Economia Previdência

Norma de segurança do trabalho mais frouxa

Governo quer revisar NR-12, que impõe máquinas mais seguras. Juízes e procuradores são contra medida

Contra. Juízes, procuradores, auditores fiscais do Trabalho e pesquisadores de acidentes se opõem à mudança
Foto: Paulo Fridman / Paulo Fridman/Bloomberg News/12-4-2016
Contra. Juízes, procuradores, auditores fiscais do Trabalho e pesquisadores de acidentes se opõem à mudança Foto: Paulo Fridman / Paulo Fridman/Bloomberg News/12-4-2016

BRASÍLIA — O governo do presidente interino, Michel Temer, prepara a flexibilização de uma norma de segurança a trabalhadores no manuseio de máquinas e equipamentos na indústria. Na linha de frente da mudança estão o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcos Pereira, e o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Luiz Augusto de Souza Ferreira. A ABDI está subordinada ao Mdic. Juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, além de pesquisadores de acidentes na área, são contrários à flexibilização da norma regulamentadora, a NR-12, criada em 1978, e atualizada por meio de dez portarias sucessivas.

Dados compilados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social revelam a extensão dos acidentes envolvendo máquinas e equipamentos. Em três anos, de 2011 a 2013, 601 trabalhadores morreram por causa deste tipo específico de acidente de trabalho — uma morte a cada 44 horas. No mesmo período, houve 13,7 mil amputações e 41,9 mil fraturas. São, portanto, 12 trabalhadores amputados por dia em razão de acidentes com máquinas e equipamentos.

Mudanças na NR-12 são um pleito antigo de empresários que atuam na indústria, principalmente em razão de uma atualização feita por portaria de 2010. A portaria especificou as alterações necessárias a equipamentos já existentes para que se tornassem seguros, o que é tido como um fator encarecedor da produção industrial. Conforme o ramo de atuação, foi dado um prazo para a atualização do maquinário. Pesquisadores de acidentes de trabalho relatam que uma minoria de indústrias se adaptou às exigências.

O ministro da Indústria defendeu a “reforma” ou a “revisão” da NR-12 no Palácio do Planalto, em evento, em 30 de junho, com 500 empresários ligados à Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB). Pereira chamou a NR-12 de “anomalia”.

— Já estamos constituindo grupos de trabalho junto ao Ministério da Indústria e ao Ministério do Trabalho. Neste grupo de trabalho específico que estamos criando com o ministro Ronaldo Nogueira (do Trabalho), vamos rediscutir a real aplicabilidade da norma regulamentadora número 12. Aliás, já citei essa norma, por duas vezes pelo menos, ao presidente Michel Temer. E já citei umas três vezes ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, de tão urgente a reforma ou, pelo menos, a revisão dessa norma, que é uma anomalia e infelizmente só existe no Brasil — afirmou o ministro Marcos Pereira aplaudido pelos empresários.

PROJETO NO CONGRESSO PROPÕE SUSPENDER A NR

A criação do grupo de trabalho pelo ministro da Indústria se soma a outra frente de atuação de seu aliado o presidente da ABDI. Luiz Ferreira diz que a agência emitirá nota técnica defendendo a suspensão da fiscalização da aplicação da norma. Pereira é ministro por indicação do PRB, partido que presidiu até assumir a pasta. Ferreira foi filiado ao partido de 2007 a 2013 e foi indicado à presidência da ABDI pelo novo ministro.

— A ABDI defende a suspensão imediata da fiscalização da norma — disse o presidente da agência.

Fontes ligadas ao Ministério da Indústria afirmam que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, avaliza, dentro do governo, a revisão da NR-12. O GLOBO questionou o ministério a respeito. Por meio da assessoria de imprensa, Nogueira afirmou que “o governo federal está estudando uma forma de melhorar a aplicabilidade da NR-12, mas que não existe nenhuma alteração prevista na norma". “Qualquer alteração será feita por meio da comissão nacional temática tripartite", acrescentou o ministro via assessoria.

