BRASÍLIA - O governo do presidente interino Michel Temer pretende mexer no valor da aposentadoria por invalidez, que hoje é integral e independe da idade e do tempo de contribuição do trabalhador para o INSS. A medida consta do pacote de reforma da Previdência em discussão no Executivo e prevê um piso para esse tipo de aposentadoria, que deve ficar entre 60% e 70%, mais um adicional de 1% para cada ano de contribuição. Dessa forma, quanto mais tempo na ativa, maior a chance de ter um benefício próximo a 100%.
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Pelas regras atuais, o prazo de carência para requerer aposentadoria por invalidez é de 12 meses. Mas, em caso de acidente de trabalho ou doenças profissionais, o benefício é automático. Além disso, em situações em que o segurado passa a depender de cuidador, ele tem direito a um adicional de 25%. Pode ainda receber o teto do INSS, hoje em R$ 5.189, pelo resto da vida, mesmo tendo recolhido para este teto por apenas um ano. A reforma vai impor condições mais restritas, segundo técnicos envolvidos nas discussões.
O endurecimento das regras da aposentadoria por invalidez é necessário, na avaliação dos técnicos, por causa da fixação de idade mínima (de 65 anos). O argumento é evitar fraudes, como de trabalhadores tentando se aposentar mais cedo sob alegação de incapacidade por motivo de doença ou acidente.
Para se ter uma ideia do efeito da medida, considerando a renda média do trabalho de R$ 1.785, em 2014 (de acordo com a Pnad/IBGE), um trabalhador que se aposenta por invalidez teria direito de receber o benefício cheio. Com a mudança, o valor cairia para R$ 1.517 se esse segurado tiver contribuído por 15 anos (tempo mínimo de contribuição para se aposentar por idade, aos 65 anos) caso passe a vigorar o parâmetro de 70% mais 1%. Se ficar em 60%, ele receberia R$ 1.339, trabalhando pelo mesmo período.
EM LINHA COM OUTROS PAÍSES
Segundo levantamento do especialista em políticas públicas e gestão governamental Rogério Nagamine, publicado no Boletim de Informações da Fipe, a despesa com aposentadoria por invalidez passou de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2002 para 0,86% em 2015. Em valores nominais, o gasto pulou de R$ 8,9 bilhões para R$ 50,9 bilhões nesse período. O estoque desse tipo de benefício chegou a 3,4 milhões em junho deste ano.
Os segurados que mais recorrem à aposentaria por invalidez são homens na faixa etária entre 50 e 59 anos. Entre os problemas de saúde com maior incidência estão doenças do aparelho circulatório, do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, transtornos mentais, neoplasias e doenças do sistema nervoso.
O governo já está se antecipando à mudança nas regras e anunciou que este ano dará início a um pente-fino nas aposentadorias por invalidez e auxílios-doença. Todos os segurados que recebem benefícios sem data de término serão convocados pelo INSS para realização de novas perícias médicas.
Em 2018, o rombo da Previdência (INSS) foi de R$ 194 bilhões. O país está envelhecendo rapidamente e é um dos poucos do mundo a não exigir idade mínima. Conheça as mudanças previstas na
reforma da Previdência
do presidente
Bolsonaro
e mantidas pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP).
Calcule aqui
quanto tempo falta para se aposentar pela proposta.
Depende da votação no Congresso. O texto-base do parecer do relator Samuel Moreira (PSDB-SP) já foi aprovado no plenário da Câmara. Como é uma mudança na Constituição, o projeto precisará ser aprovado em dois turnos na Câmara por pelo menos 308 votos (3/5 da Casa). Depois vai ao Senado, também precisando de votação em dois turnos.
Como será a idade mínima?
Será de 65 (homens) e 62 (mulheres). Poderá se aposentar quem contribuir por 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres) para a Previdência.
Na transição, para quem já trabalha, a idade mínima subirá aos poucos
. Começa em 61 (homens) e 56 (mulheres) e terá acréscimo de 6 meses por ano. Em 2021, por exemplo, será de 62 (homens) e 57 (mulheres).
