Economia

Pesquisa mostra diversidade do uso das redes sociais pelo mundo

Na Índia, internautas têm perfis diferentes para se relacionar com pessoas de outra casta
Vigilância social. Na Índia, a sociedade de castas tem forte influência no uso das redes. É comum jovens manterem dois perfis, um para seu grupo, e outro, mais abrangente Foto: Divulgação / Divulgação
Vigilância social. Na Índia, a sociedade de castas tem forte influência no uso das redes. É comum jovens manterem dois perfis, um para seu grupo, e outro, mais abrangente Foto: Divulgação / Divulgação

RIO — O Facebook é uma comunidade global com 1,6 bilhão de pessoas, o Twitter conta com 320 milhões de usuários, mas o uso da rede varia de acordo com o ambiente cultural. Essa é a conclusão do maior estudo antropológico já realizado sobre as redes sociais. Ao longo de 15 meses, uma equipe de pesquisadores da Universidade College London observou, in loco, como habitantes de pequenas comunidades em oito países lidam com a tecnologia e se relacionam on-line. O resultado traz histórias surpreendentes, como a de um povoado no Sudeste da Turquia, país majoritariamente muçulmano, onde jovens recorrem a aplicativos de mensagens para conversar com pessoas do sexo oposto; ou a na Índia, uma sociedade de castas na qual internautas criam dois perfis distintos: um para se relacionar com pessoas do mesmo grupo social e outro, mais abrangente.

— Nós vemos afirmações generalizantes, de como o Twitter mudou a política, o Facebook mudou o nosso entendimento sobre amizade, mas será que isso funciona da mesma maneira para um profissional de TI na Índia ou um operário na China? Nós temos a responsabilidade de estudar — explica o coordenador do estudo, Daniel Miller. — As discussões sobre redes sociais são focadas em dados estatísticos, com análise de mensagens publicadas, mas é preciso conhecer as pessoas que fazem uso dessas redes.

Foram estudadas localidades no Brasil, na Turquia, em Trinidad e Tobago, no Chile, na Itália, Índia e China. A equipe foi formada por nove pesquisadores. Cada um viveu por 15 meses em uma comunidade. Com análises nesses países, foi possível comparar as diferentes formas de apropriação das redes sociais. O estudo resultou em 11 livros (três já estão disponíveis e o resto será publicado aos poucos ao longo deste ano), centenas de vídeos e no curso “Por que postamos”, que será ministrado na universidade, mas também tem turmas gratuitas pela internet.

REFORÇO NAS RELAÇÕES LOCAIS

De todos os achados, os pesquisadores destacaram 15 que serão debatidos no curso, sendo que alguns rebatem crenças difundidas, como a de que as redes sociais tornariam as pessoas mais individualistas, com a perda de valores tradicionais, mas não foi isso que os antropólogos observaram. Na comunidade estudada no Chile, por exemplo, os homens trabalham por longas jornadas em minas, longe de casa, e as redes sociais ajudam a família e a comunidade a se manterem unidas. No Brasil, o local do estudo foi uma pequena comunidade na Bahia, e o antropólogo Juliano Spyer, doutorando na Universidade College London, constatou o caráter socializador das redes com membros de igrejas evangélicas que se tornam amigos de seguidores do candomblé pelo Facebook, apesar de encontros pessoais serem recriminados socialmente.

— Conheci uma jovem de família evangélica que, no contexto da vila, em ocasião nenhuma conseguiria manter vínculo de amizade com uma pessoa do candomblé — observa Spyer. — Isso só foi possível porque ela conseguiu, usando o Facebook, gerir essas duas relações: manteve o vínculo com a família e com a igreja, que ela preza muito, e ao mesmo tempo começou a se relacionar com pessoas de outra religião.

Também é comum ouvir que as redes sociais acabam com a privacidade. Talvez isso seja verdade para as camadas médias e altas das sociedades ocidentais, mas numa comunidade industrial na China, onde os habitantes vivem em dormitórios compartilhados com outros trabalhadores, as redes sociais são dos poucos locais privados. Na Turquia, onde as relações entre homens e mulheres podem ser mal vistas, jovens recorrem a programas de mensagens para manter romances longe dos olhares da comunidade.

Outra constatação dos pesquisadores foi que, em determinadas situações, as redes sociais se transformam em espaços de aprendizagem, diferente da visão de críticos, que consideram que elas prejudicam os estudos por tirarem a atenção dos alunos. Na comunidade estudada no Brasil, jovens recorrem a conteúdos disponíveis nas redes para se informar. E o próprio ato de escrever mensagens para amigos é uma forma de conhecimento.

Estudos. Jovens aprendem com as redes Foto: Divulgação
Estudos. Jovens aprendem com as redes Foto: Divulgação

— A evidência que eu trago da pesquisa é diferente: esses meninos e meninas leem e escrevem 24 horas por dia, trocando mensagens uns com os outros, e isso é um ganho de conhecimento sem precedentes naquela comunidade — diz Spyer. — E existe a preocupação de escrever corretamente, para não virar alvo de piadas. Então eles usam os corretores ortográficos ou recorrem ao Google para saber se uma palavra está certa.

A reprimenda social, aliás, tem presença coercitiva nas redes. Em todas as comunidades pesquisadas, os antropólogos perceberam que, em redes públicas, como o Facebook e o Twitter, as pessoas tendem a ser mais conservadoras. E nem é por causa da vigilância estatal, forte em países como China e Turquia, mas para não serem julgadas pela família e comunidade. Isso vai de encontro à visão do Twitter observada em movimentos no Oriente Médio e na África.

— Na Índia, as castas têm papel central nas comunidades. Nós encontramos relatos de jovens que foram para a universidade e, lá, se relacionam com pessoas de outras castas. Mas como a mistura com outros grupos é mal vista, eles criam dois perfis distintos nas redes sociais: um para a vila e outro para os colegas de classe — conta Miller, coordenador do estudo.

IGUALDADE ON-LINE, DESIGUALDADE OFFLINE

E a visão de que a internet e as redes sociais são promotoras da igualdade, por permitirem a democratização do acesso aos conteúdos, cai por terra na análise dos antropólogos. Os benefícios para a população de baixa renda são inegáveis, como o acesso ao trabalho e facilitação da comunicação, mas elas não alteraram a exclusão, a segregação social e a opressão offline. No Brasil, por exemplo, funcionários podem ter os mesmos smartphones que seus empregadores, mas isso não faz com que se tornem amigos ou se adicionem em redes sociais.

— Existem estudos dizendo que as redes sociais estão criando igualdade. On-line, talvez. As pessoas estão tendo acesso a smartphones, e isso é incrível, mas nós percebemos que isso não necessariamente causa impacto nas relações entre as pessoas offline — diz Miller. — Então, o que nós aprendemos é que não é possível dizer uma coisa sobre as redes sociais e assumir que isso seja verdade para todas as pessoas. Isso não faz sentido. O que nós temos é a diversidade em todas as partes do mundo.