• Clóvis Borges*
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Clóvis Borges (Foto: Divulgação)

O diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, Clóvis Borges (Foto: Divulgação)

A campanha publicitária de âmbito nacional que reverbera a influência do chamado agronegócio na vida de todo cidadão demonstra uma força que, nas circunstâncias atuais, identifica um avanço determinante em influência política e econômica majoritária.

Talvez a pretensão dessa propaganda maciça seja reiterar a liderança exercida pelas musculosas organizações que representam as linhas da produção rural. Agricultura, pecuária e silvicultura, juntas, são tremendamente significativas para garantir exportações no país. Formam grupos empresariais gigantescos, alicerçados pela industrialização crescente de seus produtos básicos, embora as commodities ainda sejam um negócio muito importante.

Mas é evidente que a alegação de "ser tudo" é um tanto exagerada. Para alguns, pode deixar uma impressão arrogante, em que o universo mais distante das amplas ramificações das atividades do agronegócio não é considerado relevante. Ou, numa interpretação distinta, infere que essas ramificações são tão abrangentes que nada existe sem um dedo do agro.

Seja como for, estamos na era em que a grande agroindústria, com todas as suas estruturas alinhadas, abre-se à sociedade como uma fração dos negócios dominante no país. Como que saindo da casca para se mostrar com maior evidência, a campanha que está no ar corrobora com essa estratégia de tentar conquistar a sociedade urbana, tida como pouco afeta aos problemas do campo.

O poder e a supremacia de um determinado setor frente a outras atividades, no entanto, também precisa abrir espaço para uma agenda ainda mais ampla. É uma condição de bom senso que aquele que tem maior capacidade de investir é o que deve ter a responsabilidade de ampliar suas ações para atividades de interesse comum. Cabem agendas de interesse público abrangente e não apenas setorial.

Todos querem a fixação de famílias no campo, a garantia de bons negócios e a perenidade de atividades rurais, com produtividade, tecnologias amigáveis com a saúde e o bem estar das pessoas e o meio ambiente. Ao mesmo tempo, a grande maioria da população brasileira, que não é ligada à agricultura, também busca seus espaços, de qualidade de vida e oportunidades de emprego, numa diversidade econômica que precisa ser fortalecida como um todo.

Hoje o agro, com a força que apresenta em sua propaganda, pode fazer muito mais. Há enormes desafios tecnológicos para a evolução da produção rural de alimentos e de outros produtos. Tanto no que se refere à busca de maior produtividade, quanto às formas menos agressivas de produção, minimizando o  uso de fertilizantes e de agrotóxicos, gerando práticas de bem estar animal, controle no uso extensivo de território e assim por diante.

E pode fazer muito mais. Existem possibilidades plenas de maior proximidade entre a agenda da conservação da natureza e a da produção rural. Quem venceu a queda de braço política para mudar o Código Florestal Brasileiro foi o agro. Mas agora, depois de mais de cinco anos de uma nova Lei aprovada com maciço envolvimento da classe ruralista que povoa o Congresso Nacional, há atrasos e desvios na condução do que representou, supostamente, um compromisso mínimo desse mesmo agro com o resto da população brasileira.

A bem da verdade, é a natureza mesmo que é tudo. E isso significa a existência de áreas naturais bem conservadas em porções de cada propriedade rural. Negando essa obviedade, o agro, e todos nós, corremos o risco de não sustentar por muito tempo as riquezas que estão sendo produzidas a partir da exploração que fazemos de nossos recursos naturais. E a sensação de poder ilimitado que pode estar nos atingindo nesse momento, representar apenas um momento de uma existência que, se quiser manter-se de pé, necessariamente precisa atender às premissas de longevidade e de equilíbrio com o meio ambiente.

Não se trata de uma agenda excludente, mas de um ajuste real e honesto entre o que podemos produzir e o que devemos conservar. Que o agro avance para ser mais, ajudando o Brasil a conservar seu Patrimônio Natural. Necessitamos da água de boa qualidade, do clima equilibrado, e da infinidade de serviços que as áreas naturais, fortemente ameaçadas de nosso país, ainda conseguem nos prover.

O autoelogio de onipotência e de onipresença soa quase como de viés religioso. Exacerba no intuito de buscar reconhecimento de típico "nouveau riche". Mas com lastro de poder para impor a todos essa forma. Se alguma autocrítica correr em paralelo, quem sabe surja inspiração para despertar agendas em que todos possam realmente sair ganhando.

*Clóvis Borges é engenheiro florestal e diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)