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Pai no tráfico e fugas de casa: irmãs do badminton lembram infância no morro

Ao lado da mãe Cátia Oliveira, Lohaynny e Luana viram o pai ser morto em 2002, no Chapadão, comunidade no Rio de Janeiro, e chegam em Toronto ao segundo Pan

Por Direto de Toronto

O sono das meninas de quatro e seis anos, por vezes, era interrompido no meio da madrugada. Tiros cortavam um dos becos do Chapadão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Era a senha para mais uma mudança. A parede rosa, as bonecas, tudo teria que esperar mais um pouco... Em um ano, foram 15 trocas de endereço no morro. Uma das casas foi o "lar" de Lohaynny e Luana por apenas um dia. As fugas antes do sol nascer tinham explicação. Lohaynny e Luana são filhas de Sandro de Oliveira Vicente, o Bodão, traficante e na época um dos "donos" do Chapadão. Principais nomes do badminton brasileiro e representantes do país nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, no Canadá, elas viveram o inferno e o céu na favela.

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Lohaynny Vicente e Luana Vicente Badminton (Foto: Divulgação)As irmãs Lohaynny Vicente e Luana Vicente em ação (Foto: Divulgação)


Alvo de operações policiais e também dos inimigos do tráfico, Sandro carregava as crianças e a companheira Cátia Mendes de Oliveira sempre que mudava seu esconderijo. Foi assim até a mãe das meninas ser ver obrigada a ficar em uma casa só com as duas. O risco era imenso. Em 2002, numa operação policial no Chapadão, ele foi encontrado e acabou morto pela polícia em uma troca de tiros. O pesadelo de perder o pai não foi sentido e, mais uma mudança, desta vez para a favela da Chacrinha, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, era o começo de uma nova vida. Uma vida chamada badminton.

Pan badminton Luana e Lohaynny Vicente (Foto: Gabriele Lomba / Globoesporte.com)As irmãs no Pan de Guadalajara, em 2011
(Foto: Gabriele Lomba / Globoesporte.com)

- Meu pai era dono do Chapadão. Os policiais viviam atrás dele, e tínhamos que nos mudar muito. Eu não lembro muito da minha infância em relação à escola, essas coisas, eu não tinha muito medo porque não entendia muita coisa. A gente chegou a morar em 15 lugares em um ano. Tinha casa que a gente dormia uma noite. Com seis anos, meu pai faleceu, a gente foi morar na Chacrinha, e minha mãe, quando eu tinha uns oito, nove anos, conheceu o meu padrasto, Julio César, que é o nosso pai. A gente prefere não falar porque acho que machuca ela, sabe? A gente era muito pequena, mas ela viveu tudo - lembra Luana, hoje com 21 anos.

Mais nova, aos 19 anos, Lohaynny só conhece a história pelas conversas com a avó e a mãe.

- Eu era muito nova. Fui esquecendo. Não lembrava de muitas coisas. Mas nunca procurei saber muito. Minha mãe não gosta de falar disso. E procuro não saber muito. Sabia muito pela minha avó. É difícil tocar no assunto. Só quando me perguntam que comento sobre isso. Me sinto orgulhosa. Minha mãe também. Se não tivesse o badminton ou o esporte, poderia ter seguido outros caminhos - diz a atleta.

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vida nova na chacrinha

A chegada de um novo pai veio quase na mesma época que o badminton. Morando muito próximo do projeto Miratus, iniciativa de Sebastião Oliveira na comunidade, Luana e Lohaynny conheceram o esporte. Sem dinheiro sobrando, amarravam as cordas das raquetes quebradas, colavam as petecas danificadas e por vezes treinavam descalças. Mas o talento estava ali. Bruto. Não demorou muito, e a seleção era uma realidade. Luana, com 14 anos, Lohaynny, com 12. Campeãs brasileiras e do Pan-Americano júnior, as irmãs venceram as dificuldades através dos triunfos no badminton. E ajudaram a crescer o projeto que as revelou. 

