Brasil Meio Ambiente

PF faz operação contra Ricardo Salles e presidente do Ibama é afastado do cargo

Operação Akuanduba foi deflagrada por ordem do Supremo Tribunal Federal
Ricardo Salles Foto: Jorge William/Agência O Globo
Ricardo Salles Foto: Jorge William/Agência O Globo

BRASÍLIA — A Polícia Federal realizou na manhã desta quarta-feira (19) buscas contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, além de servidores da pasta e do Ibama. O prédio do ministério, em Brasília, é um dos alvos. A operação, batizada de Akuanduba (divindade dos indígenas Araras, do Pará), foi deflagrada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que também determinou o afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim, por suspeitas de irregularidades.

Salles e servidores do Ibama tiveram os sigilos bancários e fiscais quebrados. As buscas em relação ao ministro são realizadas na residência dele em São Paulo e nos endereços funcionais em Brasília e no Pará, onde ele montou um gabinete. Após a operação, o ministro foi pessoalmente à PF buscar informações sobre a investigação, como mostrou a colunista Bela Megale .

Segundo a PF, são 35 mandados de busca e apreensão em cumprimento no Distrito Federal, em São Paulo e no Pará. A operação apura crimes contra a administração pública (corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando) praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.

Após operação da PF: Salles vai ao Planalto se reunir com Bolsonaro

Na saída de um evento em Brasília,  o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a operação da PF foi "exagerada" e "desnecessária:

— Fazendo aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, estiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões — disse o ministro, na saída de um evento em Brasília. —  O Ministério do Meio Ambiente (MMA) atua sempre com bom senso, respeito às leis, respeito ao devido processo legal. Entendemos que esse inquérito foi instruído de uma forma que acabou induzindo o ministro relator a erro.

O ministro, que esteve no Palácio do Planalto na manhã desta quarta, disse que afirmou ao presidente Jair Bolsonaro que "não há substância nenhuma" nos fatos investigados:

— Expliquei ao presidente do que se trata. Expliquei que, na minha opinião, não há substância nenhuma das acusações. Embora eu não conheça os autos já sei qual é o assunto que se trata e me parece que esse é um assunto que vai ser esclarecido, ou que pode ser esclarecido com muita rapidez.

Ministro fala: Para Salles, operação da Polícia Federal foi 'exagerada' e 'desnecessária'

O GLOBO procurou o MMA e o Palácio do Planalto, que não responderam.

Dez agentes do Ibama e do ministério foram afastados preventivamente de suas funções. Dentre eles estão o assessor especial do gabinete do ministro, Leopoldo Penteado Butkiewicz, o superintendente de apurações de infrações ambientais do Ibama Wagner Tadeu Matiota, o diretor de proteção ambiental Olímpio Ferreira Magalhães, o coordenador de inteligência de fiscalização André Heleno Azevedo Silveira, além de outros coordenadores e diretores. A PF não pediu o afastamento do ministro Ricardo Salles.

Alexandre de Moraes também determinou a suspensão da eficácia de um despacho de fevereiro de 2020 do Ibama que flexibilizou as regras para exportação de madeira após pedido de empresários do ramo. Sua anulação foi pedida há mais de um ano em uma ação civil pública movida por Greenpeace, Instituto Socioambiental e Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente.

Facilitação de contrabando

A principal linha de investigação, segundo fontes que acompanham o caso, é que os funcionários do ministério e do Ibama atuaram favorecendo indevidamente empresas dentro da administração pública, o que pode caracterizar o crime de advocacia administrativa. Com essa operação, a PF busca provas do eventual pagamento de propina aos servidores.

Ao solicitar busca e apreensão contra Salles, a PF descreveu a "existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais" envolvendo o ministro e servidores públicos do MMA e do Ibama. Diz ainda que relatório financeiro elaborado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou transações suspeitas envolvendo o escritório de advocacia do ministro. Trechos do pedido da PF foram destacados pelo ministro Alexandre de Moraes ao autorizar a operação.

Transações suspeitas: PF apontou participação de Salles em 'esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais'

De acordo com comunicado da PF, as investigações foram iniciadas em janeiro na Superintendencia da Polícia Federal em Brasília a partir de informações obtidas junto a autoridades estrangeiras apontando possível desvio de conduta de servidores no processo de exportação de madeira.

