Rio Rio Gastronomia 2012

A comida que transforma vidas

Grupos se unem para promover mudanças sociais por meio da gastronomia

Membros da Cooperativa Vale Encantado, formada em 2006 para promover o turismo na região do Alto da Boa Vista
Foto: Foto: Rafael Moraes / O Globo
Membros da Cooperativa Vale Encantado, formada em 2006 para promover o turismo na região do Alto da Boa Vista Foto: Foto: Rafael Moraes / O Globo

RIO – Tão nobre quanto a arte de preparar e servir um bom prato é a utilização da gastronomia como ferramenta de transformação social. E não faltam talentos dispostos a isso. Iniciativas com perfis variados têm modificado a vida de pessoas, proporcionado visibilidade a produtores e apontado a necessidade de mudanças no mercado.

No Alto da Boa Vista, moradores de uma pequena comunidade conhecida como Taquara, encontraram, no quintal de casa, aquilo que marcaria a história do local. Por meio da Cooperativa Vale Encantado, formada em 2006 para promover o turismo na região, um grupo de seis cozinheiras passou a oferecer almoço aos visitantes. No menu, jaca e umbigo de banana, aquele pendão roxo que sai de cada cacho, foram eleitos como os principais ingredientes. Nos dois casos, matéria prima disponível em abundância na mata que cerca a região.

Entre os quitutes mais famosos, estão o jacalhau, espécie de bacalhoada em que a jaca ainda verde substitui o peixe, a torta e a empadinha recheadas com carne desfiada de umbigo de banana e a geleia de chuchu com pimenta rosa. Parece estranho? Pois o sucesso dos pratos correu o mundo. Tanto que a procura ainda é maior por parte de turistas estrangeiros. E para quem torce o nariz para a jaca, a vice-presidente da cooperativa, Rozineida Pereira Machado diz que a fruta fica irreconhecível:

- Já vieram franceses, americanos, holandeses...Todos provaram e gostaram.

A experiência, como conta Rozineida, vem ganhando corpo. Se, no começo, o pratos eram feitos na cozinha de uma das cooperadas e servido em um salão da residência, hoje a cooperativa já ganhou uma sede própria, com equipamentos adequados à demanda. Além disso, o projeto passou a significar, cada vez mais, um incremento na renda das moradoras, que, ao dividirem parte dos lucros, vislumbraram, pela primeira vez, a possibilidade de trabalho dentro da própria comunidade.

- Antes, a alternativa era irmos até a Barra ou a Tijuca. O problema é que o transporte era bastante restrito. Se perdêssemos o ônibus, nos restava subir a pé ou pedir carona.

Fora os benefícios pessoais, Rozineida pontua que tudo isso trouxe visibilidade para comunidade, além de difundir a prática de um convívio em harmonia entre moradores e mata. Diante dos bons resultados, o grupo já pensa em novos projetos. Um deles, como adianta a vice-presidente, é a criação de uma horta comunitária que possa abastecer a despensa de todos os moradores.

Raízes

Outro caso de sucesso é o Instituto Maniva. Fundado em 2007, pela chef Teresa Corção, o grupo conta com um time de 20 ecochefs, que participa de reuniões mensais e promove uma série de ações junto a produtores de alimentos. Entre os principais objetivos, figura o incentivo à produção familiar e sustentável, baseado na valorização das raízes da culinária brasileira.

Desde o fim do ano passado, por exemplo, a entidade atua, aos sábados, na feira de orgânicos que acontece no espaço anexo à Igreja São José, entre o Jardim Botânico e a Lagoa. Por lá, os ecochefs fazem tapiocas que recebem recheios dos produtos comercializados no espaço e preparam um chá gelado de hibisco. Como conta o vice-presidente do instituto, Cláudio Lourenço, os resultados não poderiam ser mais animadores:

- Conseguimos aumentar o número de vistantes e ampliar o faturamento dos feirantes. Isso salvou algumas vidas, pois havia quem estava a ponto de desistir.

Outro trabalho importante foi realizado há cerca de um mês, quando os integrantes do Maniva viajaram até a sede de um fornecedor orgânico, em Friburgo, onde fizeram um grande banquete, a partir dos produtos cultivados na região. O evento, que contou com a participação do vice-governador do Estado, Luiz Fernando de Souza, trouxe ainda mais visibilidade a esse tipo de cultura.

Até os salões

Ainda em fase de finalização, a organização não governamental Garçom Carioca pretende mudar o perfil dos salões cariocas, por meio da qualificação profissional. Para isso, as idealizadoras Taitiana Roza e Clarisse Sette Troisgros estão preparando um programa de capacitação completo, voltado para os profissionais que servem os clientes dos restaurantes.

Como explica Tatiana, a proposta surgiu a partir da constatação da necessidade de uma formação mais estruturada do ponto de vista técnico e de uma maior valorização da profissão de garçom. Segundo ela, o Rio vivencia um boom da gastronomia, mas o salão, propriamente dito, segue renegado, como os próprios donos de restaurantes admitem.

Para estruturar o projeto, a dupla investiu em uma imersão nas casas cariocas, com pesquisas que ouviram funcionários, proprietários e clientes. Os resultados, em fase de compilação, levarão à grade final dos cursos, que devem ter as primeiras turmas a partir do primeiro semestre do ano que vem. Por ora, sabe-se que disciplinas como teatro e história farão parte das atividades, garantindo o caráter multidisciplinar e humano defendido por elas.

- A intenção é fazermos um trabalho de formiguinha mesmo, de forma que a gente consiga mexer na relação entre empregado e empregador, promovendo uma grande campanha na cidade.