• Gabriela Navalon com Daniela Carasco
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Camila tem 18 anos atualmente e tinha apenas 15 quando começou sua pesquisa (Foto: Arquivo Pessoal)

Camila tem 18 anos atualmente e tinha apenas 15 quando começou sua pesquisa (Foto: Arquivo Pessoal)

Antes de entrar para o ensino médio no E. E. Jardim Riviera, escola integral pública de Santo André, no ABC Paulista, Camila Agone, 18 anos, estudava no E. E. João Batista, outra escola pública da região. "É conhecida como uma das piores", conta. A estudante, junto dos pais, optou pela mudança em busca de um ensino melhor e mais qualificado. "O projeto desta escola começou em 2012, justamente na época em que eu estava indo para o primeiro colegial. Como não tinha demanda de aluno, eles não fizeram processo seletivo. Muita gente não queria ir para lá por conta do período integral - das 8h à 17h30."

Logo no final do primeiro ano, Camila iniciou uma aula eletiva sobre ciência, onde foi proposto desenvolver um projeto de pesquisa científica. "Para mim, realizar um trabalho com plantas era mais acessível porque moro perto de um parque. Então fui lá e identifiquei a Embaúba, que é uma árvore muito grande que nunca tinha sido realmente pesquisada. Descobri que ela tinha propriedades cicatrizantes e investiguei isso. A partir daí comecei a desenvolver uma pomada."

O trabalho rendeu à estudante dois prêmios, um artigo científico publicado na Revista InCiência e um convite: palestrar no TEDx São Paulo, que acontece no dia 6 de junho e tem como tema a educação. O evento internacional tem o intuito de compartilhar ideias que transformam o mundo e já contou com a participação de palestrantes ilustres, como Bill Gates, Isabel Allende e o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown.

A seguir, Camila, que hoje cursa Engenharia de Energia na UFABC (Universidade Federal do ABC), fala sobre seu projeto científico, opina sobre o ensino nas escolas públicas de São Paulo e conta como está se preparando para o evento.

Marie Claire - Como foi mudar para uma escola que oferece ensino integral?
Camila Agone - Senti muita diferença entre uma e outra. No ensino fundamental, os professores não pareciam ter realmente compromisso com a escola. Às vezes ficava sem aula, saia muito mais cedo. O desinteresse na escola era geral. Já no ensino médio, quando me mudei para E. E. Jardim Riviera, foi completamente diferente. Os professores eram muito bons, estavam interessados em ensinar. Foi um choque, mas acabei crescendo muito.

MC - Como é que você enxerga o ensino público?
CA - Tive dois tipos de escola na minha vida. O que predomina de escola pública no Brasil é o modelo que eu tive primeiro, professores desmotivados, alunos desmotivados. O ensino público deveria seguir um caminho, não necessariamente de ensino integral, mas algo que incentive o jovem. Aulas de maior qualidade, comprometimento geral. O ensino hoje é caótico, a média de jovens de escola pública no ensino superior é pequena e o cenário precisa mudar muito ainda.

MC - Como foi o seu primeiro contato com a pesquisa científica?
CA - No fim do primeiro ano, criaram uma eletiva na escola sobre ciência. Sempre me interessei por ciência e resolvi fazer a aula. Eles propuseram uma pesquisa científica. Para mim, realizar um trabalho com plantas era mais acessível porque moro perto de um parque. Então fui lá e identifiquei a Embaúba. Pesquisando, descobri que ela tinha propriedades cicatrizantes e investiguei isso. Consegui criar uma pomada com ela. Quando comecei esse projeto, quem me ajudava era minha professora de biologia, mas o laboratório da escola não foi suficiente para o meu avanço e eu procurei parcerias. Consegui algumas, como a da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde os professores me ajudaram a desenvolver o projeto.

MC - Acha que o estudo em período integral contribuiu para que você realizasse projeto?
CA - Se não fosse essa escola, eu nem teria a oportunidade de realizar essa pesquisa. Foi justamente o projeto de ensino integral que propôs isso. Claro que teve a parte do meu esforço, mas se não fosse o incentivo da escola e a proposta, eu nem teria começado. O modelo desse ensino é inovador e pode gerar frutos muito bons. Acho que toda escola poderia ser assim. Esse tipo de ensino te dá oportunidades como o Projeto de Protagonismo Juvenil, que te destaca através das suas notas e você pode viajar representando sua instituição de ensino. Isso desenvolve a proatividade do aluno. Também tem eletivas, que te permite escolher aulas que gosta mais. Isso ajuda até na escolha do curso da faculdade. Além disso tem disciplinas que te direcionam para o seu futuro. Durante três anos, tive aula de projeto de vida, onde pude pensar no que gostaria de fazer na vida. Essas escolas dão mais suporte do que as outras.

A estudante foi premiada em duas feiras de ciência e publicou artigo científico (Foto: Arquivo Pessoal)

A estudante foi premiada em duas feiras de ciência e publicou artigo científico (Foto: Arquivo Pessoal)

MC - Qual é o caminho para que outros estudantes tenham experiências semelhantes?
CA - Antes de tudo, é fundamental ter esforço. Se você não se dedica aos seus projetos, não dá para fazer nada. Primeiro é necessário querer. E aí, realmente, quando se tem alguém para  ajudar a desenvolver, fica muito mais fácil. Acho que eu sou um caso excepcional, porque normalmente os jovens de escola pública não têm muita oportunidade, não desenvolvem nada. Não é comum um jovem sair de uma escola assim e conseguir visibilidade tanto do Governo do Estado, quanto de organizações como o TED.

MC - De alguma maneira você monetizou com a sua descoberta?
CA - Não. Eu provei que a pomada era realmente cicatrizante, mas comercializar é muito difícil, ainda mais para um estudante. As pessoas não querem patrocinar essas coisas. Então o projeto acabou ficando na Unifesp.

MC - Como foi o convite para participar do TED?
CA - Fui convidada justamente porque a Secretária da Educação me indicou, por causa do destaque do meu projeto. O tema do TED desse ano é educação então para eles foi interessante colocar uma aluna que conseguiu sucesso tendo estudado em uma escola pública.

MC - Que lição você tira dessa sua trajetória que poder ser bastante inspiradora para outras pessoas?
CA - Não importa o lugar de onde você veio ou a escola que estudou, se você acredita e se dedica, as coisas acontecem. Se tem um sonho e acredita que vai dar certo e trabalha para isso, normalmente as coisas acontecem.