A Polícia Federal apontou a atuação de um agente da Agência Brasileira de Informação (Abin), André Heleno Azevedo Silveira, para interferir na área de inteligência de fiscalização do Ibama. Ele teria, segundo a PF,  agido para "obstaculizar eventual investigação".

PGR não foi avisada

A operação foi realizada sem uma consulta prévia ao procurador-geral da República Augusto Aras, como é a praxe nos procedimentos do tipo. Em seu despacho que autorizou a operação, Alexandre de Moraes determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fosse informada do caso apenas após o cumprimento das diligências:

Nos bastidores, fontes ligadas à investigação apontam que a PGR não foi informada previamente por uma desconfiança de que Aras adiasse o andamento da apuração e vazasse informações da operação para o Palácio do Planalto. Os investigadores também viam riscos de que o procurador-geral atuasse contra a realização da operação.

"Após o cumprimento das diligências, dê-se, imediata ciência à Procuradoria-Geral da República", escreveu Moraes, no despacho proferido no último dia 13 de maio.

Sem aviso: PGR diz que não foi consultada sobre operação da PF contra Ricardo Salles

Presidente do Ibama afastado

Eduardo Bim foi indicado ao cargo de presidente do Ibama pelo guru da área ambiental de Jair Bolsonaro, o pesquisador da Embrapa Evaristo Miranda. Desde que assumiu o cargo, Bim se notabilizou por tomar decisões controversas, como a liberação de embargos de plantações de soja irregulares em terras indígenas e por flexibilizar normas de fiscalização aplicadas ao setor madeireiro.

Pandemia: 'Há uma falsa impressão de que o pior passou', diz presidente do conselho dos secretários estaduais

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o presidente do Ibama recebeu uma comitiva de empresários do setor madeireiro do Pará dias antes de ele afrouxar as normas para a exportação de madeira nativa. No grupo recebido havia representantes de duas empresas que, juntas, somam mais de R$ 2,6 milhões em multas. A reunião aconteceu na sede do MMA, no dia 6 de fevereiro. Dezenove dias depois, Bim atendeu a um pedido das madeireiras e assinou um despacho liberando a exportação de madeira nativa sem autorização do órgão. A decisão do STF suspende a eficácia deste ato.

O nome escolhido para batizar a ação da PF é de uma divindade da mitologia dos índios Araras, que habitam o estado do Pará. Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelecendo a ordem.

Covid-19: Pelo menos seis estados registram aumento em internações nos últimos 15 dias

Sem relação com acusação do Amazonas

Essa investigação não tem relação com uma notícia-crime enviada ao STF pelo ex-superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, que acusava Salles de favorecer madeireiros e obstruir investigações contra desmatamento ilegal na Amazônia. Neste caso, a PGR ainda analisa se pedirá abertura de inquérito ao Supremo. Saraiva acabou sendo substituído do cargo de superintendente após ter feito a acusação ao ministro.

Outro caso: Desafeto de Salles, delegado da PF ironiza operação contra ministro

Saraiva ironizou a operação da PF que está sendo realizada nesta quarta-feira e que tem Salles como um dos alvos.

Em sua conta no Twitter, o delegado fez uma série de comentários sobre a operação. Primeiro, publicou uma citação bíblica, junto com uma notícia sobre a operação: "Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta". Depois, ao publicar outra notícia, escreveu: "Tudo pela Amazônia!". Por fim, publicou uma imagem de um personagem do desenho Carangos e Motocas, que tinha como bordão "eu te disse, eu te disse".

Em nota, o Observatório do Clima afirmou que "a conta do desmonte parece enfim ter chegado para seus perpetradores". A operação da PF, diz a ONG, poderá resultar na demissão do ministro, "que agiu contra a própria pasta e contra o meio ambiente no Brasil desde o dia em que botou os pés no ministério".

“Vamos ver agora quais crimes que serão descobertos. O fato é que Salles montou um verdadeiro escritório do crime ambiental no Ministério do Meio Ambiente e um dia teria que responder por isso”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, no comunicado. “Hoje infelizmente quem quiser saber sobre a questão ambiental no Brasil precisa abrir as páginas policiais.”