Política

Baixada Fluminense: os dilemas de uma população numerosa e carente de serviços básicos

Região possui 13 cidades e se mantém com alguns dos piores índices socioeconômicos do estado
Morador passa pelas ruas enlameadas de Belfort Roxo Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Morador passa pelas ruas enlameadas de Belfort Roxo Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

BELFORD ROXO, DUQUE DE CAXIAS E NOVA IGUAÇU (RJ)  — “Aqui tem tudo que as outras cidades têm: gente com dinheiro, inteligente, trabalhadora... Mas olha o caos que é este lugar”. A constatação de Edson Pinto da Silva, locutor do comércio no Centro de Belford Roxo, manifesta uma Baixada Fluminense heterogênea, com aproximadamente 3,73 milhões de habitantes, onde convivem moradores de condomínios-clube aos de barracos em favelas. Revela também, no entanto, municípios que continuam com serviços deficientes e infraestrutura precária, em plena Região Metropolitana. Quadro que, como mostra a quinta reportagem da série “A outra margem do Rio”, põe suas 13 cidades nas últimas posições em muitos dos indicadores socioeconômicos do estado, com alguns dos piores resultados na educação, em índices de renda e também nos que avaliam o atendimento de saúde.

A Belford Roxo em que Edson vive e trabalha, com 479,3 mil habitantes (a sétima cidade fluminense mais populosa), fica a menos de 30 quilômetros do Centro do Rio. A desordem da qual ele reclama, porém, está evidente por todos os lados. No trajeto por uma das principais artérias do município, a Avenida Joaquim da Costa Neto, os desafios às leis de trânsito são flagrantes. A via é endereço do fórum e do batalhão de polícia. E também de buracos, lixo, lama quando chove e poeira em dias de sol, embora seja toda asfaltada.

Mapa da Baixada Fluminense Foto: Criação Internet
Mapa da Baixada Fluminense Foto: Criação Internet

Em outro caminho que corta o município, a Avenida Automóvel Clube, pouco muda. Em frente CIEP Simone de Beauvoir, os alunos se deparam com calçada quebrada, montanhas de detritos e vazamento de esgoto. E, ao entrar nos bairros que margeiam tanto uma quanto outra avenida, a maioria com designação de Jardim, Parque ou Vila, o que se encontra passa longe de lugares bem cuidados como os nomes poderiam sugerir. Estão lá rios, como o Botas e o Sarapuí, poluídos. Áreas perigosas, ocupadas pelo crime organizado. E muitas ruas sem calçamento.

É assim na Vila Santa Tereza, onde vive Roberta de Jesus, de 33 anos. Mãe solteira de quatro filhos, ela está desempregada. Mora numa casa de dois cômodos e um banheiro, com risco de desabar, enquanto espera se cadastrar no programa Minha Casa Minha Vida, que ergue dezenas de unidades habitacionais na região. De renda fixa, tem apenas R$ 135 do Bolsa Família, além da ajuda da mãe. Diz que, nos postos de saúde por perto, faltam médicos. As escolas de três dos seus filhos, segundo ela, deixam a desejar. E no bairro, lembra, só existe uma creche pública, na que a filha mais nova, Milena, de 4 anos, não consegue vaga.

— Estou esperando uma desistência para matriculá-la. Já avisaram que vão cortar o Bolsa Família. Se isso acontecer, dou um troço. Mas vou fazer o quê? A Vila Santa Tereza parece esquecida. Ninguém sabe que aqui existe. Nem político veio nestas eleições. Se eu encontrasse um, pediria para trabalhar distribuindo santinhos e ganhar algum dinheiro — afirma Roberta. — Será que, com a construção dos apartamentos do Minha Casa Minha Vida, vai melhorar? — questiona ela.

As condições que Roberta relata aparecem nos números do município e da região como um todo. De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2013, o pior resultado na Baixada para alunos do 5º ano do Ensino Fundamental da rede pública é o de Belford Roxo, com nota 3,7, que dá ao município também a penúltima posição no estado, atrás apenas de Macuco (3,6). Para o 9º ano, ainda nas escolas públicas, a nota também é baixa, de 3,3, mas acima da pior registrada na região, de Japeri (3,1), e no estado, de Arraial do Cabo (2,8).

ABAIXO DA MÉDIA DO ESTADO

IDEB na rede pública Foto: Editoria de Arte
IDEB na rede pública Foto: Editoria de Arte

Para o 5º ano, a única cidade da Baixada que supera a média estadual, de 4,9, é Paracambi, com nota 5,6. Enquanto no 9º ano, todos os 13 municípios da região estão abaixo da nota do Rio (3,9). Se comparados os resultados das cidades com mais de 50 mil habitantes na periferia das regiões metropolitanas do Rio, São Paulo e Belo Horizonte, a situação complica ainda mais. São 60 municípios ao todo. No 5º ano da rede pública, nove dos dez últimos colocados estão na Baixada. No 9º ano, são oito da região entre os pior rankeados .