A comissão tripartite — com representantes das empresas, trabalhadores e governo — existe desde 2010, “com o objetivo de acompanhar a implantação da nova regulamentação", segundo a portaria que a criou. A mesma portaria que determinou atualizações nos maquinários para adequação à NR-12. O grupo de trabalho anunciado pelo ministro da Indústria atuaria em paralelo à comissão tripartite, considerada pelos especialistas da área e pelas partes envolvidas como o espaço existente para esse tipo de discussão.

Um projeto de decreto legislativo no Senado, de autoria do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), propõe a suspensão da NR-12. A proposta é de 2015 e chegou a ter urgência na análise, o que acabou sendo retirado por conta das posições contrárias de entidades como a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).

“A portaria de 2010 alterou a norma com o objetivo de alinhar o padrão brasileiro de segurança em máquinas e equipamentos, visando à prevenção de acidentes de trabalho. Ocorre que o resultado dessa alteração foi que a norma extrapolou seu poder regulamentar ao criar regras para a fabricação, sendo mais exigente que seus paradigmas e ocasionando altos custos para sua adaptação, tanto para as máquinas usadas como para as máquinas novas", argumentou o senador na justificativa do projeto de decreto. O relator do projeto é o senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-ministro da Indústria no governo da presidente afastada Dilma Rousseff.

PAÍS É 4º EM ACIDENTES DE TRABALHO NO MUNDO

Entidades como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) têm opinião semelhante. “A NR-12, em vigor, exige níveis de proteção que superam o padrão europeu, considerado referência por tratar a proteção de máquinas e equipamentos de forma eficaz e sob o enfoque da razoabilidade, distinguindo as obrigações de fabricantes e usuários. A NR-12 extrapola paradigmas internacionais e, em muitos aspectos, revela-se uma norma inviável e inexequível", diz nota técnica da Fiesp emitida no ano passado.

O presidente da Anamatra, Germano Siqueira, defende a continuidade da norma e justifica com a comparação da realidade brasileira com a da Europa. No Brasil, o índice de acidentes de trabalho é de sete para cada cem mil trabalhadores. Na União Europeia, o índice é de dois a cada cem mil. Os acidentes com máquinas equivalem a 30% do total, lembra o magistrado.

— Sustar a norma seria uma regressão absoluta do ponto de vista das garantias dos trabalhadores. A finalidade da norma é proteger contra acidente de trabalho. Os custos com esse tipo de acidentes superam R$ 56 bilhões por ano. O campo adequado para as discussões a respeito é a comissão tripartite. Revogar a norma põe em risco não só os trabalhadores, mas também as empresas, pois haveria mais pedidos de indenizações, com reflexo na Justiça do Trabalho — diz Siqueira.

O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, sustenta que a demora dos empregadores em se adequarem à norma, com a modernização do maquinário e das linhas de produção, “é uma das causas do alto número de trabalhadores vitimados".

— O Brasil já é o quarto colocado em acidentes de trabalho no mundo. Prega-se a modernização da legislação trabalhista mas quase nada se fala quanto à atualização do processo produtivo para a proteção do trabalhador. A consequência é o adoecimento, o aumento da quantidade de licenças por motivo de saúde e das aposentadorias precoces, com prejuízo para a sociedade brasileira que paga a conta da Previdência Social — afirma o procurador-geral.

Para o procurador federal Fernando Maciel, mestre em prevenção de acidentes de trabalho, a adequação à NR-12, como exige a portaria de 2010, pode ser vantajosa também aos empresários:

— Algumas empresas já se adaptaram e estão pagando menos tributos porque há menos acidentes.

O GLOBO procurou o Ministério da Indústria para obter a posição do ministro sobre o grupo de trabalho que vai “reformar” ou “revisar” a NR-12. Não houve retorno da pasta até o fechamento desta edição.