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Sem medo do salto da morte: indiana da ginástica testa seus limites no Rio

Dipa Karmakar treinava com ratos circulando pelo ginásio e aparelhos montados com sucata. Na final deste domingo, ela vai tentar de novo o perigosíssimo Produnova

Por Rio de Janeiro

O ginásio em Tripura, região pobre no nordeste da Índia, era todo improvisado. A tábua de impulso do salto era feita com sucata e amortecedores usados de uma moto. Colchões velhos empilhados amorteciam a queda. Ratos e baratas circulavam sem cerimônia. Alagamentos eram constantes na temporada de chuvas. Até o uniforme de treino era emprestado. Foi assim que Dipa Karmakar começou na ginástica, então não venha falar com ela sobre limites. Aos 23 anos, a especialidade da moça é pegar limites e fazer deles picadinho. Dipa é a primeira mulher a representar a Índia na ginástica em uma Olimpíada. E sem esse papo de sonho realizado ou missão cumprida. Ela quer mais. Ainda que precise colocar a própria vida no limite. Com 1,51m de coragem pura, a indiana trouxe para o Rio uma cartada de gente grande: o salto da morte.

Dipa Karmakar, Índia, ginástica artística (Foto: AP)Vai, Dipa! A indiana executou o salto Produnova nas eliminatórias e vai fazer de novo na final deste domingo (Foto: AP)

Apenas cinco mulheres em todo o planeta conseguiram executar em competições oficiais o Produnova, um duplo mortal com nível máximo de dificuldade. A primeira foi a própria Yelena Produnova, a russa que batizou o salto em 1999 (veja aqui no vídeo a incrível precisão dela). Dipa brindou o público carioca com o movimento nas eliminatórias há uma semana e conseguiu média de 14.850. Foi mais do que o suficiente para colocá-la na final deste domingo, a partir das 14h47, na Arena Olímpica. Estará ao lado de feras como a americana papa-ouros Simone Biles, a coreana Hong Un-Jong e a russa Maria Paseka.

É difícil, mas o treino ajuda. Não fico com medo. Meu técnico me dá todo o apoio para tentar 
Dipa Karmakar

O apelido do salto não é exagero. Muita gente boa da ginástica defende que ele seja banido, por causa do alto risco de lesão de pescoço na queda. Como é muito difícil controlar a maneira de cair, o perigo de uma lesão grave é óbvio. Mas perigo nunca foi problema para Dipa.

- É difícil, mas o treino ajuda. Não fico com medo. Meu técnico me dá todo o apoio para tentar – disse a ginasta ao GloboEsporte.com, sem dominar o inglês, mas dominando com sobras os limites do seu corpo e ressaltando a importância do treinador Bisweshwar Nandi no processo que a levou à perfeição.

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A final de domingo terá 11 competidoras. Entre elas está outra daquelas cinco que já executaram o Produnova em algum momento. Oksana Chusovitina, do Uzbequistão, é uma lenda da ginástica, com sete Olimpíadas nas costas. Aos 41 anos, ela tentou várias vezes o salto da morte no treino de pódio antes de competir no Rio, mas caiu sentada em todas as tentativas. Avançou à fase decisiva com outro movimento (veja no vídeo abaixo).

 

Ainda não dá para cravar que Chusovitina vai tentar o Produnova na final, mas Dipa não tem motivos para não tentar. Com 23 anos completados na última terça-feira e idade para ser filha da uzbeque, a indiana vem se preparando com afinco nos últimos três meses. Foram mais de mil repetições para moldar a perfeição do movimento.

A ideia é repetir o feito dos Jogos da Comunidade Britânica de 2014, quando Dipa deixou de ser apenas uma ginasta anônima da Índia e começou a ganhar o mundo. Na competição em Glasgow, na Escócia, ela arrancou uma medalha de bronze executando o Produnova na final (veja aqui como foi). O resultado foi imediato. Em Tripura, não dá mais para andar sossegada, e a atleta chegou a comparar o assédio com o que sofrem as famosas atrizes de Bollywood.

Dipa Karmakar, Índia, barra de equilíbrio ginástica artística (Foto: AFP)Dipa na barra durante as eliminatórias na Arena Olímpica: a ginasta quer inspirar jovens atletas na Índia (Foto: AFP)

A façanha não é pouca coisa. Além de ser a primeira ginasta mulher da Índia em Olimpíadas, é a primeira ginasta do país – homem ou mulher – nos Jogos desde 1964. Indianos classificados para a final? Nenhum antes dela.

- Estou muito feliz e empolgada por estar na Olimpíada. Feliz por ter sido a primeira ginasta da Índia a se classificar, e empolgada para fazer meu melhor. É um momento de mudança para a ginástica da Índia, e estou muito feliz por participar deste momento - afirmou.

Dipa Karmakar, Índia, ginástica artística (Foto: Reuters)A execução do Produnova nas eliminatórias ajudou a colocar Dipa na final deste domingo no Rio (Foto: Reuters)

Pelo visto a Índia também está muito feliz. O pai de Dipa, Dulal Karmakar, não larga o telefone no Rio. No intervalo de quase uma semana entre a eliminatória e a final, as ligações da Índia chegaram sem parar. Todo mundo querendo saber como está a pequena notável de Tripura.

Ela está tensa, mas bem.

Se vai furar a fila das favoritas e arrancar uma medalha improvável, só saberemos na tarde deste domingo. Mas a esta altura o mundo da ginástica já sabe: dizimar limites é com ela mesma.