Quais as regras de transição?
Quem já contribui para a Previdência
terá regras de transição.
No INSS, haverá até 5 opções. De maneira geral, são 3 regras: por sistema de pontos; por tempo de contribuição (respeitando idade mínima); e pelo pedágio de 100%. Além disso, quem está perto de se aposentar, poderá ainda pagar um pedágio de 50%. E a aposentadoria por idade existente hoje também terá critérios de transição.
Similar ao atual sistema 86/96. O trabalhador tem de
somar idade e tempo de contribuição
e precisa ter contribuído por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Em 2019, poderá se aposentar aos 86 pontos (mulheres) 96 pontos (homens). A tabela sobe um ponto a cada ano, até chegar aos 100 para mulheres e 105 para homens.
Transição por tempo de contribuição
É preciso ter contribuído por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens) e
cumprir uma idade mínima
que vai subindo aos poucos, até chegar aos 62 anos (para mulheres) e 65 anos (para homens). A idade mínima começa aos 56 anos (mulheres) e 61 anos (homens) em 2019. E sobe seis meses por ano.
Como funciona o pedágio de 50%?
Esta regra só vale para quem está a até dois anos de se aposentar por tempo de contribuição pelas regras atuais. Funciona assim: se faltar um ano pelas regras atuais, a pessoa terá de trabalhar por um ano e meio (1 ano + 50%). Se faltarem dois anos, terá de ficar no mercado por 3 anos.
Como funciona o pedágio de 100%?
O pedágio de 100% valerá no INSS e no setor público. Se faltar 4 anos para se aposentar pelas regras atuais, será preciso trabalhar por mais 4 anos (4 anos+100%) para se aposentar, desde que cumprida a idade mínima (57 para mulheres e 60 para homens)
O que muda na aposentadoria por idade?
Mulheres se aposentarão aos 62 anos, e não mais aos 60. Para os homens, 65. Em vez de 15 anos de contribuição, para os homens serão exigidos 20 anos. O
relator manteve 15 anos para as mulheres.
Mas haverá regras de transição e uma “escada” para elevar idade e tempo de contribuição, até chegar a 62 anos para mulheres em 2023.
Servidores
também serão submetidos a regras de transição,
mas com pontos de partida diferentes. A transição será diferente para os funcionários mais antigos, que ingressaram antes de 2003. O relator Samuel Moreira (PSDB-SP) criou ainda a regra do pedágio de 100%, que garante a integralidade para os servidores pré-2003.
Servidores estaduais serão afetados?
A proposta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro abrangia também
servidores estaduais
e municipais. O relator Samuel Moreira (PSDB-SP), porém, retirou estados e municípios da reforma da Previdência no seu parecer.
O que muda nas pensões?
Pensão por morte
não será mais 100%
do valor do benefício. Será de 50% mais 10% por dependente. Se a família for uma viúva com dois filhos, por exemplo, o benefício será de 80% (50%+10% para a viúva, além de 10% por cada filho). Quando o dependente atingir a maioridade, sua parcela da pensão deixará de ser paga.
Será possível acumular benefícios?
Quando houver acúmulo, o
benefício de menor valor terá um corte
, escalonado por faixa de renda. Professores e médicos poderão acumular duas aposentadorias em regimes diferentes (previdência estadual e federal, por exemplo). Mas ficam sujeitos a cortes no acúmulo de aposentadoria com pensão.
Como será calculada a aposentadoria?
Só receberá integralmente (até o teto do INSS) quem contribuir por 40 anos. Com 20 anos, 60% do valor. A cada ano a mais de contribuição, há acréscimo de 2%, até 100% aos 40 anos. Mas será mantido o piso de um salário mínimo. O cálculo do benefício vai mudar: será considerada a média de todas contribuições, sem descartar as 20% menores.
