Vida

Documentário mostra por que cuidar dos bebês é cuidar dos adultos

Documentário mostra por que cuidar dos bebês é cuidar dos adultos

O filme O começo da Vida, de Estela Renner, coloca os maiores especialistas do mundo para explicar por que os primeiros 60 meses da criança são tão importantes para o seu futuro. Não é chato e emociona

FLÁVIA YURI OSHIMA
26/04/2016 - 19h16 - Atualizado 12/06/2017 16h21

Bebês fofos, crianças engraçadas, pais e avós afetuosos. Com personagens como esses, as chances de erro de qualquer filme no quesito comoção são remotas. Assim, não é de espantar que O começo da vida, da cineasta Estela Renner, não erre. O filme viaja por 9 países mostrando rostinhos, sorrisos e balbucios que transportam o espectador a um estado de absorção completa.  O que não significa que  esse seja o principal mérito do documentário que estreia em 5 de maio em circuito nacional. Longe disso. O começo da vida consegue exibir, em 90 minutos, os principais especialistas do mundo em desenvolvimento infantil intercalados com os depoimentos de famílias, de forma leve, informativa e envolvente. É um filme obrigatório não só para quem tem filhos, sobrinhos e netos, mas para qualquer um que se importe com o desenvolvimento humano e se incomode com a desigualdade de oportunidades – que começa na mais tenra infância.

Imagens do filme o Começo da Vida (Foto: Divulgação)Cena do filme O Começo da Vida, de Estela Renner (Foto: Divulgação)

O começo da vida foi produzido com um objetivo claro: levar para o maior número possível de pessoas, de todo o mundo, o argumento de que os cinco primeiros anos da vida de uma criança são vitais para o adulto que ele será. “Durante seus primeiros 60 meses, a criança aprende mais do que aprenderá em toda a sua vida”, diz o prêmio Nobel James Heckman. Esse seria o período do big bang do cérebro humano. Por isso, cuidar do desenvolvimento dos pequenos seria tão importante.

À medida que renomados cientistas, como Heckman, apresentam seus argumentos, o peso de quem assiste e tem filhos (ou pensa em ter) aumenta. Se o que a criança aprende nesse período é tão determinante para o futuro, os pais têm uma responsabilidade sobre-humana – é o que parece.  Os mesmos especialistas aliviam a tensão. A receita para cuidar desse período é simples. A criança precisa de atenção, afeto e tempo para brincar, interagir e descobrir o mundo à sua maneira. Pais amorosos, com bom senso, são recursos suficientes para que os pequenos aprendam a voar. Ao que parece, o filme apresenta então o não-problema. Infelizmente, não.

A começar pelo mais óbvio (nem por isso menos grave): as famílias em situação de pobreza extrema. Entre elas, os problemas de falta higiene, saúde, comida e segurança existem. Tudo isso interfere no desenvolvimento da criança. Ainda assim uma família unida, capaz de dar afeto e de garantir a sensação de segurança, tem efeito milagroso na vida dessas crianças. A questão é que em situações extremas, a existência de famílias desestruturadas é uma realidade muito mais comum do que pode parecer. Mais do que isso, muitas vezes, a configuração tradicional de família existe, com pais e irmãos vivendo sob o mesmo teto, mas com referências de afeto e educação completamente diversas do senso comum.

Violência doméstica, uso de drogas, desrespeito verbal dentro de casa e/ou na vizinhança são constantes em circunstâncias de fragilidade extrema. Se o bebê assimila rapidamente até o traquejo de seus cuidadores, de que forma ele absorve esse ambiente? Com a mesma rapidez e eficiência.Uma criança que vê um de seus pais ou irmãos agredindo o outro pode entender essa atitude como um jeito aceitável de se relacionar. Além da questão dos dramas pessoais, absolutamente tristes, do ponto de vista social esse contexto tem um potencial catastrófico. Para cada adulto muito pobre, há 65 crianças na mesma situação, aprendendo com os exemplos que as cercam. Esse não é um dado que aparece no filme. É uma informação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  O que está no filme é a lembrança de que para cuidar da criança é preciso cuidar dos adultos. “Os bebês não são criados pelo governo ou pela escola, mas por pessoas. São elas que precisam de ajuda para ajudá-las”, diz Alison Gopnik, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Ajudar os adultos é contribuir para que essas crianças cresçam de forma saudável e consigam quebrar o ciclo da criança que sai do nada, cresce com nada e segue para o nada.

Imagens do filme o Começo da Vida (Foto: Divulgação)

Longe dos locais de maior vulnerabilidade, a questão central é como estar mais perto dos filhos. A Dinamarca com sua licença maternidade de 1 ano, divisível entre pai e mãe, aparece em contraponto a depoimentos de pais americanos que, a muito custo, conseguiram dois meses em casa. Amamentação, contato com a natureza, o papel dos avós. O universo que ronda as crianças é discutido entre especialistas enquanto a tela mostra o dia a dia de crianças no Brasil, na China, na Índia, na Dinamarca, na Argentina, no Quênia, nos Estados Unidos, na França e no Canadá.

Um dos feitos de Estela Renner, que escreveu o roteiro e dirigiu o filme, é apresentar mesmo os pontos mais delicados de forma eficiente sem pesar a mão.  O tom geral é de esperança. Essa foi uma escolha consciente da cineasta e das instituições que participaram da produção. A ideia inicial partiu da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal , que desde 2006 dedica-se a pesquisas e ações voltadas para a primeira infância. O orçamento de R$ 1 milhão foi dividido entre os parceiros que toparam a empreitada junto com ela: o Instituto Alana e a Fundação Bernard van Leer. A Unicef abraçou o projeto como parceiro estratégico. O filme será exibido em universidades fora do país, como Harvard e Columbia; será apresentado em todos os escritórios da Unicef no mundo e ficará disponível, com legendas em 22 idiomas, pela Netflix, pelo Itunes e pela Videocamp. No Brasil, além do circuito comercial de todas as capitais, ele será exibido em 2 mil municípios e em diversos pontos da Amazônia. A Maria Farinha, produtora do filme que pertence ao Instituto Alana, preparou 80 clipes para serem distribuídos pela internet. Com o abundante material dos três anos de pesquisas, foi também montada uma série com seis episódios, ainda sem data de transmissão nem canal certo. O objetivo é que a série se aprofunde em alguns dos pontos tratados no longa. 

As chances de que O começo da vida viralize é grande. Mesmo quem não se importe com  nenhum dos temas relacionados aos primeiros anos de infância pode querer assisti-lo simplesmente pela fofura extrema. E por que não?








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