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Ivete ouviu e adorou 'Ivete', o novo disco do Wado

Cantor e compositor radicado em Maceió mergulhou na levada do axé em seu nono álbum
'Eu perdi muito espaço no ano passado com o '1977'', diz Wado Foto: Divulgação
'Eu perdi muito espaço no ano passado com o '1977'', diz Wado Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Catarinense radicado em Maceió, o cantor e compositor Wado é um dos artistas mais virtuosos da música independente brasileira. Ao longo de sua discografia, relativizou a importância de se estar atrelado a um único gênero e brincou com as fronteiras do pop, do rock, do samba e até do funk carioca (em "Samba 808", de 2011).
Agora, em seu nono disco, mergulhou de vez nas levadas suingadas do axé e do ijexá, com as quais já tinha flertado em "Atlântico negro" (2009). Com as influências definidas e as ideias amadurecendo, faltava o nome do álbum.

— Como explicar melhor todo o conceito do disco do que chamá-lo de "Ivete"? Não tem nada de desrespeitoso nisso, muito pelo contrário. Quem é o grande ícone do gênero? Ela! Então é o Wado sendo Ivete — explica o músico de 38 anos, que se diz um fã do disco "Pode entrar", da cantora baiana.

Mas, Wado, o que será que a Ivete acharia da ideia?

— Eu acho que ela ia adorar ( risos ). Na verdade, acho que ela deveria ter gravado o disco inteiro. Essas músicas seriam muito melhores com a voz dela — opina.

Para passar essa história a limpo, procurei a própria Ivete Sangalo. A cantora e compositora esteve em São Paulo na última quarta-feira, promovendo seu mais recente trabalho, "Acústico em Trancoso", lançado em CDs —  são duas partes, vendidas separadamente —, DVD e streaming, na sexta.

Depois de falar com a baiana sobre seu primeiro registro acústico, sua carreira e muito mais (leia a matéria na íntegra aqui) , pinta a oportunidade de perguntar: Ivete, você sabia que existe um músico de Maceió chamado Wado e que ele acabou de lançar um disco chamado "Ivete"?

— Nunca tinha ouvido falar nisso — responde, dando sinais de curiosidade. — Chama-se "Ivete"? Não sabia, não. Que ótimo (risos). Sabe se está no Spotify?

Prevenido, cheguei com o disco já baixado "em modo offline" na plataforma de streaming, mas a sagaz Ivete já tinha se antecipado, aberto o aplicativo ("é com W mesmo?", perguntou), conectado o celular à caixa de som portátil que tinha levado para o camarim e apertado o play.

Começa por "Alabama", faixa de abertura de "Ivete" e primeiro single do disco (lançado pelo blog Amplificador) . Nos acordes iniciais centrados na guitarra baiana, Ivete, a artista, já lança um "woooow". Enquanto isso, uma assessora de imprensa presente levanta para dançar e comenta: "muito bom!". Quando entra o refrão ("Que fruto estranho... Alabama", uma referência de Wado a "Strange fruit", música de protesto eternizada por Nina Simone), Ivete me olha e não deixa dúvidas do que achou:

- Bom para c****!

Depois, passa para "Terra santa/ Jesus é palestino". A faixa mais lenta não chega a cativar tanto a agitada Ivete. Ela logo pula para "Sexo", quando o bicho volta a pegar.

— A voz dele é linda — opina, enquanto acompanha a levada com a cabeça e dá risadas de aprovação. — Ele usa até os "ô, ô" e "ah, ah", como no axé.

Para fechar a breve excursão por "Ivete", Ivete bota "Você não vem" para tocar, dança e, satisfeita, crava:

—  Eu adorei! Não sabia desse disco. Adorei Wado. Muito maneiro! Tem pouco tempo que saiu? Vou ouvir com calma depois. Gostei muito da voz dele e também da levada.

Antes de saber que Ivete tinha ouvido "Ivete" (fiz surpresa, claro), Wado comenta que a repercussão do disco, lançado há três semanas, vinha sendo melhor do que ele esperava.

— Em três semanas, batemos uma meta prevista para dois meses. As críticas foram mais positivas do que eu imaginava. Por mais que tenha assuntos espinhosos, políticos ( "o axé é bem mais punk que o próprio punk", costuma dizer ), o balanço do axé faz do disco um trabalho bem família. E, como é um disco curto ( dez faixas divididas por 24 minutos ), as pessoas vêm me falar que acabam de ouvir e já apertam o repeat — comemora.

Ao saber que até Ivete aprovara o disco, Wado pergunta se é verdade umas duas vezes antes de soltar uma longa e sincera gargalhada.

— Que louco, cara. Estou todo arrepiado aqui. Que massa. Essa foi f***. Fez meu dia — disse, desconcertado.

Wado admite que seria "do c***" se conseguisse entrar em contato com Ivete e convidá-la para participar do DVD de "Ivete", o primeiro de sua carreira, com lançamento previsto para o fim do ano. A gravação está marcada para o dia 24 de setembro, em Maceió. Antes da inclusão do ilustre nome "Ivete Sangalo", a lista de pretendentes de Wado tinha os representantes da nova música nacional Cícero e Curumin e o experiente Luiz Caldas. Marcelo Camelo, parceiro em "Você não vem" (que tem o selo Ivete de aprovação), já avisou que a recente paternidade o impedirá de participar.

— Ainda estamos na fase de sondagens, mas queria muito que eles participassem. Vai ser o DVD do "Ivete", mas, por ser o primeiro da minha carreira, vamos percorrer outros discos meus. Serão 24 músicas, sete delas do "Ivete" — explica.

Segundo Wado, a hora é agora:

— Eu perdi muito espaço no ano passado com o "1977" ( um disco mais centrado no rock ) e acho até que foi um pouco injusto isso. Estava meio desanimado, mas essas três semanas de "Ivete" me trouxeram de volta à calma ao notar que ainda sou relevante, que ainda chamo a atenção. No Brasil, tem artista que é pertinente por um tempo e outros que são pertinentes e ponto. Eu quero ser o segundo, habitar as praças, rodar, pegar a estrada. Eu amo isso.

Com a benção de Ivete, que levante poeira.

* Luccas Oliveira viajou a São Paulo a convite da Universal Music.