O desconto mensal para a Previdência vai mudar. No INSS, os percentuais serão de 7,5% a 14% e serão progressivas, como no IR, com cada fatia do salário pagando uma alíquota. Quem ganha acima do teto do INSS vai contribuir só até a parte do salário que fica dentro do limite. Para o servidor, as alíquotas vão de 7,5% a 22%, também progressivas.
Militares entram na reforma?
O
sistema dos militares
não está na Constituição, por isso não entra nesta reforma da Previdência. O governo enviou um outro projeto de lei para mudar o sistema das Forças Armadas que prevê, ao mesmo tempo, uma reestruturação na carreira dos militares, com aumento de gratificações.
O que muda em benefícios assistenciais?
O relator vai retirar de seu parecer a mudança nos
benefícios assistenciais
(BPC). Continuará valendo a regra atual: quem tem mais de 65, não recebe nenhum benefício e cuja renda familiar é inferior a 1/4 do salário mínimo (atualmente, R$ 294,50) tem direito ao BPC, no valor de um salário mínimo (hoje em R$ 998).
Haverá regime de capitalização?
A capitalização, no qual o
trabalhador poupa hoje para financiar sua aposentadoria
no futuro, estava prevista na proposta do governo. Seria adotada para quem ainda não ingressou no mercado de trabalho. Mas o relator retirou a capitalização do seu parecer.
Pode haver mudanças no futuro?
A proposta do governo previa retirar da Constituição algumas regras previdenciárias, facilitando mudanças no futuro. Líderes partidários pressionaram para manter todas as regras na Constituição, e o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) alterou o projeto do governo para evitar a “desconstitucionalização” da Previdência.
O relator retirou os estados e municípios da reforma. Mas a inclusão dos governos regionais pode ser feita por emenda, durante a votação da reforma no plenário da Casa. Além disso, governadores poderão apresentar nas suas próprias assembleias propostas para alterar os regimes previdenciários locais.
Como é em outros países?
Na América Latina, somente o Brasil e o Equador não exigem idade mínima para a aposentadoria. Na Europa, só a Hungria. A maioria dos países adotou pisos de 60 anos para cima. Na União Europeia, até o ano que vem, apenas sete países terão idade mínima inferior a 65 anos.
Segundo o ex-secretário de Previdência Social e consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim, a alteração na aposentadoria por invalidez coloca o Brasil na mesma situação de outros países, onde o prazo de carência é maior, e o benefício não é integral. Ele lembrou que, no serviço público, a aposentadoria por invalidez já é proporcional ao tempo de contribuição.
— As regras brasileiras estimulam a aposentadoria por invalidez — disse Rolim, que defende um piso de 65% para o benefício.
A proposta de reforma da Previdência também prevê redução no valor da pensão por morte — que também é integral e cairá para algo entre 50% e 60%, mais 10% por dependente para os novos beneficiários, tanto no INSS quanto no serviço público. Neste caso, as regras ficarão mais duras, pois o valor da pensão que ultrapassa o teto do INSS já recebe um corte de 30%.
Em outra ponta, o governo estuda restringir o acúmulo de pensão e aposentadoria, com a fixação de um teto para os dois benefícios, que poderia ser o limite do INSS. Há dúvidas se a medida valeria somente para rendas mais elevadas ou se teria que abranger todos os segurados — como as trabalhadoras na área rural, que, sem contribuir para o INSS, têm direito a se aposentar aos 55 anos e acumular a pensão no caso da morte do marido, recebendo, portanto, dois salários mínimos.
Já nas áreas urbanas, as donas de casa, por exemplo, só recebem um salário no caso da morte do cônjuge. Se a decisão for ajustar o sistema para todos, uma proposta é reduzir ainda mais o valor da pensão em situações de acúmulo de benefícios. Em linhas gerais, a reforma visa à convergência em todos os setores, com idade mínima e regras mais duras para os atuais trabalhadores com até 50 anos. Acima desta idade, terão de pagar “pedágio” entre 40% e 50% sobre o tempo que falta para se aposentar.