sobre seus ombros a responsabilidade de resolver, sozinha, essa questão. Elas são, como sempre, parte do problema e também da solução. A escola, por isso, não pode deixar de tratar de temas como a identidade de gênero e sexualidade. Afinal, como já disse o primeiro-ministro canadense, estamos no século 21. Ainda que muitos não tenham se dado conta disso.

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