Rio

Operação da Polícia Federal tenta salvar botos-cinza na Costa Verde

Ofensiva combate pesca predatória num santuário da espécie no litoral fluminense

RIO — A Polícia Federal desencadeou uma grande ofensiva contra a pesca predatória no litoral de Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba. A operação, que começou em maio, é para evitar que o boto-cinza, ameaçado de extinção, desapareça da Costa Verde, no litoral sul fluminense. A região é considerada um dos últimos santuários da espécie no mundo. Mas vem convivendo com cenas de carcaças achadas nas praias e animais presos a redes. Uma realidade que, nos últimos 11 anos, contribuiu para reduzir a menos da metade a população de botos no Rio.

A ação da PF está sendo realizada em conjunto com o Ibama e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), atendendo a uma antiga reivindicação de biólogos e do Ministério Público Federal (MPF), que no início do ano alertou para o risco da pesca ilegal à sobrevivência dos botos.

Em menos de dois meses, segundo os policiais federais, a operação — sem data para terminar — já levou à prisão em flagrante de 47 pescadores, com base no artigo 34 da Lei 9605, que pune os crimes ambientais. Também foram apreendidas mais de dez embarcações, cinco toneladas de peixes e camarões capturados ilegalmente, além de redes e outros apetrechos.

— Todos os presos estão sujeitos a penas de detenção que vão de um a três anos — afirma o delegado federal Adriano Soares, diretor da Delegacia Regional da PF em Angra dos Reis e coordenador da operação.

Ele explica, contudo, que parte dos pescadores não permanece presa, já que o crime é afiançável. Enquanto isso, as ameaças ao boto continuam preocupando os ambientalistas nas baías da Ilha Grande e de Sepetiba.

— O número de carcaças de botos encontradas nos últimos três anos já está chegando à casa de 50% da população estimada de botos na região. É alto e muito preocupante — afirma o biólogo Leonardo Flach, coordenador científico do Instituto Boto-Cinza, que estuda a espécie de 1997.


Boto-cinza encontrado morto no litoral fluminense: ação da PF tentar coibir cenas parecidas
Foto: Instituto Boto-Cinza / Divulgação
Boto-cinza encontrado morto no litoral fluminense: ação da PF tentar coibir cenas parecidas Foto: Instituto Boto-Cinza / Divulgação

Ele lembra que em nenhum outro país do mundo é possível encontrar tantos indivíduos da espécie juntos. Mas, em 2002, biólogos que estudam o comportamento dos mamíferos identificaram entre 700 e 2 mil botos só na Baía de Sepetiba. No ano passado, em nova pesquisa, o número de animais tinha desabado: foram catalogados no máximo 850.

— Identificamos grandes pesqueiros do Sul do país, de estado como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em atividade ilegal na Baía de Sepetiba e na costa de Angra dos Reis e de Paraty. São embarcações que buscam peixes da cadeia alimentar do boto-cinza usados como iscas vivas na pesca de atum, realizada em alto mar. Essas ações reduzem o alimento do boto-cinza — diz Leonardo.

Segundo os biólogos do Instituto Boto-Cinza, os pescadores também não respeitam o período de defeso (quando a pesca é proibida) das espécies de peixes das quais o mamífero se alimenta, como sardinhas boca torta, corvinas e tainhas, desequilibrando ainda mais a cadeia alimentar.

MEDIDAS MAIS RIGOROSAS

Para tentar reverter essa situação, a procuradora Monique Cheker, da Procuradoria da República em Angra dos Reis, afirma que o MPF estuda medidas mais rigorosas para deter o avanço da pesca predatória. Foi ela que, em fevereiro, enviou à PF e ao estado uma recomendação que acabou resultando na atual operação.

— O que notamos é que a pesca ilícita, de grandes pesqueiros, está exterminando a vida marinha, afetando principalmente peixes que são parte da dieta dos botos. Os barcos que buscam capturar camarões, por exemplo, arrastam tudo, acabando com a biodiversidade. Eles também não respeitam o defeso. O que não é camarão na rede, vai parar no lixo — diz Monique. — Se for necessário, vamos aplicar medidas mais duras, como pedir a prisão preventiva dos pescadores. Estamos reprimindo a pesca ilícita para depois reorganizar a pesca artesanal na região — afirma Monique.

Na cidade do Rio, um dos últimos botos-cinza da Baía de Guanabara, batizado de “Acerola”, foi encontrado morto este mês pela Comlurb, com indícios de facadas e marcas de captura em redes de pesca. Presentes na bandeira da cidade do Rio, eles agora são apenas 34 na Baía de Guanabara, contra uma população de cerca de 400 botos na década de 1980.

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