Mosaico - badminton (Foto: Editoria de Arte)Começo do projeto Miratus na Chacrinha (Foto: Editoria de Arte)

- Era bem difícil. Mas o projeto ajudava a gente muito. Pagava tudo. Depois que começamos a jogar bem e ir para torneios estaduais e nacionais, eles pagavam. Fui para o Pan-Americano júnior, ganhei uma medalha de ouro lá, e conseguimos mais investimentos para o projeto e para mim e minha irmã. Todo começo é difícil. Nós montávamos as petecas no projeto social. Quando elas quebravam, tínhamos que colar. As raquetes, quando uma arrebentava, nós tínhamos que amarrar as cordinhas para jogar. Quando o projeto cresceu, conseguimos todas as cordas e a máquina para alinhar as raquetes - se recorda Lohaynny.

Sem esquecer tudo que viveu, Luana não faz ideia do que faria sem o badminton em sua vida. Tanto é que trata o esporte como a sua salvação. Se hoje são esperanças de medalha em Toronto, elas esperam vencer no Canadá não apenas pelo pódio, mas para retribuir o que o esporte da peteca fez em suas trajetórias.

- Eu acho que o badminton foi a porta, a nossa única chance, eu não sei o que seria da gente se não fosse o badminton. Até hoje, quando vamos no Chapadão, eu não vou mais, mas minha irmã vai, as pessoas ainda lembram da gente. As pessoas conhecem. Eu me sinto uma vitoriosa, se não fosse pelo badminton, eu não seria o que sou - garante Luana.

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medalha em toronto?

As irmãs chegam aos Jogos Pan-Americanos pela segunda vez. Luana joga no individual e duplas femininas. Lohaynny, no individual, duplas femininas e duplas mistas. São três chances de medalha para a primeira e duas para a segunda. "Prontas", elas não querem desperdiçar a oportunidade de sair com medalha como foi em Guadalajara, em 2011.

- Seria a maior medalha que já conquistei. Tudo que a gente passou, tudo que fizemos para chegar até lá, significaria tudo para a gente. Seria fazer valer a pena todo o esforço da minha mãe. Entro muito mais experiente. Foram dois anos e meio focada para essa competição, para fazer bem. Espero chegar ao pódio na dupla mista, individual e na dupla feminina. Quero voltar com excesso de bagagem. Estamos indo muito bem e espero que continue assim no Pan também - explica Lohaynny.

Luana e Lohaynny (Foto: João Pires)Luana e Lohaynny vão jogar juntas e também no individual em Toronto (Foto: João Pires)


O discurso de Luana é alinhado com a irmã. Se em 2011 entrou praticamente sem responsabilidade, apenas pela experiência, em Toronto, a história é diferente. A chance de medalha é real.

- Sinto porque tenho chance de ganhar. Lá era mais experiência. Eu acho que, por sermos irmãs, é mais fácil. O fato de nos conhecermos, convivermos juntas, temos uma química, acho que é uma sintonia dentro da quadra. Eu quero essa medalha de qualquer jeito, porque operei e foi muito difícil. A medalha de vice veio no Pan da modalidade, e esse ano eu quero ouro. Hoje meu primeiro objetivo é o Pan-Americano. Passou o Pan, é preparar tudo, organizar tudo para as Olimpíadas - conta Luana.

Os primeiros jogos dos brasileiros:

Sábado (11/07):
11h45 – Simples feminina: Fabiana Silva x Priscille Tjitrodipo (SUR)
12h20 – Simples feminina: Luana Vicente x Camila Macaya (CHI)
13h30 – Simples masculina: Daniel Paiola x Leodannis Martinez (CUB)
14h40 – Duplas mistas: Alex Tjong/Lohaynny Vicente x Heymard Humblers/Nikte Sotomayor (GUA)
15h15 – Simples masculina: Ygor Coelho x Federico Diaz (ARG)
17h35 – Simples feminina: Lohaynny Vicente x Melissa Perez (CUB)
18h10 – Simples masculina: Alex Tjong x Mario Cuba (PER)
18h45 – Duplas mistas: Hugo Arthuso/Fabiana Silva x Lino Muñoz/Cynthia Gonzalez (MEX

Domingo (12/07):
10h35 – Dupla feminina: Fabiana Silva/Paula Beatriz x Haramara Gaitan/Cynthia Gonzalez (MEX)
11h45 – Dupla masculina: Alex Tjong/Ygor Coelho x Mario Cuba/Martin Del Valle (PER)
12h20 – Dupla masculina: Daniel Paiola/Hugo Arthuso x Andres Corpancho/Jose Guevara (PER)