Em muitos casos, esforço de professores e alunos é o que não falta. No Ciep Municipalizado Marie Curie, no bairro Vila Maria Helena, em Duque de Caxias (cidade mais populosa da Baixada e com o terceiro maior PIB do estado), eles driblam a escassez de recursos numa área carente, com a escola num terreno cercado de mato. Mas se veem diante de outro grave problema da região, a violência. Com mais de 500 estudantes, semana passada o funcionamento do colégio ficou prejudicado devido à insegurança. O Ciep ficou sem energia elétrica, depois de os cabos de luz terem sido roubados por bandidos, junto com computadores, televisão comprada por uma professora e até a merenda das crianças.

— Foi o décimo assalto em um ano. Desta vez, levaram tudo. A revolta é maior por estarmos num município como Duque de Caxias, na Região Metropolitana, a poucos minutos do Rio. O que acontece na escola, no entanto, é um reflexo do que ocorre na comunidade, que nos últimos anos vem enfrentando piora em questões como a segurança — diz a professora Vanderleia Monteiro.

O colégio é um dos raros aparatos públicos na Vila Maria Helena. Posto de saúde, por exemplo, não há, embora o bairro não fique muito distante do Hospital de Saracuruna. O que funcionava dentro do Ciep fechou, também devido à violência. E, em histórias assim, a saúde na Baixada tampouco é bem avaliada. Considerado o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) 2011, divulgado este ano, Japeri, Queimados e Belford Roxo estão nas últimas posições do estado. Para cálculo do indicador, são avaliadas variáveis de emprego e renda, saúde e educação. E, no IFDM-Saúde, Belford Roxo (0,6102, em 85ª lugar), Seropédica (0,5630, em 89º), Japeri (0,5088, em 90º) e Queimados (0,4896, em 91º) também aparecem no fim da tabela.

Em saneamento, tema tão ligado à saúde da população, a Baixada também vai mal. No ranking do Instituto Trata Brasil, com as 100 maiores cidades do país, as quatro da região que aparecem na lista estão nas últimas posições: Belford Roxo (86ª) Duque de Caxias (93ª), São João de Meriti (94%) e Nova Iguaçu (95%). Em São João, nada do esgoto é tratado e, em Nova Iguaçu, apenas 0,37%.

RIQUEZA EM BAIRRO NOBRE

Já quando o assunto é emprego e renda, um levantamento do Fórum de Secretários de Desenvolvimento Econômico da Baixada Fluminense, com base em informações do Ministério do Trabalho e do IBGE, em Japeri, Belford Roxo, Guapimirim, Paracambi, Mesquita e Magé, os empregos formais em 2012 representavam um número menor do que 10% do total da população. Dado que reforça a dificuldade de geração de postos de trabalho e o caráter de cidades-dormitório que ainda persiste em muitas delas. Já Mesquita, mostram dados do governo estadual, tinha em 2011 o menor PIB per capita do Rio, de R$ 9.485.

Enquanto isso, a cerca de quatro quilômetros do município, o bairro do K-11, em Nova Iguaçu, é considerado uma das áreas nobres da Baixada. Lá, sobem novos prédios em condomínios de classe média e média-alta, com preços que podem se aproximar de R$ 1 milhão. Fervilha também um polo gastronômico com alguns dos melhores restaurantes da região. E ficam lá também serviços como colégios particulares, clínicas de estética e academias de ginástica. No Bairro da Luz, nas imediações da Estrada de Madureira, um condomínio de casas amplas e planejadas por arquitetos, com segurança particular e área de lazer, é outro retrato dessa Baixada tão díspar.

Em Itaguaí, é o porto que opera transformações. Ali, o Arco Metropolitano do Rio, que teve 71,2 quilômetros inaugurados no fim de junho, no trecho que vai do município a Duque de Caxias, também é uma promessa de acrescentar ânimo à economia regional, com a atração de empresas e, segundo a Firjan, uma injeção de mais de R$ 1,8 bilhão no PIB do estado.

Mas, de volta a Belford Roxo, no bairro Parque Esperança, o servente Everaldo de Oliveira, 48 anos, continua descrente de que, um dia, a situação, pelo menos ali, melhore:

— A verba destinada para cá deve ir parar em outro lugar. Não é possível. Porque se chegasse, a cidade era outra.

Quais os principais problemas da sua região? Compartilhe pelo Twitter , com a sua mensagem acompanhada da hashtag #aoutramargem, e aproveite para questionar os candidatos ao governo do estado quais as propostas para cada região do estado.

Tréfego nas ruas empoeiradas de Belfort Roxo Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Tréfego nas ruas empoeiradas de Belfort Roxo Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo